90% das pessoas não confiam nos outros, diz pesquisa
Brasil é o último no ranking de confiança em uma lista de 30 países
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Pense e responda: de modo geral, você diria que a maioria das pessoas é confiável ou tem de ser cuidadoso ao lidar com elas? Esta foi a pergunta feita a pessoas de 30 países em uma pesquisa internacional. O resultado foi que o Brasil ficou em último lugar no ranking da confiança. A maioria dos brasileiros (90%) confessou que não confia nas outras pessoas.
Na pesquisa realizada pelo Instituto Ipsos, os maiores índices de confiança foram para China e Índia, onde 56% dizem que a maioria das pessoas pode ser confiável.
“A confiança é a base de tudo. Desde quando a gente nasce, aprendemos a confiar e nos sentimos seguros diante dos desafios. Mas tudo isso é um processo que precisa ser construído”, observa a psicóloga Naira Delboni.
Não é à toa que o Brasil é o país dos desconfiados, segundo especialistas. Vários motivos foram elencados, que são desde a época da colonização até hoje.
“Acredito que há uma questão histórica importante nesse processo de confiança do brasileiro. Temos um país com um maior nível de desigualdade e isso acontece há muito tempo, é marca da nossa história. Essa desigualdade nada mais é do que um efeito da falta de solidariedade, de entendimento do outro como um igual”, aponta o professor Frank Andrew Davies, do Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política da Universidade Vila Velha.
Além disso, o sociólogo ressalta que o momento político e social de muita desinformação aumenta a desconfiança social. “A gente acaba entrando em um ciclo vicioso porque a desconfiança gera mais desconfiança. Entramos em processos perigosos de acirramento da intolerância”, alerta.
Outro importante traço cultural que contribui para a desconfiança é o “jeitinho brasileiro”, como observa o psicólogo Nelson Junior.
“O brasileiro, em sua maioria, ainda prefere favorecer aquele com quem tem alguma afinidade ou vantagem do que aquele que realmente tem o mérito. A confiança é necessária para evolução e acolhimento. O índice de confiança em países ricos é muito maior, denotando que há uma relação direta entre qualidade de vida, economia e trabalho com a capacidade de confiar no outro”.
“Só vejo maldade”

A jovem Ariadne Tomaz Salvador, de 26 anos, que é influencer digital, conta que tem dificuldade em confiar em outras pessoas, principalmente, quando se trata de amizades.
“Tenho medo de acabar me frustrando, pelas últimas experiências que tive, com pessoas novas na minha vida. Parece que ficou um trauma das decepções que tive, e agora só vejo maldade nas pessoas, acho que todo mundo vai agir de má-fé comigo. Então prefiro me fechar para não passar por todo desgaste emocional novamente”.
“Não confio em ninguém”

A gestora de marketing Letícia Carvalho, de 44 anos, sofreu golpes ao longo da vida, inclusive em relacionamentos amorosos, e hoje se considera uma pessoa que não confia em ninguém.
“Até que me prove merecer de verdade. A confiança é algo que deve ser construído, pois é muito frágil. Uma vez quebrada, jamais será reconstruída. Uma situação que sou muito desconfiada é em relacionamento. Já fui muito traída, e isso criou uma barreira grande com relação ao próximo”, contou.
“Tive três relacionamentos desastrosos, e isso fez com que eu sinta cada vez mais medo de confiar novamente em alguém. Hoje tenho uma pessoa maravilhosa e juntos estamos construindo a confiança de casal”.
“Ingenuidade”

A gestora Nauana Araújo de Souza, 36 anos, contou que sempre dava um voto de confiança às pessoas, até que se aproveitaram dessa confiança para aplicar um golpe.
“No fim de 2020 fiz uma amizade com uma pessoa que se demonstrou extremamente afetuosa comigo e começou a entrar de mansinho na minha vida. Me fez confiar nela e me convenceu a abrir uma sociedade, um negócio de roupas”, conta.
Porém, Nauana descobriu que a nova amiga era extremamente manipuladora e planejou um golpe contra ela.
“Depois disso me fechei de uma forma que não consigo mais fazer amizades e até me tornei um pouco complexada. Pois fico achando que todo mundo quer aproveitar da minha ingenuidade”, conta.
A PESQUISA
- 30% é a média de pessoas, dos 30 países pesquisados, que dizem que o outro pode ser confiável.
- Na maioria dos países, os adultos casados tendem a confiar mais nas outras pessoas do que aqueles que não são casados.
- No Brasil só 8% das mulheres dizem que as pessoas são confiáveis. Homens são 14%, maior do que a média nacional.
Metodologia
- Estas são as conclusões da pesquisa feita pelo Instituto Ipsos em 30 países entre 18 de fevereiro e 4 de março de 2022.
- Ao todo, foram ouvidos 22.534 adultos de 18 a 74 anos nos EUA, Canadá, Malásia, África do Sul e Turquia, e de 16 a 74 em 25 outros países por meio da plataforma Global Advisor.
Causas de desconfiança
- Questões históricas e culturais que vêm desde o Brasil Colônia, com as relações tendenciosas e manipuláveis entre colonizadores e nativos.
- O “jeitinho brasileiro” que prefere favorecer aquele que oferece alguma afinidade ou vantagem do que quem realmente tem o mérito.
- Diferenças e injustiças sociais, impunidade e corrupção alimentam a desconfiança em várias vertentes.
- A disseminação de notícias falsas também contribui para o conflito e a separação, ficando mais prejudicial durante a pandemia.
- Forte polarização que vem se intensificando desde 2018 e que, em ano eleitoral, cresce de forma exponencial.
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