Há 5 anos Brasil chegava a 100 mil mortos por Covid-19
Em abril de 2020, os cemitérios públicos de São Paulo, por exemplo, realizavam pelo menos 30 enterros por dia de pessoas com suspeita de Covid
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Há cinco anos, em 8 de agosto, o Brasil chorava a morte de 100 mil brasileiros por complicações causadas pela Covid-19. O primeiro óbito no país foi da diarista Rosana Urbano, 57, em 12 de março, no Hospital Municipal Doutor Cármino Caricchio, no Tatuapé, zona leste de São Paulo.
Antes da confirmação do primeiro caso de Covid no Brasil, o país vivia um clima de relativa tranquilidade. O epicentro da doença ainda estava em Wuhan, na China, e apenas alguns países europeus e os EUA começavam a registrar um aumento de infecções.
Em abril de 2020, os cemitérios públicos de São Paulo, por exemplo, realizavam pelo menos 30 enterros por dia de pessoas com suspeita de Covid. Médicos e demais profissionais de saúde tiveram que se afastar dos familiares para protegê-los. A categoria viveu uma segunda pandemia em paralelo, caracterizada pelo esgotamento físico, mental e emocional. Na época, o então presidente Jair Bolsonaro (PL) referia-se à Covid como "uma gripezinha".
O SUS (Sistema Único de Saúde) era considerado bom pelos especialistas, mas havia preocupações diante da limitada capacidade inicial de testagem, que dependia de apenas três laboratórios habilitados, no Rio de Janeiro, em São Paulo e em Belém.
Outros problemas de saúde eram mais concretos naquele momento, como o aumento de casos de dengue e sarampo.
A partir daquele primeiro registro de morte, o avanço da pandemia foi rápido. O país enfrentava uma crise sanitária sem precedentes, em parte pelas mudanças frequentes no Ministério da Saúde, com as saídas de Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich.
Para efeito de comparação, as vítimas da Covid no Brasil representavam 14% das mortes no mundo, sendo que a população brasileira representava somente 2,5% da população mundial. O recorde de mortes em 24 horas foi atingido no dia 29 de julho, com 1.554 vidas perdidas.
No plano global, as perspectivas para uma vacina ainda eram incertas. Em 11 de agosto, a Rússia anunciava a aprovação da regulação da Sputnik V. Porém, o anúncio foi recebido com bastante ceticismo pela comunidade científica, já que os testes ainda estavam sendo feitos e os resultados não haviam sido divulgados.
Outras candidatas à vacina contra a Covid estavam em fases avançadas de testes e apresentavam resultados promissores. A chinesa Sinovac e a britânica Oxford/AstraZeneca planejavam avaliar o último paciente em outubro de 2021, enquanto a Pfizer estimava concluir suas pesquisas em novembro daquele mesmo ano.
POLARIZAÇÃO POLÍTICA
Para Evaldo Stanislau de Araújo, infectologista do Hospital das Clínicas de São Paulo, a polarização político-ideológica poderia ter evitado parte das mortes.
"Trabalhos em vários lugares do mundo mostram que onde existia um predomínio das pessoas que se identificavam com negacionismo e se recusavam a usar máscara, as medidas de prevenção e a tomar vacina, a mortalidade foi maior do que nas regiões onde você tinha pessoas que acreditavam naquilo e que se protegeram efetivamente", comenta.
Durante a pandemia, o farmacêutico Gustavo Mendes foi gerente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e atuou na linha de frente da regulação dos estudos, das vacinas e dos tratamentos. Na sua opinião, a demora na conscientização das pessoas em nível global impactou na velocidade do aumento de mortes.
"O que foi feito na época era o que tecnicamente estava disponível. Sabíamos que era uma doença viral, com transmissão respiratória, por contatos com fluidos e superfícies contaminadas. E as medidas disponíveis, com o conhecimento que nós tínhamos, era realmente higienizar, fazer o isolamento", afirma Mendes.
Para o infectologista David Uip, diretor nacional de infectologia da Rede D’Or e reitor do Centro Universitário FMABC, a pandemia deu o diagnóstico claro da desigualdade no Brasil.
"O SUS é fantástico. Se não fosse o SUS, teria sido muito pior. No Brasil e no mundo, as regiões que tiveram mais recursos se saíram melhor", afirma Uip, que foi um dos coordenadores do Centro de Contingência do Coronavírus criado em março de 2020 pelo então governador de São Paulo, João Doria.
LIÇÕES APRENDIDAS
Do ponto de vista médico e científico, segundo Araújo, os aprendizados foram profundos. O Brasil desenvolveu melhores sistemas de vigilância, tecnologias de diagnósticos, de tratamentos e de vacina.
"Como sociedade, em relação aos sentimentos mais nobres, de solidariedade, de amor ao próximo, de autocuidado e de cuidado com o próximo, eu acho que não aprendemos quase nada. Voltamos à estaca zero e talvez estejamos até mais mesquinhos", diz o infectologista do HC.
Atualmente, a doença é mais perigosa a idosos, doentes crônicos, imunossuprimidos e não vacinados ou com o esquema incompleto.
O sistema imunológico aprendeu a lidar com o coronavírus. Há a imunidade natural, a induzida por vacina e pela doença. Outro fator é que o vírus em circulação hoje é diferente do que surgiu no início da pandemia. De certa forma, as novas variantes são menos agressivas para o sistema respiratório inferior.
"A Covid segue como uma doença muito importante, ainda em grandes aspectos desconhecidos, sobretudo efeitos de longo prazo, mas ela é mais localizada no trato respiratório superior e menos agressiva do que foi no passado", finaliza Araújo.
"Não estamos imunes a futuras pandemias. Não acho que o que aconteceu com a Covid nos imunizou para sempre e nunca mais teremos um vírus que vai sair do controle e demandar esforço de desenvolver novas vacinas e outras medidas mais duras. Trazer esse tema é importante para que as pessoas mantenham o estado de observação e alerta", diz o ex-servidor da Anvisa.
Segundo David Uip, apesar do aprendizado, há questões que o país deve se preocupar. "Tem lições que nós deveríamos ter aprendido e não aprendemos. Se nós tivermos uma epidemia hoje, da onde sairão os insumos? Nós vamos ficar reféns de novo da Índia, da Coreia do Sul? Ficaremos dependentes da China de novo?", questiona.
"O que foi feito? Caso aconteça novamente, como é que vamos agir? Nós aumentamos suficientemente os hospitais, principalmente as UTIs, com competência para tratar doença grave. Só que precisa ter equipes multiprofissionais treinadas", pondera Uip. Em sua opinião, o Brasil não está preparado para uma próxima pandemia.
"O país precisa se preparar com a produção de insumos, medicamentos e vacinas", finaliza.
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