Supremo quer decidir sobre aborto e drogas até o fim do ano
As duas questões devem ter desfecho este ano. Especialistas explicam que a descriminalização, se determinada, não torna as práticas legais

Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) pretendem decidir sobre a descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal e do aborto em gestações de até 12 semanas ainda neste ano.
A retomada do julgamento da descriminalização das drogas está marcada para a próxima quarta-feira, quando a Corte irá julgar a constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas, que considera crime adquirir, guardar e transportar entorpecentes para consumo pessoal.
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A análise do processo está suspensa há sete anos. Até o momento, três ministros já apresentaram votos a favor da descriminalização.
Gilmar Mendes, em 2015, votou a favor da posse de todas as drogas para uso pessoal. Os ministros Edson Fachin e Luís Roberto Barroso votaram para restringir a liberação do porte apenas para maconha. A expectativa é de que os outros ministros se manifestem.
Porém, senadores e deputados têm se manifestado contra o fato de o STF decidir sobre esses temas, alegando que a responsabilidade teria de ser do Legislativo.
De acordo com o pós-doutor em direito penal, professor da FDV e advogado criminalista Raphael Boldt, a principal função do STF é ser guardião da Constituição.
“Em alguns casos, o STF extrapola essa função e acontece o que chamamos de ativismo judicial, quando há uma proatividade do Judiciário”.
Ele explica que descriminalizar o porte de drogas não é a mesma coisa que legalizar. “Descriminalizar é deixar de ser crime, mas não quer dizer que está dentro da legalidade. Questões de comportamentos, criação de leis viriam depois.”
Já a doutora em bioética, professora e coordenadora de doutorado em Direito da FDV, Elda Bussinguer, comentou que o STF não tem o papel de criar leis, mas pode propor a descriminalização sem afetar o trabalho do Legislativo posteriormente.
“O STF pode descriminalizar condutas, só não pode criar leis. O Judiciário, nesse aspecto, está demonstrando cuidado com os direitos fundamentais”, comentou.
O julgamento sobre o aborto deve ser pautado pela ministra Rosa Weber para acontecer antes de outubro, mês no qual ela se aposenta de suas funções.
“Feto na 6ª semana já é humano”, diz médico
A ministra e presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Rosa Weber manifestou desejo de pautar a questão do aborto até outubro, mês em que a magistrada irá se aposentar.
A ação proposta pelo Psol defende a descriminalização da interrupção da gravidez com consentimento da gestante nas primeiras 12 semanas, ou seja, nos primeiros três meses de gestação. A relatoria do caso é da própria Rosa Weber.
O assunto é considerado preocupante por alguns ministros do STF, que entendem que o tema é polêmico.
De acordo com o ginecologista obstetra, presidente do sindicato dos Médicos do Espírito Santo e presidente da Federação Nacional do Médicos, Otto Baptista, o aborto legal já existe no Brasil, mas com algumas especificidades.
“Pode ser feito naquelas situações de risco para a vida da mãe, estupro ou determinada idade gestacional”, comentou.
Apesar disso, o médico acredita que não pode haver banalização da gravidez. “Toda gestação indesejada terminar com interrupção é algo preocupante. A ciência diz que a partir da 6ª semana o feto já é um ser humano”, afirmou.
Um fato que chama atenção do médico é o órgão que estaria capacitado para realizar as possíveis interrupções da gravidez, caso o STF descriminalize o aborto.
“A gente precisa entender qual profissional será esse, se a clínica estará capacitada para isso e se não haverá nenhum risco para a saúde da mulher”, comentou.
Julgamento tende a sofrer pressão da sociedade
Os temas a serem tratados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) devem movimentar parte da sociedade, que encara os assuntos como tabus. A bancada evangélica do Congresso, por exemplo, é contra a descriminalização do aborto e do porte de drogas.
Já movimentos ligados à esquerda brasileira tendem a ser favoráveis às descriminalizações. Prova disso é que a ação sobre o aborto no STF foi protocolada pelo Psol.
Juristas confirmam que é provável que os ministros do STF sofram pressão de várias frentes da sociedade no momento de seus votos, mesmo o Supremo tendo mais liberdade de neutralidade, já que os ministros não se preocupam com eleições constantes.
“O Legislativo costuma ser sensível às pressões sociais, mas o Judiciário também é influenciado por isso. Eles têm maior neutralidade, mas as pressões também acontecem com os ministros”, disse a doutora em bioética e professora e coordenadora de doutorado em Direito da FDV, Elda Bussinguer.
Já o pós-doutor em direito penal, professor da FDV e advogado criminalista Raphael Boldt comentou que o STF precisa ser contramajoritário, ou seja, não julgar para atender opinião e interesses, mas conforme a Constituição.
“O julgamento dos ministros deveria ser à luz da Constituição, mas eles são humanos e também acabam sofrendo pressão de grupos relevantes da sociedade”, comentou.
Segundo o doutor em Direito constitucional e professor da Ufes e FDV Daury Cesar Fabriz, a pressão para com o Supremo existe.
“Em um ambiente democrático os grupos de interesses estão sempre buscando influenciar o poder. Isso é legítimo”.
Entenda
Mudanças
- Caso os ministros do Supremo Tribuna l Federal (STF) decidam descriminalizar o porte de drogas para consumo próprio e, posteriormente, o aborto em gestação de até 12 semanas, algumas mudanças devem começar a acontecer no País.
- Para começar, a partir da decisão do STF, o Legislativo poderá ou não regulamentar as atividades por meio da criação de leis, como onde drogas como a maconha, por exemplo, poderão ser vendidas e onde as mulheres poderão realizar o aborto.
- No entanto, o efeito imediato da descriminalização desses temas pelo STF é tão somente deixar de ser crime.
- O cidadão não poderá ser conduzido à delegacia por conta de estar fumando um cigarro de maconha, por exemplo. Somente depois, caso o Legislativo decida sobre isso, é que as regulamentações comportamentais começarão a ser analisadas.
- Algo parecido aconteceu quando o Brasil proibiu que pessoas fumassem em aviões, por exemplo. O Legislativo precisou criar uma lei determinando isso.
Obstáculos
- Apesar de uma possível decisão favorável dos ministros do STF no sentindo de descriminalizar o porte de drogas para uso pessoal e o aborto, Juristas encaram como improvável a criação de leis que irão regulamentar o “mercado” nos próximos anos.
- Isso se deve porque, de acordo com eles, o atual Congresso Nacional é formado por maioria conservadora, o que deve prejudicar a criação de leis nesse sentido.
- Juristas defendem que é provável que o Legislativo se abstenha sobre esses assuntos nos próximos anos.
Fonte: Entrevistados
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