Caminho errado
Um olhar crítico sobre o descaso com as estradas brasileiras e o impacto direto na segurança e na vida da população
Pedro Valls Feu Rosa
Confúcio dizia que só os grandes sábios e os grandes ignorantes são imutáveis. Esta milenar lição traz, a reboque, a importância de, humildemente, reconhecer-se um erro e escolher-se outro caminho.
Falando em caminho, descobri que lá nos Estados Unidos da América 1,8% das mortes tem como causa acidentes de trânsito. Na França, 1,5%. No Japão, 1,1%. E lá vem o Brasil, bem depois da curva, com sinistros 4%.
Os EUA, a França e o Japão optaram pelo caminho primário de investir na qualidade das ruas e rodovias. A população trafega sobre vias lisas, conservadas com esmero, bem sinalizadas e conforme as melhores políticas de engenharia de trânsito.
Aqui no Brasil é diferente. Segundo um estudo da CNT, 72% das nossas estradas estão em péssimas condições. Uma em cada dez vias brasileiras não tem qualquer tipo de sinalização. Quer mais? 40,8% das nossas rodovias precisariam ser totalmente refeitas, pois nem reparos comportam mais.
Este quadro não é fruto da falta de dinheiro. Absolutamente. O Brasil rico e emergente que empresta bilhões de dólares para outros países tem, sim, recursos para fazer com que nossas ruas sejam mais apropriadas para seres humanos que para cabritos.
O curioso nisso tudo é que, descontadas as perdas de vidas, gastamos inacreditáveis US$ 10 bilhões a cada ano em decorrência de acidentes de trânsito. Fico a pensar se não sairia mais barato investir-se na qualidade das nossas vias.
Mas prossigamos: dia desses, enquanto sacolejava animadamente a bordo de um carro pelos caminhos deste Brasil, vi uma placa com os dizeres “Cuidado. Buracos na pista”. Cem metros à frente desta surreal sinalização deparei-me com uma “blitz” de trânsito, destas realizadas diariamente para nossa segurança.
Defende-se – com acerto – que o aparelho repressor do Estado deve constranger o mínimo possível os cidadãos. É igualmente correto que quem for apanhado fazendo alguma coisa errada deverá, invariavelmente, ser condenado a alguma pena – que irá, sim, cumprir – e terá que arcar com todas as consequências relativas à reparação dos danos que causou. Sem choro nem vela.
Isto deve valer para ricos e pobres, humildes e poderosos. Os meios de vigilância da sociedade – imprensa incluída – devem zelar permanentemente pelo respeito a estes princípios. Há que se ter liberdade, mas igualmente responsabilidade – e igualdade, claro!
Aqui no Brasil, porém, quase nunca é assim. Apenas 1% do que acontece nas ruas chegam ao mundo das leis, e míseros 2% dos condenados cumprem pena até o fim. Indenizações civis? Só se for ao final de longos processos judiciais.
O que chama a atenção é que diante deste fracasso ninguém pensa em mudar o sistema legal, tornando-o mais ágil e próximo da vida das pessoas. Que nada! O negócio é criar mais leis espalhafatosas – que dificilmente serão cumpridas – e policiar o povo de forma cada vez mais invasiva e intimidadora.
No século passado um milhão de brasileiros morreram em nossas vias. Pois é. Será que o Brasil não estaria no caminho errado?
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