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Internacional

Pesquisadores encontram manuscrito de padre jesuíta perdido há 300 anos

Depois da realização de pesquisas e de restauro, processo que levou três anos, o documento foi apresentado ao público em uma cerimônia em Lisboa nesta segunda


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Imagem ilustrativa da imagem Pesquisadores encontram manuscrito de padre jesuíta perdido há 300 anos
Por sua série de sermões, António Vieira, também diplomata e filósofo, ganhou status de um dos grandes da escrita portuguesa. |  Foto: Reprodução/Internet.

Considerado perdido por boa parte da comunidade acadêmica, o manuscrito original de "Clavis Prophetarum" (chave dos profetas), principal tratado político-filosófico de autoria do padre António Vieira (1608-1697), foi localizado por um grupo de pesquisadores de Portugal e da Itália.

A obra, cujo paradeiro ficou desconhecido por mais de 300 anos, foi encontrada por Ana Travassos Valdez, especialista em literatura apocalíptica e no trabalho do jesuíta, durante uma visita que fez à biblioteca da Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma para uma conferência.

Diante da excepcionalidade do material, a historiadora portuguesa disse que chegou a duvidar da autenticidade do manuscrito. Depois da realização de pesquisas e de restauro, processo que levou três anos, o documento foi apresentado ao público em uma cerimônia em Lisboa nesta segunda-feira (30).

"Após centenas de horas de transcrição e das análises de diversos laboratórios e especialistas, as dúvidas já não existem. É o original da 'Clavis'", disse Valdez. "Acabou o mito de que o original não existe. Ele está aqui, e o trabalho para desvendar seus segredos apenas começou."

A "Clavis Prophetarum" foi escrita originalmente em latim por António Vieira, que trabalhou na obra por mais de quatro décadas. Em seus últimos anos de vida, já com a saúde muito debilitada, o padre chegou a ditar trechos do texto -ele morreu sem terminá-lo. De caráter universalista, o tratado fala de justiça e paz e da construção das condições que levariam à evolução positiva da sociedade. Com mais de 300 páginas, divididas em três volumes, o documento era conhecido por meio de uma série de cópias e traduções.

Um dos maiores especialistas na obra de António Vieira, o professor de literatura Arnaldo do Espírito Santo juntou-se a Valdez para comprovar a autenticidade do material e fazer a interpretação do trabalho.

Para ele, que é professor catedrático emérito da Universidade de Lisboa, a importância do material não é apenas o fato de ser original, mas reside também na possibilidade de consultar o documento em sua totalidade. "O manuscrito traz muitas notas marginais. As cópias selecionaram algumas das notas."

Além dessas anotações marginais, durante o processo de análise os especialistas descobriram que algumas das páginas foram coladas por cima de outras, evidenciando as alterações no conteúdo da obra, que enfrentou a censura da Santa Inquisição. O trabalho, que contou com a colaboração de especialistas da Universidade Gregoriana, acabou sendo afetado pela pandemia da Covid-19. Durante quase dois anos, os pesquisadores portugueses não puderam ver o documento presencialmente.

Graças a um trabalho minucioso de digitalização, a dupla conseguiu ter acesso ao manuscrito e dar seguimento ao processo de interpretação. A ideia é que o conteúdo fique disponível em breve a outros pesquisadores, e estão previstas, ainda, a publicação de edições comentadas em português e inglês.

Por sua série de sermões, António Vieira, também diplomata e filósofo, ganhou status de um dos grandes da escrita portuguesa. Nascido em Lisboa em fevereiro de 1608, mudou-se com a família para o Brasil aos seis anos de idade. Completou os estudos em um seminário em Salvador e, em 1634, foi ordenado padre.

Ele retorna a Portugal em 1641, quando chegam as primeiras notícias de que o país havia se libertado do domínio espanhol. Rapidamente conquista a confiança do então novo rei, dom João 4º, e ganha funções políticas e diplomáticas. O talento para a oratória já se manifestava, assim como uma série de opiniões controversas à época, como a defesa de judeus e críticas à Santa Inquisição. Em 1653, volta ao Brasil e passa a atuar sobretudo na catequização de indígenas brasileiros.

Muitos de seus sermões e pregações eram críticos à escravização dos indígenas, o que lhe valeu bastante antipatia junto a certos setores políticos e, sobretudo, aos proprietários de terra. Em uma nova temporada na Europa, acabou condenado à prisão pela Santa Inquisição, em 1665, justamente pelo conteúdo de suas obras. Em 1668, conseguiu ter a pena anulada e, mais tarde, acabaria reabilitado.

António Vieira morreu em Salvador, aos 89 anos, em julho de 1697. Em paralelo à relativa defesa dos indígenas, alguns historiadores afirmam que o padre foi condescendente com o trabalho forçado de africanos. "O padre António Vieira atribuía o comércio de escravos a um grande milagre de Nossa Senhora do Rosário, porque, segundo ele, tirados da barbárie e do paganismo na África, os cativos teriam a graça de serem salvos pelo catolicismo no Brasil", escreve Laurentino Gomes em seu livro "Escravidão", de 2019.

Em junho de 2020, na onda de protestos contra figuras associadas à escravidão, uma estátua em homenagem ao religioso no centro da capital Lisboa foi vandalizada. O monumento foi pintado com tinta vermelha e teve a palavra "descoloniza" escrita em sua base.

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