Como ministro da Economia da Argentina virou candidato com país em crise
Mais da metade da população considera a inflação o principal problema da Argentina
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Sete em cada dez argentinos dizem que sua vida piorou no último ano, oito desaprovam o governo de Alberto Fernández, nove estão insatisfeitos com a política econômica, e mais da metade considera a inflação o principal problema da Argentina, vendo o dólar disparar novamente nas últimas semanas.
Por que, então, o atual ministro da Economia, Sergio Massa, foi o escolhido pela aliança peronista para concorrer à Presidência nas primárias de domingo (13) e nas eleições de outubro, e ainda tem chances de ganhar? A resposta passa ao menos por quatro principais fatores, segundo analistas ouvidos pela reportagem.
Primeiro, Massa não é tão atrelado às causas da crise e atende à lógica do "ruim com ele, pior sem ele". Segundo, ele não é um peronista tradicional, está mais ao centro e tem certa autonomia. Terceiro, se beneficia de um perfil considerado firme, mas conciliador. Por último, compete num país em constante crise econômica, onde figuras vindas dessa área historicamente têm destaque na política.
O nome de Massa foi definido na última hora, dentro de uma espécie de "lista tríplice". Até a véspera do fechamento das candidaturas, em junho, pensava-se que ele disputaria as primárias de seu espaço político contra o embaixador argentino no Brasil, Daniel Scioli, e/ou o ministro do Interior, "Wado" de Pedro.
Em anúncio inesperado nas redes sociais, porém, a coalizão União pela Pátria --sob forte influência da vice-presidente Cristina Kirchner-- decidiu levar um candidato único às urnas, na intenção de concentrar os esforços de campanha e dividir o mínimo possível os votos de centro-esquerda e esquerda, ameaçados por um antikirchnerismo crescente.
Até agora, individualmente, o ministro tem a maior porcentagem de intenção de votos, ao redor de 25%, na média de pesquisas do site La Politica Online. Isso porque os eleitores da principal força de oposição ainda estão divididos entre o governante de Buenos Aires, Horacio Larreta, e a ex-ministra de Segurança Patricia Bullrich, que somam cerca de um terço. O deputado ultraliberal Javier Milei flutua abaixo dos 20%.
"A visão das pessoas sobre a economia depende da lente que elas usam", diz o economista Jorge Paz, do Instituto de Estudos Laborais e Desenvolvimento Econômico (Ielde). "Se você olhar a inflação e o dólar, vai ver uma Argentina; se olhar a atividade e o emprego, vai ver outra. Talvez o setor mais afetado pela crise tenha sido a classe média, mas os programas do governo ainda sustentam os setores mais baixos."
Ele se refere ao fato de que, no último ano, os preços subiram 116% no país --o segundo maior índice da América Latina, atrás apenas do da Venezuela-- e o dólar paralelo ficou 104% mais caro. Por outro lado, as taxas de atividade econômica e emprego melhoraram, por isso Massa tem explorado sua imagem ao lado de trabalhadores, sem mencionar que a pobreza e desigualdade cresceram nos dados mais recentes.
Ele também é lembrado por alguns como alguém que desacelerou a inflação num primeiro momento. "Massa assume o ministério [em agosto de 2022] em meio a um cenário turbulento, uma corrida inflacionária e a renúncia do [ex-ministro] Martín Guzmán, e consegue estabilizar a economia, além de unificar o apoio da coalizão", diz Hernán Letcher, diretor do Centro de Economia Política Argentina (Cepa).
Aí vem a segunda explicação para a escolha do ministro como candidato. Apesar de ser próximo de Cristina há mais de 15 anos, ocupando seu cargo de chefe de gabinete em 2008, Massa rompeu com o kirchnerismo alguns anos depois e fundou um novo partido, a Frente Renovadora, pelo qual foi eleito deputado federal. Quando foi alçado a ministro, portanto, liderava um dos tripés da aliança peronista.
Essa posição lhe deu autonomia dentro do governo e o distanciou da imagem do presidente Alberto Fernández, que amarga a pior avaliação de um presidente argentino nas últimas duas décadas. Massa, inclusive, tentou ser presidente nessa época de ruptura, mas ficou pelo caminho com 22% dos votos, atrás de Mauricio Macri, que venceu, e do embaixador Scioli, que ele hoje "impediu" de competir.
Soma-se a esses fatores sua personalidade, vista como audaciosa e pragmática, mas também conciliadora. Isso o ajudou a renegociar o empréstimo bilionário contraído com o Fundo Monetário Internacional por Macri, a quem ele costuma culpar pela crise, além de uma seca histórica que reduziu as exportações do país.
"Boa parte do establishment argentino e dos eleitores não alinhados ao kirchnerismo sentem afinidade com Massa. É um bom candidato a um segundo turno, porque pode costurar parte dos votos que um outro candidato de esquerda daria à oposição. Se ele disputa com Bullrich [mais linha-dura], tem chances de ganhar", diz Letcher.
O cenário muda, porém, se Larreta for o vencedor das primárias da oposição neste domingo, já que os dois competem pelo eleitor de centro, ou se a situação da economia piorar consideravelmente até lá. Massa também terá que nadar na contramão de resultados negativos nas eleições provinciais dos últimos meses, nas quais o peronismo perdeu bastiões que dominava há décadas.
No entanto, pesa ainda a seu favor uma exposição que poucos candidatos costumam ter. "O argentino médio acorda e liga a televisão para ver quanto está o dólar. Em outros países, ninguém tem nem ideia de quem é o ministro da Economia. Aqui, às vezes ele é mais importante que o presidente", diz Jorge Paz.
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