Previsão de mais imóveis à venda e alta no preço do aluguel
Cruzamento de dados da Receita acabará com acordo informal, em que imposto acaba não sendo pago, o que trará impactos ao mercado
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O Cadastro Nacional de Imóveis, que entra em vigor no ano que vem e promete acabar com os chamados “contratos de gaveta”, deve aumentar o número de imóveis à venda e provocar alta nos preços dos aluguéis.
No entendimento do presidente da Comissão de Direito Imobiliário da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Espírito Santo (OAB-ES), Luiz Alberto Musso Leal Neto, haverá, num primeiro momento, um impacto no mercado.
“Como toda novidade, acredito que haverá alta nos valores dos aluguéis. Esse efeito pode durar entre seis a oito meses, até que o mercado absorva a mudança. Depois, a tendência é de estabilização, pois o mercado é soberano, e a balança entre procura e disponibilidade tende a se ajustar”.
Ele destaca outro ponto. “Ao considerar o retorno de um imóvel alugado, é essencial pensar na valorização do bem. Um imóvel que vale R$ 270 mil pode gerar um rendimento mensal inferior ao de um título LCI (renda fixa), por exemplo. Mas, em 5 anos, ele pode quase dobrar de valor. Nessa ótica, considerando aluguel e valorização, não há investimento que o supere”.
O advogado patrimonialista Lucas Judice também comenta a tendência. “Os custos da informalidade serão repassados aos aluguéis. Mas, com a possível alta da oferta de imóveis, alguns segmentos podem enfrentar maior concorrência, o que pode conter ou até manter os valores atuais, sob pena de perda de competitividade locatícia”.
Ele também ressalta o cenário de juros altos. “Hoje, uma aplicação em LCI ou LCA rende mais de 1% ao mês, e ainda é isenta de Imposto de Renda. Em 2026, terá 5% de IR. Ainda assim, em termos de rentabilidade mensal, isso é atraente. Mas o investimento em imóveis oferece diversificação de portfólio e, principalmente, a valorização do patrimônio ao longo do tempo”.
Para ele, a decisão de vender um imóvel para investir em renda fixa depende da expectativa de valorização: “A escolha passa pela crença de que o imóvel irá ou não valorizar consideravelmente nos próximos anos. LCI e LCA geram renda, mas não valorizam o capital principal como um imóvel pode valorizar”.
O advogado patrimonial João Eugênio Modenesi Filho alertou que apesar de entrar em vigor apenas em janeiro de 2026, o cruzamento de dados já começou.
Nova regra para quem recebe mais de R$ 240 mil por ano
O ano de 2026 tratá mais impactos no bolso dos brasileiros. Uma nova tributação se aplica a quem recebe acima de R$ 240 mil por ano com mais de três imóveis, ou acima de R$ 284 mil com até três.
Quem explica é o advogado patrimonialista Lucas Judice. “Com a reforma tributária, foi instituído o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) — também chamado de IVA dual — que unificam ISS, ICMS, PIS e Cofins nessas duas novas siglas”.
Uma das mudanças é que algumas relações de locação passaram a ser consideradas hipóteses de incidência do IBS/CBS, como se a lei entendesse que locar um imóvel pode ser equiparado a prestar um serviço ou vender um produto.
A regra entra em vigor, com cobrança progressiva até 2033 e alíquota estimada de 8,4%. Pessoas físicas serão mais impactadas, pois não podem abater créditos. Já as jurídicas, como holdings patrimoniais, conseguem compensar parte do imposto por meio de créditos gerados com despesas, reduzindo a carga tributária efetiva.
SAIBA MAIS
Cadastro
A partir de 2026, a Receita Federal passa a ter instrumento poderoso para cruzar dados de locatários (inquilinos) e locadores (donos) e eliminar a sonegação de aluguéis.
Com a implementação do Cadastro Imobiliário Brasileiro (CIB) e sua integração com o Sistema Nacional de Gestão de Informações Territoriais (Sinter), o País se prepara para o que está sendo chamado de transformação profunda na forma de fiscalizar o mercado imobiliário.
Como funcionará
Com a vigência da nova lei, todos os contratos de aluguel deverão ser formalizados e informados à Receita Federal.
Obrigações do locador
O proprietário do imóvel deve declarar os aluguéis recebidos em sua declaração de imposto de renda.
No caso de pessoa física, os valores entram na ficha “Rendimentos Tributáveis Recebidos de Pessoa Física” do Carnê-Leão (detalhando mês a mês e abatendo as despesas permitidas).
Se for pessoa jurídica (holding patrimonial, por exemplo), usa a ficha de rendimentos de pessoa jurídica.
A omissão é grave: a multa de ofício pela Receita Federal pode chegar a 75% do imposto não pago (com juros), além do indício de sonegação.
Obrigações do Locatário
O inquilino também passa a declarar quanto pagou de aluguel. No IR, ele usará a ficha “Pagamentos Efetuados” (código 70 – Aluguéis de Imóveis), informando o CPF/CNPJ do locador e o valor total pago.
Isso vale mesmo que haja imobiliária intermediando.
Não declarar o pagamento pode acarretar multa de 20% sobre o valor omisso.
Cobrança retroativa
A cobrança dos tributos pode ser retroativa a 5 anos, com multa, juros e correção. A dívida é corrigida pela Selic, aumentando o total a ser pago.
A fiscalização ficará a cargo da Receita, com suporte técnico do Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), que gerencia o compartilhamento seguro das informações.
Sonegar é crime
A sonegação é crime, com pena de reclusão de 2 a 5 anos e multa.
Uma autuação fiscal pode evoluir para um processo criminal, colocando em risco a liberdade do proprietário. No entanto, juristas consultados acreditam que, para 99% da população, o risco será maior de ser multado.
Fonte: Advogados João Eugênio Modenesi Filho, Lucas Judice, Luiz Alberto Musso Leal Neto e pesquisa A Tribuna.
ANÁLISE
“Quem paga outro local deveria ter isenção”
Samir Nemer, advogado tributarista e empresarial
“A isenção da tributação sobre o aluguel de imóveis destinados à moradia próxima ao trabalho é consistente do ponto de vista jurídico, econômico e social.
Enquanto investimentos financeiros como LCI e LCA são isentos do Imposto de Renda e oferecem rendimentos líquidos superiores, o aluguel de imóveis, que cumpre uma função social relevante — facilitar o acesso à moradia — é tributado de forma pesada, chegando a 27,5%.
Essa assimetria gera distorções: desestimula a oferta de imóveis para locação e empurra investidores para o mercado financeiro, em vez de fomentar soluções habitacionais.
Nesse cenário, uma política de isenção voltada a imóveis alugados para fins residenciais, especialmente em áreas próximas ao trabalho do inquilino, teria efeitos positivos.
Reduziria os custos de moradia, incentivaria a mobilidade urbana, aliviaria pressões sobre transporte público e trânsito, além de promover justiça fiscal ao tratar de forma mais equânime duas formas de investimento. Assim, a medida não só teria fundamento em termos de política tributária: seria um instrumento de desenvolvimento social e urbano”.
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