Histórias de amor e dedicação ao Carnaval
A Tribuna mostra a dedicação de mulheres apaixonadas pelas escolas de samba e que fazem de tudo para curtir a folia
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Os tamborins já estão em aquecimento para o Carnaval. Vitória dá o pontapé inicial na festa do País na próxima sexta-feira, com o desfile das escolas de samba, que se estendem até o próximo domingo. Muito brilho, histórias e alegria vão passar pelo Sambão do Povo.
Enquanto a festa não começa, o jornal A Tribuna foi atrás das histórias de amor e dedicação que estão por trás da folia. Na passarela do samba dessa reportagem, quem brilha são mulheres que, com muito esforço e superação, têm disponibilizado tempo e até recursos para que muitos escolas estejam na avenida.
A professora e pedagoga Leda Lima Barreto, 58 anos, é um desses exemplos. Sua paixão pela Unidos de Jucutuquara começou por causa de seu pai, que tocava caixa, na época em que a escola era apenas um bloco de rua.
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Em 1972, data de fundação da escola, Leda começou a desfilar. Sua mãe foi a primeira baiana da escola. De lá para cá, Leda já ocupou diversos cargos dentro da agremiação, sendo agora diretora de Carnaval.
A paixão da professora pela escola já fez com que Leda gastasse toda sua poupança financiando a fantasia da rainha da bateria.
Mas nem mesmo a falta de recursos pode ser comparada ao que Leda teve de enfrentar em outubro do ano passado. Por causa de uma osteomielite, infecção no osso causada por bactérias, ela precisou amputar a perna direita.
“Eu chorei muito as duas primeiras semanas. Liguei para a escola e falei que não iria participar do Carnaval. Eu fiquei reclusa, estava com vergonha de colocar um short. Até que um dia me olhei no espelho e disse para mim: 'Leda, você não é assim'. No domingo eu fui no ensaio e quando cheguei, a escola me abraçou”, relembra.
A cadeira de rodas não será um empecilho para Leda desfilar. “Estarei lá, de cadeira de rodas”, afirma a professora, que desfilará no primeiro setor da escola.
“Troquei o antidepressivo pela folia”
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Quem vê a alegria da aposentada Sueli Bleicker, 58, nem imagina o que ela já precisou enfrentar durante sua vida antes de desfilar pela avenida do samba.
Depois de ter sofrido três acidentes vasculares cerebrais (AVCs) e precisar de terapia para recuperar a fala, ela viu sua saúde se restabelecer ao entrar para o mundo carnavalesco. Seus primeiros passos foram dados na Boa Vista, em Cariacica, mas hoje Sueli é diretora da ala das baianas da Chegou o Que Faltava.
Sueli se dedica tanto à escola, que em 2023, na véspera do desfile, era quase meia-noite quando ela percebeu que havia acabado o arame para a fantasia das baianas. “Fui para rua e até em lixo de obras procurei por arames para as fantasias”.
Em que momento o Carnaval passou a fazer parte de sua vida?
Sueli Bleicker Há mais de 10 anos. Antes disso, eu tive três AVCs. Depois dos AVCs, passei três anos sem poder andar sozinha. Mas quando comecei a me envolver com o Carnaval, comecei a andar de ônibus. Nessa época, eu fui parando de tomar os remédios para dormir. Troquei os antidepressivos pelo Carnaval. Hoje só tomo as medicações diárias, que são AAS e de pressão.
Como foi parar na Chegou o Que Faltava?
Eu sofri violência doméstica onde morava. Nessa época, a Chegou o Que Faltava me convidou, mas eu nem conhecia o bairro Goiabeiras, em Vitória, mas fui assim mesmo.
Hoje, a escola é minha família. Todos cuidam de mim. E eu cuido deles. Minha família está em Cariacica, mas eu não estou sozinha aqui, tenho a minha família Chegou”.
Sonho realizado
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A pensionista Rita de Cássia Duarte, 70, desde os 15 anos sonhava em desfilar pela Unidos da Piedade, mas nem sua mãe, durante a adolescência, e nem seu marido, quando casada, permitiam. Mas, aos 66 anos, depois de ficar viúva, Rita pode então desfilar. “Eu falava que seria baiana. Em 2020, sentei na escada da minha rua e vi a escola descendo, de repente me vi no meio do povo. Duas amigas me incentivaram. Hoje me encontrei dentro da escola e ajudo no ateliê”.
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“Fugi do repouso para desfilar”
O ano era 2019 e a recomendação do médico para a autônoma Gisely Machado Oliveira, faltando uma semana para os desfiles, foi: fazer repouso no final da gestação, já que ela estava com um centímetro de dilatação e o cordão umbilical estava enrolado no pescoço do bebê.
Mas toda a paixão de Gisely pelo Carnaval fez com que ela aparecesse na avenida do samba para a surpresa de toda sua escola, a Independente de Boa Vista.
“Eu tinha 43 anos na época. Trabalhava no barracão com a ajuda de todos à minha volta, mas meus pés estavam muito inchados. Uma semana antes do desfile, fui fazer ultrassom e, por conta da condição da gestação, o médico decidiu antecipar o parto para o dia 4 de março e me pediu repouso. Mas eu não resisti e fugi do repouso para desfilar”, relata.
Na quarta-feira, após o desfile, a autônoma acompanhou a apuração pela televisão e viu sua escola ser campeã naquele ano. Na segunda-feira de Carnaval, seu filho, Santiago, nasceu.
Toda essa paixão de Gisely, que hoje tem 48 anos, começou em 1999. “Quando fui crescendo comecei a participar de um bloco de Carnaval do bairro. Fui convidada para puxar essa ala na avenida que representava o bloco na época. Quando voltaram os desfiles na avenida Jerônimo Monteiro, eu me apaixonei”, conta.
Gisely já foi diretora do barracão de fantasias, convidada pelo presidente da escola, Emerson Xumbrega.
“Fui convidada por ele com muita satisfação. Todos esses anos me dediquei com muito amor, mas precisei me afastar por motivos de saúde. Minha mãe, hoje, está acamada com Alzheimer, e o ano passado recebi o diagnóstico que meu filho é autista. Para mim, ficou difícil ocupar esse cargo com os compromissos da minha casa”.
Mas nem mesmos essas dificuldades fizeram a autônoma abandonar a escola. “Atualmente fico na venda de fantasias, trabalho que faço há anos, e também na entrega das fantasias”.
Motivação
Para Gisely, sua motivação está em ver todo trabalho pronto na avenida. “Ver a pessoa que foi comprar a fantasia com ansiedade por desfilar e você contar para ela que ela vai se emocionar também na avenida, para mim, é como se eu pisasse pela primeira vez na avenida”.
Loucuras de amor pela escola
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Uma tatuagem com o símbolo da escola Mocidade Unida da Glória (MUG) é uma das marcas de amor que a auxiliar de serviços gerais Grasielle Siqueira Ferreira, 39 anos, carrega pelo Carnaval.
Mas fazer uma tatuagem foi apenas umas das loucuras que a auxiliar já fez pela escola. Toda essa dedicação já lhe rendeu até mesmo uma demissão.
“Fui mandada embora de uma empresa por largar tudo no meio do expediente para ir ao Sambão terminar o carro da escola. Minha encarregada me ligou perguntando se eu estava no meu setor de trabalho e eu falei que sim. Após ela desligar, me mandou uma mensagem no WhatsApp com um vídeo de uma reportagem ao vivo da TV Tribuna e eu em cima do carro trabalhando”.
Responsável pela fibragem das esculturas da MUG, Grasielle conta ainda com a ajuda da filha, a estudante Lara Vitoria Ferreira Gonçalves, 13 anos.
“Eu levava minhas filhas para ficarem comigo na escola enquanto eu trabalhava. Elas cresceram na quadra. Lara se tornou ritmista e a Lyvia, porta-bandeira”.
Toda essa paixão da auxiliar de serviços gerais veio de seu pai que, segundo ela, foi um dos fundadores da escola.
“Meu pai, quando eu era pequena, me contava as histórias da escola, de quando ele desfilava, e eu fui crescendo ouvindo. Hoje, quando estou de folga do meu serviço, me dedico 100% à escola”.
“Estou envolvida de corpo e alma”
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A rainha da Imperatriz do Forte, a artesã Izabella Azevedo, 40, iniciou sua história no Carnaval ainda na infância, em 1996.
Em 2005, ela se candidatou para ser a rainha de bateria da escola e ganhou a disputa. “Eu venci pelo fato de amar o Carnaval. Estou envolvida de corpo e alma”.
Um dos episódios que ela considera como “loucura” de amor pelo samba foi quando, em 2013, desfilou em três escolas sem saber que estava grávida. “Eu pulava no carro da Comissão de Frente, de uma altura gigantesca, e desfilava como se nada tivesse acontecendo, mas deu tudo certo”.
Há 30 anos ela está na Imperatriz do Forte, e como rainha de bateria está no terceiro mandato.
Sua motivação está em mostrar sua arte na avenida. “Me motiva mostrar a minha cultura, minha posição como mulher preta, a minha potência que eu tenho dentro e fora do Carnaval. As pessoas têm de saber que todo Carnaval é uma história diferente. E o nosso corpo conta diferentes histórias desse evento”.
“Todas as vezes que eu entro na avenida é um momento desafiador. Mesmo no ensaio técnico, na preparação, tudo é um desafio. Porque para entrarmos na avenida, temos que estar bem espiritualmente. É preciso estamos bem com nós mesmos” , destaca.
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