'Elphaba pode ser Jesus': Diretor fala sobre simbolismos e desafios de 'Wicked: Parte II'
Aos 46 anos, o diretor Jon M. Chu não se acanha ao dizer que teve três filhos enquanto fazia Wicked. Pai de cinco, o realizador inclusive não compareceu à pré-estreia do primeiro filme, em 2024, porque o evento aconteceu no mesmo dia em que seu mais novo, Stevie, veio ao mundo. Um ano depois, no entanto, ele viaja pelo planeta para conversar com fãs e jornalistas sobre a épica conclusão cinematográfica da história que encanta a Broadway há mais de duas décadas.
Estreia desta quinta-feira, 20, nos cinemas, Wicked: Parte II traz para as telas o segundo ato do espetáculo teatral. A ideia, segundo Chu, desde o início foi fazer dois filmes, rodados de uma só vez mas lançados com um intervalo de um ano. Nesta parte, a história se intersecta com os eventos de O Mágico de Oz, embora Dorothy jamais tome o centro da narrativa. Agora fugitiva, Elphaba (Cynthia Erivo) continua tentando lutar pelos direitos dos animais, enquanto toda Oz vê nela uma Bruxa Má e em Glinda (Ariana Grande) a Bruxa Boa.
"No primeiro filme, tínhamos a versão de conto de fadas. No segundo é onde tudo se quebra", diz Chu, em São Paulo, durante conversa com jornalistas. "Ainda é possível ter esperança e ser feliz em um mundo que é um caos ao seu redor? Mesmo sendo uma criança por dentro, quando você vira um adulto e se torna pai, começa a perceber algumas coisas."
O cineasta conta que o futuro que quer deixar para os filhos influenciou em sua decisão de embarcar no projeto, ainda em 2021, no meio da pandemia de covid-19. "Eu cresci em um ambiente em que o sonho era real, sou um produto dessa ideia de esperança. Então, como eu organizo essas ideias para outra geração? Nós vamos simplesmente entregar um livro e dizer que 'essas são as coisas boas e essas são as ruins'? Não somos maus nem bons, mas todos os dias podemos escolher que lado tomar e em que posição ficar."
Wicked: Parte II vai direto ao ponto e não perde tempo com flashbacks ou recapitulações dos eventos do primeiro filme - tudo isso foi considerado desnecessário quando a produção percebeu o quão investido o público já estava. "Isso me deu mais liberdade enquanto cineasta, porque senti que eu poderia reorganizar o filme e adicionar elementos que dariam suporte à história dessas duas e ao relacionamento entre elas. Um conselho que recebemos da montagem teatral, que trabalha nisso há 20 anos, é que [a trama] é sobre as meninas. Sempre que você estiver perdido e em dúvida, lembre-se de que é sobre elas. Então, a cada passo a gente se lembrava disso, porque sabíamos que era onde o público estaria."
Ampliando a história
Neste segundo filme, a narrativa ganha camadas adicionais em relação ao ato final da peça, tornando perigos e decisões mais urgentes. Como as canções mais icônicas ficaram no primeiro longa, a missão agora era alcançar impacto semelhante - tarefa assumida pela poderosa No Good Deed. Já For Good, última música cantada por Elphaba e Glinda, continua sendo o grande momento emocional.
As canções inéditas, No Place Like Home para Elphie e The Girl in the Bubble para Glinda, ajudam a preencher lacunas sentimentais da trama. Criadas em colaboração com o compositor Stephen Schwartz e a dramaturga Winnie Holzman, elas surgiram de uma revisão cuidadosa do roteiro para identificar onde as personagens precisavam expressar melhor seus conflitos internos.
Para Elphaba, a música nasce do desejo de ter um lugar ao qual pertencer, mesmo diante da traição e do isolamento. "Meus pais foram imigrantes que se mudaram para os Estados Unidos. Acho que eles não se perguntavam isso mas, como filho de imigrantes, às vezes eu me pergunto", confidencia Chu, que diz acreditar na possibilidade de construir um espaço simbólico em que todos se sintam acolhidos. Essa é a questão que guia a composição da música.
O mesmo se estende à Bruxa Boa. Sua música acontece no momento em que, de fato, Glinda decide fazer jus ao título. "Eu quero ver quando a Glinda de fato sai da bolha. Há momentos em que ela quase sai, ou fala sobre sair, de maneira performática. Mas quando ela realmente sai, podemos sentir? Então isso se tornou uma canção. E foi lindo."
Elphaba e o Mágico
Entre as extensões na história, Chu cita o fato de colocar Glinda na cena em que Elphaba retorna para conversar com o Mágico (Jeff Goldblum). Em determinado momento da história, a 'Bruxa Má' é novamente tentada a atuar do seu lado, sob a condição de que sustente a mentira para conseguir maior alcance para suas lutas.
"Na peça, que eu adoro, é muito difícil acreditar que ela cairia na conversa do Mágico naquele momento. Tivemos muitas semanas de discussão. Como diabos você tem um filme inteiro em que você percebe que o Mágico é falso e aí, 20 minutos depois, ela vai e acredita nele de novo? Tivemos que descobrir isso, e Galinda teve um papel enorme. Ela foi a única que conseguiu convencê-la", conclui Chu, explicando que foi a partir disso que se desdobraram outros momentos.
"Certo, então precisamos de uma cena em que elas se encontrem antes. Ok, e nessa cena, o que ela vai dizer? Ah, temos que expandir a música. Wonderful não pode ser a música que o Mágico canta, tem que ser sobre trabalhar dentro do sistema, sobre o fato de que as pessoas não querem saber a verdade", esclarece, antes de sintetizar os objetivos do Mágico e da canção: "Você pode lutar o quanto quiser, mas isso nunca vai mudar ninguém. Mas da minha forma você talvez consiga."
Elphaba e os dilemas reais
No fim, Chu resume a Parte II a uma reflexão sobre as consequências das escolhas que cada um faz. Para ele, o primeiro filme é uma resposta, e o segundo, uma pergunta. "Ser corajoso não é tão fácil. Sair do sistema é algo que podemos abordar em filmes, em poesias, em um tweet. Mas o outro lado da moeda, a realidade, é muito mais difícil. Eu precisava me aprofundar nisso, e pude fazer as perguntas."
O diretor admite que o dilema de Elphaba, presa entre agir sozinha ou aceitar o apoio do sistema às custas da verdade, ecoa em sua própria trajetória artística. Ele diz equilibrar o desejo de fazer filmes independentes com o alcance das grandes produções, que lhe permitem comunicar ideias a um público maior.
"Eu penso nisso o tempo todo. Será que eu deveria fazer filmes independentes e aqueles para os quais tenho instinto? Mas eu sei disso, e vi com Podres de Ricos e Wicked que em uma escala maior você fala com mais pessoas, e a capacidade de mudar as coisas ou passar uma mensagem é poderosa", pondera o diretor, que demonstra não acreditar em respostas absolutas. "Se você deixar tudo isso para o algoritmo ou para as franquias, então vamos perder espaço. Mas e se pudermos mesclar essas duas coisas? O segundo filme me permitiu explorar essas ideias e não dar uma resposta no final."
Uma história atemporal
A versão que chega aos cinemas de Wicked, inspirada na peça teatral, oferece uma perspectiva das origens de Elphaba livremente inspirada no romance Maligna, de Gregory Maguire. O desenrolar dos fatos, cabe avisar, é amplamente diferente nas duas versões. No entanto, temas como opressão e o poder das escolhas individuais sobre estruturas sociais permanecem fortes. Em geral, Wicked pode ser interpretado como uma alegoria sobre como o fascismo opera diante da ilusão de manter a ordem.
Chu, no entanto, se esquiva do tema e prefere ver a história sob outro ângulo. "Wicked é sobre a natureza humana, na verdade, e não sobre política. É sobre o que acontece quando damos poder às pessoas, e quais são os nossos instintos humanos mais inatos que podem ser problemáticos, heroicos e corajosos. É sobre o que nos diferencia, ainda hoje, de qualquer outra forma de ser humano."
O diretor oferece para o público a chance de elaborar suas próprias visões dos desdobramentos finais da amizade de Glinda e Elphaba. Atenção: há um spoiler no próximo parágrafo, então só leia se quiser saber o que acontece.
"As pessoas podem interpretar a história de forma espiritual. Elphaba pode ser Jesus se você quiser, ela está literalmente nos entregando o livro e partindo. Ela deixa para que nós tomemos a decisão. Você tem o poder. E agora, o que vai fazer? Quem você vai decidir ser? Eu espero que as pessoas saiam do cinema vendo o filme como um momento de escolha, e não uma tragédia. Acho que este filme chega num momento em que, não necessariamente de forma intencional, ele é um reflexo natural dos nossos instintos humanos. As pessoas vão interpretá-lo como quiserem, mas esse é o poder do cinema."
Um filme para o futuro
Descoberto ainda um jovem cineasta por Steven Spielberg, que viu seu curta universitário When the Kids Are Away, Chu caiu direto no colo da indústria. Ele mesmo diz que "recebeu a armadura do Homem de Ferro" sem saber utilizá-la.
Desde então, além de um documentário de Justin Bieber, séries de TV e sequências de Se Ela Dança, Eu Danço, se destacou com a comédia Podres de Ricos e Em um Bairro de Nova York, baseado em um musical com conceito, música e letra de Lin-Manuel Miranda. No futuro, tem a adaptação de Hot Wheels, a continuação de Podres de Ricos, que também vai ganhar série, e um filme biográfico de Britney Spears.
Mesmo assim, ele tem consciência do peso de passear pela estrada de tijolos amarelos. "Todos nós sabíamos que esses filmes eram maiores do que nós. Eu sempre dizia que são esses filmes que nossos tataranetos vão assistir. Vamos fazer muitas coisas e trabalhar muito, mas são esses os filmes que eles vão ver", afirma o diretor, que também não quer ficar preso a um único gênero.
"Eu espero que as pessoas fiquem confusas sobre os filmes que farei a seguir, porque é assim que quero crescer como um contador de histórias. E eu espero ter muitas bombas e muitas vitórias no caminho. Se eu tiver sorte, terei feito tudo isso e ainda estarei filmando quando tiver 80 anos."
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