Amanda Acosta: 'artistas do passado provavam para dona de casa que era possível ser diferente'
Com a estreia do musical Norma Bengell, O Brasil em Revista nesta sexta-feira, 19, no Teatro do Sesi, a atriz e cantora Amanda Acosta, de 46 anos, acrescenta uma nova estrela a sua lista de personagens reais interpretados no palco. Ela, que já foi Bibi Ferreira (1922-2019), Carmen Miranda (1909-1955) e Marilyn Monroe (1926-1962), agora é a atriz, cantora e cineasta carioca Norma Bengell (1935-2013), uma mulher que pagou caro por desafiar padrões na vida e na arte. "Estas personagens são como bombas de inspiração para mim", define Amanda. "Norma sempre se colocou, seguiu os caminhos desejados e, mesmo nas contradições, era coerente consigo mesma."
Escrito e dirigido por Aimar Labaki, Norma Bengell, O Brasil em Revista repassa a trajetória da artista desde a infância cheia de privações, a adolescência em Copacabana e os primeiros trabalhos no teatro de revista. O sucesso dos filmes O Pagador de Promessas (1962) e Os Cafajestes (1963), em que protagonizou o primeiro nu frontal do cinema nacional, abriu as portas para uma carreira internacional. Norma, porém, não se deslumbrou. Ela defendeu direitos políticos na ditadura militar e peitou diretores de cinema e televisão em nome dos interesses da classe artística - o que lhe fechou muitas portas.
Como cineasta, a artista dirigiu os longas-metragens Eternamente Pagu (1988), sobre a musa modernista Patrícia Galvão, e O Guarani (1996), que a envolveu em um litígio de prestação de contas. Seu último trabalho no teatro foi Dias Felizes (2010), pouco depois de ter integrado o elenco do seriado Toma Lá, Dá Cá (2008/2009), na pele de uma ex-policial lésbica. "O espetáculo é formado por cenas inspiradas no teatro de revista, números musicais e dramatizações que evidenciam as suas ideias firmes", explica Labaki. "Norma aplainou o terreno para outras mulheres libertárias, como Leila Diniz (1945-1972), e, muito sacaneada, teve um final triste e solitário."
Apesar do protagonismo óbvio de Amanda Acosta, o autor e diretor ressalta a qualidade do elenco completado por Letícia Coura, Luciana Carnieli, Luciana Ramanzini, André Hendges, Mauricio Xavier e Paulo de Pontes e os músicos Ana Eliza Colomar, Chico Botosso, Demian Pinto, Gui Calzavara e João Botosso. "Tenho um coro de seis grandes atores e atrizes que se desdobram em personagens que estão em cena para lutar contra o apagamento dos artistas brasileiros", afirma Labaki.
No palco, a história de Norma se cruza com a do percussionista Elizeu Félix (1925-2009), das atrizes Odete Lara (1929-2015) e Ruth Escobar (1935-2017), dos comediantes Agildo Ribeiro (1932-2018), Grande Otelo (1915-1993) e Oscarito (1906-1970) e do galã francês Alain Delon (1935-2024), um dos namorados da estrela. Não existe qualquer didatismo, mas uma das intenções da montagem é trazer à tona nomes de grande expressão que, assim como Norma, caíram no esquecimento. "Norma dizia que para saber quem ela era bastava ir atrás dos seus amigos e amores porque as pessoas que escolhemos ter por perto identificam a nossa personalidade", comenta a protagonista.
Com a experiência de já ter dado corpo e voz a mulheres célebres, Amanda garante que jamais busca o mito e procura a essência delas tanto no palco como perante a sociedade. Em sua pesquisa para Bibi, Uma Vida em Musical (2017), a atriz ficou chocada ao descobrir que a artista jamais tinha viajado de férias. "Todas as cidades ou países que conheceu foi a trabalho e isso me definiu o temperamento de Bibi Ferreira", diz.
Em relação à Marilyn Monroe, que representou na peça Insignificância, no ano passado, Amanda encontrou um livro de poesias e anotações escrito pela estrela de Hollywood - o que quebrou a imagem de símbolo sexual. "Ali, eu enxerguei uma mulher sofrida, humana e, por isso, ela motiva tanto as mulheres até hoje", ressalta. Mesmo em Carmen, A Grande Pequena Notável (2018), voltado para o público infanto-juvenil, a atriz estabelecia conexões na plateia repleta de garotas. "Quando Carmen Miranda escolhe a profissão em detrimento do marido opressor, as meninas gritavam, levantavam os braços em sinal de apoio", lembra. "Muito do que somos devemos a estas mulheres."
Amanda cruza com Norma em uma fase de transformações pessoais. A garota paulistana que ganhou fama como vocalista do conjunto infantil Trem da Alegria entre 1988 e 1993 e saltou para o primeiro time do teatro musical em My Fair Lady (2007) se sente madura para mudar comportamentos que não lhe fazem bem e impedir que a autocrítica limite suas ações. "Eu larguei de ser a minha própria carrasca e devo isso a essas personagens que me deixam potencializada e encorajada."
Em Norma, a atriz detecta uma noção de coletivo que parece ausente das ações das pessoas, inclusive no meio artístico. "Vejo muita gente colocar pouco em prática as bandeiras levantadas, e a Norma, mesmo colecionando atritos, nunca desistiu de correr atrás da verdade", comenta.
Para Amanda, a ojeriza dos homens com as atrizes e cantoras daquele tempo se deve ao fato que elas eram as únicas profissionais femininas destacadas - e isto representava uma ameaça ao conservadorismo das décadas de 1950, 1960 ou 1970. "Não se tinha notícias de grandes cientistas, médicas ou advogadas, e as artistas do passado provavam para a dona de casa que era possível ser diferente", analisa a protagonista. "Falar de Norma hoje em dia é um manifesto feminista e cultural."
Norma Bengell, O Brasil em Revista
Onde: Teatro do Sesi - Centro Cultural Fiesp. Avenida Paulista, 1313
Quando: Quinta a sábado, 20h; domingo, 19h.
Quanto: Grátis. Os ingressos devem ser retirados no site do Sesi.
Duração: Até 21 de dezembro. A partir de sexta (19).
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