Veja como reduzir dívida no cartão de crédito com nova lei
Regra que limita os juros do rotativo vale apenas para débitos a partir deste mês, mas cria alternativas para o endividado obter condições especiais
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O cartão de crédito é responsável por levar cerca de 1 milhão de pessoas no Espírito Santo a entrar na lista dos inadimplentes. Para tentar controlar o endividamento no País, o governo aprovou novas regras que limitam os juros do rotativo do cartão de crédito.
Rotativo é uma modalidade de crédito ativada automaticamente quando o cliente não paga o valor total da fatura do cartão até a data do vencimento. Em geral, os juros do rotativo são os mais altos do mercado, por se tratar de uma linha de crédito com facilidade de entrada e enorme taxa de inadimplência.
Com nova regra, a dívida de quem atrasa a fatura não poderá ultrapassar o dobro do débito original.
O consultor do Tesouro Estadual Eduardo Araújo detalha que a nova legislação aplica-se apenas às dívidas contraídas a partir de janeiro de 2024 e não possui efeito retroativo. “Isso significa que dívidas anteriores a esta data não estão sujeitas a esse limite específico”, afirma.
Mesmo assim, o diretor de economia da Associação Nacional de Executivos (Anefac), Roberto Vertamatti, destaca que, na prática, a nova regra acaba por estimular os bancos a darem condições especiais para quitar dívidas — mesmo as mais antigas —, e acaba agindo como um motivador para os endividados buscarem a renegociação. Na tabela abaixo, há uma listagem de condições de diversos bancos.
Eduardo Araújo explica que, geralmente, os bancos têm interesse em renegociar dívidas mais antigas, especialmente se o valor acumulado é significativo, quando a política de renegociação varia de acordo com cada instituição financeira, mas, em geral, inclui a redução da taxa de juros, extensão do prazo de pagamento ou descontos no valor total.
A principal causa do endividamento no País, segundo levantamento do Serasa com dados até novembro do ano passado, é a compra de alimentos, o que mostra que não se trata de gastos banais.
“É um movimento que precede a pandemia, mas foi intensificado por ela. Os preços de alimentos, em geral, têm aumentado ao longo da década, e o salário das pessoas não acompanhou isso. A pessoa acaba tendo de escolher entre se endividar ou passar fome. E não vejo cenário de melhora a médio prazo”, afirma o economista Marcelo Loyola Fraga.
Renegociação
Uma confeiteira de 48 anos relata ter tido dificuldades para tirar seu nome da inadimplência por conta de dívidas com o cartão de crédito.
Ela conta que chegou a ter uma dívida de R$ 7 mil em 2022, mas conseguiu resolvê-la após conversar com o banco e parcelar a dívida em 12 meses.
Porém, ela relata que a decisão de fazer uma obra em casa, somada a problemas de saúde de uma de suas filhas, acabaram a colocando novamente na inadimplência.
“Meu marido ficou desempregado durante esse período e acabamos ficando com uma dívida de R$ 2 mil reais. Vou ter de ir novamente ao banco para tentar resolver essa situação”.
Condições oferecidas pelos bancos
Itaú
O Itaú Unibanco iniciou sua primeira campanha do ano para auxiliar os clientes com atraso. A ação dá descontos de até 96%, pagamento da 1ª parcela para até 30 dias e parcelamento que pode chegar até 73 vezes - conforme o tipo de dívida e atraso do cliente.
Há um canal específico para renegociação via WhatsApp, em que é possível renegociar dívidas e antecipar parcelas de empréstimos, em atraso ou não: (11) 4004-1144.
Há renegociação disponível em todos os canais do banco, como o app do Itaú, o site e os canais tradicionais de atendimento ou ainda, nas agências de todo o País.
Banestes
O cliente do Banestes que estiver com o cartão de crédito atrasado pode realizar a renegociação de duas formas. A primeira é comparecer à agência mais próxima e conversar com um dos gerentes.
A outra é pela internet, solicitando o atendimento pelo site oficial do Banestes.
O Banestes manterá em 2024 as condições especiais do Feirão Zera Dívida, como descontos de até 100% em juros, correção e multa, além do parcelamento em até 120 meses.
A realização dos feirões está prevista para o ano, percorrendo novamente municípios capixabas. Porém, ainda não há uma data definida.
Caixa
A Caixa informa que o percentual máximo de desconto pela Faixa 1 do Programa Desenrola Brasil pode chegar a até 90%. Cartões que não foram cancelados por atraso estão sujeitos às taxas dos juros rotativos. O cliente pode solicitar o parcelamento da fatura com taxa de juros de 7,% a 10,98%.
Os parcelamentos de faturas e as renegociações podem ser simulados/contratados diretamente no App Cartões Caixa, App Caixa e Internet Banking Caixa. O cliente pode falar na Central de Atendimento Alô Caixa, nos telefones 4004 0 104 (Capitais e Regiões Metropolitanas) e 0800 104 0 104 (demais regiões).
Banco do Brasil
As renegociações podem ser por meio digital no WhatsApp (4004-0001) com o #renegocie; no App do BB no menu solução de dívidas; no Portal Soluções de Dívidas, em nossos parceiros ou ainda nas agências.
As condições especiais para renegociação de dívidas pelo Desenrola foram prorrogadas para até 31 de março de 2024 para a Faixa 1.
No BB, os clientes enquadrados na iniciativa podem ter descontos de até 99%, taxa de juros de até 1,99% a.m., prazo de até 60 meses - sem entrada - com vencimento da primeira parcela entre 30 e 59 dias.
Todas as operações enquadradas no Programa estão disponíveis para negociação na Plataforma desenrola.gov.br.
Nubank
O Nubank oferece várias formas de os clientes renegociarem dívidas, incluindo as de cartão de crédito:
Direto pelo aplicativo para celular, sem precisar falar com um atendente, por meio da opção “fazer um acordo” ou “parcelar”.
Por telefone, ligando nos números 4020 0185 (capitais e regiões metropolitanas) e 0800 591 2117 (demais regiões);
Nas plataformas Serasa Limpa Nome e Acordo Certo;
Por telefone, SMS, e-mail e WhatsApp, caso o cliente seja procurado por uma das nossas agências de cobrança parceira.
Fonte: Bancos citados
Perícias para evitar cobranças de juros abusivos
Endividados que desconfiam de juros abusivos podem buscar a realização de perícia para reduzir o valor.
O membro do Conselho Federal de Economia Eduardo Araújo detalha que o Conselho Regional de Economia (Corecon) disponibiliza cadastro de peritos e profissionais de economia habilitados, incluindo economistas capacitados para realizar perícias financeiras.
A líder do comitê de Economia do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças (Ibef-ES) Flávia Rapozo, destaca que Núcleos de Práticas Jurídicas de universidades também realizam esse tipo de trabalho, apurando o valor da dívida original, e considerando os juros legais.
“A dívida é planilhada, e caso seja verificada a cobrança de juros abusivos, o que normalmente acontece, é possível contatar a instituição financeira para buscar um acordo extrajudicial, e até mesmo ingressar com ação na justiça, caso a tentativa de resolução amigável não tenha êxito”.
O economista Heldo Siqueira da Silva Júnior alega que também é possível fazer a portabilidade da dívida. Esse mecanismo funciona como uma troca de dívida.
“O cliente troca uma dívida mais cara, a do rotativo do cartão, por outra mais barata, de uma operação de crédito consolidada”.
Ele detalha que, neste caso, o cliente precisa contrair uma operação de crédito em uma modalidade consolidada, crédito direto ao consumidor, que tem em geral taxas de juros mais baratas.
“O cliente vai na instituição para a qual quer fazer a portabilidade e esta faz uma proposta. A instituição titular terá direito de fazer contraproposta e o cliente poderá optar pela mais vantajosa”.
Pedidas mudanças e ações do governo
Economistas elogiam o programa Desenrola, mas cobram mais ações para reduzir o endividamento no País, seja com modificações no programa ou mesmo com a criação de novas políticas públicas.
O consultor do Tesouro Estadual e membro do Conselho Federal de Economia Eduardo Araújo vê a necessidade de mais políticas públicas voltadas para a geração de renda. Segundo ele, empregos são essenciais, assim como medidas que regulamentem o acesso ao crédito.
“Por exemplo, a regulação do crédito consignado para pessoas que recebem o Benefício de Prestação Continuada (BPC) é um ponto importante. Esse tipo de crédito, quando não regulado adequadamente, pode levar a um ciclo de endividamento, especialmente para quem tem renda limitada e é mais vulnerável”.
Ele acrescenta que, no âmbito do programa Desenrola, seria benéfico focar em medidas preventivas que desencorajem a contração de dívidas desnecessárias.
“O uso de estratégias de “nudge” pode ser eficaz nesse sentido. É uma abordagem que visa influenciar suavemente o comportamento das pessoas sem restringir suas escolhas, usando incentivos psicológicos”.
Um exemplo prático do nudge seria a implementação de lembretes automáticos para economizar, enviados por aplicativos bancários ou SMS.
O economista Heldo Siqueira da Silva Júnior explica que, em geral, as pessoas recorrem ao endividamento por necessidade de complementar a renda, e que por isso, programas de emprego e expansão de renda complementares ao Desenrola precisam existir para que as pessoas não necessitem recorrer ao crédito complemento da renda.
“O programa também precisa avançar no endividamento das micro e pequenas empresas. O Governo Federal havia dito que medidas nesse sentido seriam anunciadas no início de 2024, mas até agora, nada”.
Algumas mudanças no Desenrola já estão sendo preparadas pelo governo. Até o fim do mês, clientes com cadastros bronze no gov.br vão poder refinanciar suas dívidas. Outra mudança será permitir que o cliente que acessa os sites dos birôs de crédito seja redirecionado à plataforma do Desenrola.
E um terceiro ponto é que o cliente possa fazer a renegociação na plataforma dos bancos com os quais já tem relacionamento.
Modalidade é o maior motivo para queixas
Em 2023, os atendimentos relacionados a cartões de crédito cresceram 97,9%, em comparação ao mesmo período de 2022, liderando o ranking de atendimentos no Instituto Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon-ES).
As principais demandas do segmento estão relacionadas à renegociação e ao parcelamento de dívidas, cobrança indevida, negativação indevida e cálculo de prestações e taxa de juros.
No ano passado, 38.269 atendimentos foram realizados pelo Procon-ES. Desse total, 5.257 estão relacionados a cartões de crédito, ocupando a primeira posição no ranking.
Em segundo lugar, aparece o crédito consignado (4.455), seguido pela energia elétrica (1.258), internet (850) e água e esgoto (771). Em sexto lugar, aparece a telefonia móvel (755), seguido por planos de saúde (680), aparelho celular (658), consórcios (609) e, em décimo lugar, móveis (579).
As maiores queixas das empresas que lideram o ranking estão relacionadas à cobrança indevida; lançamentos de serviços não solicitados na fatura; mudança unilateral nos contratos, com reajuste no valor do serviço; e empréstimo consignado não autorizado.
Seguidas de refinanciamento de empréstimo sem o consentimento do consumidor; cálculo e negociação de débitos; problemas com contratos (descumprimentos e cláusula abusiva) e problema na qualidade do produto ou do serviço.
A diretora-presidente do Procon-ES, Letícia Coelho Nogueira, lembrou que a internet facilitou o acesso dos consumidores a produtos e serviços, assim como aos seus direitos.
Ela enfatizou que a falta de tempo e as dificuldades de deslocamento não devem impedir a resolução de questões relacionadas ao consumo.
“É possível encaminhar denúncias, solicitações de esclarecimento e reclamações ao Procon pela internet a qualquer momento, muitas vezes obtendo soluções rápidas e eficientes sem necessidade da presença física do consumidor”, ressaltou Letícia Coelho.
Educação financeira em escolas é uma solução
Levantamento do Serasa mostra que sete em cada dez brasileiros vê o programa Desenrola como catalisador de um estímulo na educação financeira do País. Mas especialistas consideram que esse estímulo precisa ser maior, e uma solução poderia ser a atuação nas escolas.
Para o economista Jorge D'Ambrósio, as famílias em geral não fazem este planejamento, já que não foram habituadas a isso. “Por isso seria muito importante que a educação financeira fosse incluída no currículo escolar”, afirma.
Estudo do Instituto XP publicado no ano passado corrobora a ideia: 74% dos professores entre vistados pelo levantamento acham que a educação financeira deveria ser debatida no ambiente escolar e 59% reclamam que falta formação específica na área e que somente 23% deles usam hoje educação financeira no contexto das aulas.
Além disso, pesquisa realizada pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil), em parceria com a Offerwise, apontou também que 55% dos consumidores entrevistados não fazem controle dos gastos mensais com cartão de crédito.
Ainda segundo o levantamento, 80% dos consumidores que utilizam o rotativo do cartão de crédito, também não sabem a taxa de juros mensal cobrada. Entre os que sabem, a média estimada declarada é de 13%.
O consultor do Tesouro Estadual e membro do Conselho Federal de Economia Eduardo Araújo destaca que estudos do Swiss Journal of Economics and Statistics relatam que pessoas com maior literacia financeira são mais capazes de lidar com despesas de emergência e choques de renda.
“Além disso, elas tendem a adotar comportamentos de dívida mais prudentes, como a menor probabilidade de acumular dívidas no cartão de crédito e uma maior tendência de quitar o saldo total do cartão mensalmente”.
No Senado, já há um projeto de lei em tramitação, do senador Izalci Lucas (PSDB-DF) que inclui a educação financeira no currículo da educação básica da rede de ensino do País, mas ainda não há previsão de votação do projeto.
Análise
“Desenrola, sozinho, não vai acabar com o endividamento”
A nova legislação não retroage os efeitos, ou seja, não serve para quem já tinha dívidas antes da lei, mas pode ser usada como mais um argumento para que o banco possa negociar com a pessoa.
Quanto mais antiga a dívida, o banco começa a avaliar que é melhor receber uma parcela da dívida do que não receber nada, porque essa dívida prescreve em cinco anos. Então os bancos acabam sendo mais sensíveis e dispostos a renegociar.
Existem instituições financeiras que fazem a portabilidade da dívida. A instituição pega a dívida e vai pagar à vista, então ela consegue condições boas e acabam tendo margem para fazer a portabilidade com condições mais interessantes pro endividado.
Não acredito que só a educação financeira vai resolver a situação do endividamento no Brasil. O próprio Desenrola, sozinho, não resolverá. Ele precisa existir em conjunto com outras medidas públicas, porque há uma série de fatores que causa esse endividamento. O salário médio brasileiro, por exemplo, é muito baixo para atender as demandas básicas de uma família.
Falta também investimento em políticas públicas para retirar a pressão orçamentária. Se você vive numa sociedade em que a educação e a saúde pública são de qualidade, você tende a gastar menos com ensino particular e planos de saúde.
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