Justiça atualiza reforma e muda regras sobre trabalho e férias
Férias, aviso prévio e salários estão entre as alterações, após o Tribunal suspender entendimentos que havia antes de 2017
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O Pleno do Tribunal Superior do Trabalho (TST) aprovou o cancelamento de 36 enunciados de sua jurisprudência consolidada, entre súmulas, orientações jurisprudenciais (OJs) e precedente normativo.
A medida busca atualizar a interpretação da Justiça do Trabalho, em sintonia com a reforma trabalhista (Lei 13.467/2017) e com decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF), especialmente em casos com repercussão geral ou controle de constitucionalidade.
À reportagem, juristas explicaram o que muda na prática para trabalhadores e empresas em temas como salários, jornada, férias, plano de cargos, terceirização e outros pontos centrais das relações de trabalho.
No caso das férias, o advogado Thiago Caron, especialista em Direito Previdenciário e Trabalhista, explicou que iniciar no sábado era indevido, pois prejudicava o descanso do trabalhador.
“Mas afinal, o que muda? A CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) não proíbe o início das férias no sábado, e a jurisprudência passou a considerar a prática regular. Assim, as empresas podem programar férias aos sábados sem risco de nulidade”.
No entendimento do advogado trabalhista Alberto Nemer Neto, a decisão do TST de cancelar 36 súmulas e orientações jurisprudenciais é um marco para o Direito do Trabalho contemporâneo.
“Mais do que uma mudança técnica, ela representa um realinhamento institucional com os princípios da Reforma Trabalhista e com as diretrizes constitucionais firmadas pelo STF”.
Para ele, ainda que de forma retardada — quase oito anos depois da reforma —, hoje se comprova que aqueles que afirmavam sua inconstitucionalidade de forma integral estavam equivocados.
“A atualização da jurisprudência fortalece a segurança jurídica, reduz litígios baseados em entendimentos ultrapassados e valoriza a negociação coletiva como um instrumento moderno e legítimo de regulação das relações de trabalho”, disse Alberto Nemer.
Segundo ele, para o setor produtivo, é uma sinalização clara de que o ambiente jurídico está mais coeso, previsível e em sintonia com as dinâmicas da economia real.
O advogado trabalhista Guilherme Machado destacou que a medida representa um avanço relevante na modernização do entendimento jurisprudencial da Corte, promovendo a necessária adequação às mudanças legislativas e aos posicionamentos firmados pelo STF — especialmente após a Reforma Trabalhista.
Alívio
“A notícia é boa em dois sentidos. Ela reforça a consolidação da Reforma Trabalhista que trouxe inúmeros benefícios, modernizações e flexibilizações para os laborais e empregadores.
Outro ponto é que, com o tempo, surgiram regras interpretativas que acabavam entrando em conflito com a Reforma. Isso gerava insegurança jurídica e, muitas vezes, incentivava ações trabalhistas oportunistas, baseadas em entendimentos antigos, sem considerar a hierarquia da nova legislação”.
José Carlos Bergamin, vice-presidente da Fecomércio-ES
Juíz critica: "Precarização"
O juiz da 7ª Vara do Trabalho de Vitória e doutor em Direito, Marcelo Tolomei Teixeira, comentou o cancelamento de 36 enunciados da jurisprudência consolidada do TST, entre súmulas, OJs e um precedente normativo.
“O cancelamento é consequência da Reforma Trabalhista, que, em vez de modernizar as relações de trabalho, acabou por precarizá-las. Foi uma reforma favorável aos empregadores”, lamentou.
Para ele, um dos principais alvos da reforma foi justamente a jurisprudência construída pelo TST.
“Curiosamente, a Reforma Trabalhista teve como um de seus objetivos centrais contrariar a jurisprudência do TST — especialmente súmulas e orientações que historicamente foram vistas como muito protetivas aos trabalhadores. Agora, por uma questão de obediência à hierarquia judicial e aos precedentes vinculantes do STF, o TST age corretamente ao revogar esses enunciados”.
Principais exemplos
PN 100 – Férias iniciadas em sábado
O que dizia: iniciar as férias no sábado era indevido, pois prejudicava o descanso do trabalhador.
O que muda: a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) não proíbe o início das férias no sábado, e a jurisprudência passou a considerar a prática regular.
Súmula 450 – Férias pagas com atraso
O que dizia: férias gozadas no prazo legal, mas pagas com atraso, geravam multa com base no art. 477 da CLT.
O que muda: essa interpretação amplia indevidamente o alcance do artigo 477, violando o princípio da legalidade. Resultado: a súmula foi invalidada. Com isso, não há mais multa automática se as férias forem gozadas corretamente, mesmo com pagamento fora do prazo.
OJ 14 (SDI-1) – Aviso prévio cumprido em casa
O que dizia: o empregado dispensado deveria cumprir o aviso prévio em casa, com salário garantido.
O que muda: não há mais exigência legal nesse sentido. A empresa pode exigir o cumprimento no local de trabalho, desde que nos termos da CLT.
OJ 355 (SDI-1) – Intervalo interjornada
O que dizia: o descanso de 11 horas entre duas jornadas era obrigatório, e o descumprimento exigia pagamento total da jornada seguinte como extra.
O que muda: a interpretação atual entende que só o período efetivamente suprimido deve ser indenizado.
Súmula 452 – Promoção por plano de cargos (PCS)
O que dizia: a prescrição para questionar a não observância dos critérios de promoção de PCS era parcial.
O que muda: prevalece agora a regra da prescrição total, ou seja, se a empresa não seguiu o plano de cargos, o trabalhador tem até 5 anos, a partir da omissão, para ajuizar a ação.
OJ 383 (SDI-1) – Isonomia entre contratados diretos e terceirizados
O que dizia: empregados terceirizados que exerciam funções semelhantes às de empregados da empresa tomadora deveriam receber salários iguais.
O que muda: o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que não há obrigação de isonomia salarial entre contratados e terceirizados.
Súmula 449 – Minutos que antecedem ou sucedem a jornada: flexibilização
O que dizia: minutos residuais só podiam ser negociados por convenção coletiva (sindicato x sindicato).
O que muda: a Reforma permite negociação também por acordo individual ou coletivo direto com empresa. A súmula foi cancelada.
Súmula 444 – Jornada 12x36
O que dizia: esse regime só era válido por negociação coletiva.
O que muda: agora é permitido por acordo individual escrito, exceto para atividades insalubres sem autorização médica.
Súmula 437 – Intervalo intrajornada
O que dizia: a concessão parcial do intervalo implicava pagamento total do tempo com adicional de 50%.
O que muda: a reforma passou a permitir que esse pagamento seja só pelo tempo suprimido. A súmula foi incompatibilizada.
Súmula 6 – Equiparação Salarial
Trechos cancelados: itens I, II, VI (alínea “b”) e X.
O que dizia: facilitava a equiparação salarial quando funções e tempo de serviço eram similares.
O que muda: a reforma tornou mais rígidos os critérios, exigindo que o empregado comparado trabalhe no mesmo estabelecimento, tenha tempo de serviço inferior a 4 anos na empresa e menos de 2 anos no cargo. O TST cancelou trechos que contrariavam esses novos critérios.
Súmula 90 – Horas In Itinere
O que dizia: obrigava o pagamento do tempo de deslocamento até o trabalho em local de difícil acesso.
O que muda: a Reforma Trabalhista retirou esse direito, salvo se houver previsão em acordo ou convenção coletiva. A súmula perdeu sentido e foi cancelada. Impacto: trabalhadores de áreas rurais, industriais ou de difícil acesso não recebem mais esse adicional, salvo negociação.
Súmula 320 – Horas In Itinere (extensão)
O que dizia: aplicava a regra das horas in itinere ao empregado rural.
O que muda: com o fim do direito nas regras gerais, essa extensão também deixou de ter validade.
Súmula 114 – Prescrição Intercorrente
O que dizia: não havia prescrição durante o curso do processo trabalhista.
O que muda: o novo artigo 11-A da CLT autoriza o arquivamento do processo se o trabalhador ficar mais de dois anos sem movimentá-lo. A súmula foi incompatibilizada.
Súmula 152 – Gratificação por Ajuste Tácito
O que dizia: se a gratificação era paga com regularidade, mesmo sem acordo escrito, deveria ser incorporada.
O que muda: a CLT passou a exigir maior formalismo nos ajustes salariais, e a súmula foi considerada ultrapassada.
Súmula 268 – Prescrição após Arquivamento
O que dizia: o prazo prescricional voltava a correr após o arquivamento da ação.
O que muda: o entendimento atual considera que a contagem continua normalmente, sem “interrupção”. Dessa forma, o trabalhador que ajuizar ação e depois a abandonar pode perder o direito definitivamente.
Súmula 277 – Ultratividade da Norma Coletiva
O que dizia: direitos previstos em convenção coletiva continuavam valendo mesmo após o fim da vigência do acordo.
O que muda: a reforma proibiu a ultratividade, e a súmula foi derrubada. Cada acordo tem prazo de validade. Assim, ao final do acordo coletivo, os direitos não se renovam automaticamente — é preciso firmar novo instrumento.
Súmula 294 – Prescrição sobre alteração contratual
O que dizia: a mudança no contrato só podia ser questionada em até dois anos após sua ocorrência.
O que muda: a jurisprudência atual entende que, se houver violação continuada, o prazo só começa a contar após o fim do contrato. Com isso, facilita a discussão de desvio de função, acúmulo de tarefas ou perda de gratificação, mesmo que o problema tenha começado anos atrás.
Súmula 331 (Item I) – Terceirização
O que dizia: proibida a terceirização da atividade-fim.
O que muda: o STF decidiu que qualquer atividade pode ser terceirizada, desde que mantidos os direitos básicos do trabalhador. O item I foi cancelado. Com isso, as empresas têm mais liberdade para contratar prestadoras de serviço, inclusive em setores essenciais do negócio.
Súmula 366 – Minutos residuais da jornada
O que dizia: até 5 minutos antes e depois da jornada não geravam hora extra, mas com certos limites.
O que muda: com a Reforma Trabalhista, os acordos coletivos podem definir livremente essa tolerância. A súmula foi cancelada para não conflitar.
Súmula 372 (Item I) – Supressão de gratificação de função
O que dizia: se o trabalhador exercia função com gratificação por mais de 10 anos, ela não podia mais ser retirada.
O que muda: prevalece o entendimento da Reforma Trabalhista, que autoriza a retirada da gratificação caso o empregado deixe de exercer a função de confiança, independentemente do tempo que a exerceu. Assim, o empregador pode reverter cargos de confiança, inclusive com redução salarial, dentro da legalidade.
Súmula 377 – Preposto tem que ser empregado
O que dizia: o representante da empresa (preposto) na audiência tinha que ser funcionário.
O que muda: o art. 843, §3º, da CLT agora permite que o preposto seja qualquer pessoa com conhecimento dos fatos, ou seja, as empresas podem usar advogados, sócios ou prepostos profissionais, com mais flexibilidade e menos risco de revelia.
Súmula 429 – Deslocamento interno
O que dizia: o tempo gasto entre a portaria da empresa e o local efetivo de trabalho contava como jornada.
O que muda: com a retirada das horas in itinere, o entendimento perdeu força, e a súmula foi cancelada. Assim, as empresas com áreas grandes (fábricas, usinas, frigoríficos) não precisam pagar por esse deslocamento, salvo exceção em norma coletiva.
OJ 418 (SDI-1) – Critérios de promoção em PCS
O que dizia: a promoção exigia observância rigorosa dos critérios objetivos do plano de carreira.
O que muda: com a valorização da negociação coletiva, a rigidez da súmula foi superada. Os planos podem prever critérios discricionários, desde que claros.
OJ 16 (SDC) – Taxa de homologação de rescisão contratual
O que dizia: sindicatos podiam cobrar taxa pela homologação da rescisão.
O que muda: com a Reforma , a homologação deixou de ser obrigatória no sindicato, e a cobrança se tornou indevida.
Súmula 375 – Reajuste salarial por norma coletiva x política nacional
O que dizia: reajustes da política salarial nacional prevaleciam sobre os acordos coletivos.
O que o STF decidiu: o negociado deve prevalecer sobre o legislado, inclusive sobre políticas salariais genéricas (Tema 1.046). Resultado: a súmula foi cancelada. Isso reforça a força dos acordos coletivos, mesmo diante de políticas públicas gerais.
Súmula 423 – Jornada em turno ininterrupto de revezamento
O que dizia: era obrigatória a jornada máxima de 6 horas em turnos ininterruptos, salvo negociação por convenção coletiva.
O que o STF decidiu: o artigo 7º, XIII, da CF permite negociação direta entre sindicato e empresa, validando jornadas superiores. Resultado: a súmula foi cancelada. Assim, turnos rotativos podem ser ajustados para até 8h, conforme convenção.
Fonte: TST, especialistas citados.
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