10 mil mentiram em fraude no INSS para receber benefício
Auditoria identificou irregularidades em pedidos aceitos sem comprovação de critérios exigidos por lei. Órgão admite perdas
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Para receber benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), 10 mil pessoas mentiram, em diferentes situações, numa fraude bilionária contra o órgão, recebendo pagamentos indevidamente, desde 2019.
No País, cerca de 500 mil benefícios foram pagos indevidamente, sendo 10 mil no Estado, segundo as coordenadoras-adjuntas do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário no Estado (IBDP-ES), Renata Prado e Maria Regina Couto Uliana, que estimaram conforme a proporção do tamanho da economia e população capixabas em relação ao País, em torno de 2%.
Uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) constatou a existência de mais de 1 milhão de benefícios do INSS com indícios de pagamento indevido em dezembro de 2023. Outro dado, obtido via Lei de Acesso à Informação (LAI), mostra também que nos pagamentos de Benefício de Prestação Continuada (BPC) de 2019 até junho deste ano, tiveram R$ 16,4 bilhões com indícios de irregularidades.
Cabe ao INSS verificar a manutenção das condições de recebimento do benefício periodicamente, segundo Renata. “Porém, isso não estava sendo observado, por isso que estavam recebendo indevidamente”, disse.
Ela explicou que os fraudadores serão notificados para apresentar defesa e, caso comprovado o recebimento indevido, podem ser obrigados a devolver os valores. Maria Regina complementou que, se houver indício de fraude, o caso pode ser encaminhado à Polícia Federal e ao Ministério Público, resultando em ação penal.
“As fraudes mais comuns envolvem o uso de documentos falsos, a omissão de vínculos empregatícios ou de renda para recebimento do BPC/LOAS, e até a continuidade do pagamento após a morte do titular, com saques realizados por terceiros”, explicou.
O BPC é um benefício necessário, diz a advogada previdenciarista Luíza Simões. Ele dá dignidade a quem não tem outro meio de sobreviver — seja para comprar remédios, alimentos ou pagar contas básicas. Mas, diz a advogada, é possível, em tese, desvincular o benefício do reajuste do salário mínimo.
No entanto, essa possibilidade esbarra em barreiras constitucionais, políticas e sociais sólidas — o que a torna juridicamente complexa e socialmente sensível.
“Qualquer mudança nesse sentido precisa ser feita com extremo cuidado, sob pena de se comprometer o objetivo essencial do benefício, que é garantir sobrevivência com dignidade”, finalizou. O INSS foi procurado e não respondeu.
Análise

“Essa complexa malha de irregularidades impõe severa pressão sobre o sistema previdenciário, ao desviar recursos públicos que deveriam ser destinados aos beneficiários legítimos, violando os princípios da moralidade e da legalidade administrativa.
Conforme evidenciado na auditoria conduzida pelo Tribunal de Contas da União, foram identificadas falhas estruturais de natureza persistente, como a obsolescência dos sistemas informatizados, a ausência de integração entre bases de dados oficiais e a omissão na revisão periódica de benefícios previdenciários de longa duração.
Tais fragilidades operacionais instauram um ciclo vicioso de perpetuação de pagamentos indevidos, dificultando a atuação fiscalizatória do Estado e comprometendo, de modo grave, a sustentabilidade financeira e atuarial da Previdência Social.
Diante disso, qualquer fator que intensifique o desequilíbrio nas contas previdenciárias poderá ensejar novas propostas de reformas estruturais, justificadas pela necessidade de garantir o equilíbrio financeiro e atuarial do regime”.
Catarine Mulinari, presidente da Comissão de Direito Previdenciário da OAB-ES
Entenda
Fraude bilionária
Cerca de 500 mil receberam benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) de forma indevida no País, por mentira e fraude. Desses, são 10 mil no Espírito Santo.
O Tribunal de Contas da União (TCU) informou que realizou auditoria que identificou 1.087.529 benefícios com indícios de irregularidades na folha de pagamentos do INSS em dezembro de 2023.
Foram analisados os pagamentos feitos em 2023, com a utilização de cruzamentos de dados fornecidos pelo próprio Instituto e pela Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência (Dataprev).
Além disso, foram encontrados indícios de irregularidades no pagamento de R$ 16,4 bilhões do Benefício de Prestação Continuada (BPC) de 2019 até junho deste ano.
Auditoria
A Auditoria constatou ainda que, ao longo do ano de 2023, houve 23 mil casos de acumulação indevida de benefícios, pagamentos a 12 mil pessoas com CPF cancelado ou nulo, 3.902 benefícios pagos a titulares com indício de falecimento e 763 casos de pensão por morte superior ao teto.
O trabalho encontrou dificuldades, como falta de informações para identificar as pessoas que recebem benefícios sob regras especiais, ausência de atualização da matriz de acumulação de benefícios e inconsistências de informações entre sistemas.
O TCU determinou ao INSS que, em 180 dias, reduza o risco apontado nas constatações do trabalho e avalie o custo-benefício de revisar os benefícios que estão em desacordo com a legislação do tema.
Principais fraudes
Falsificação de documentos: como certidões falsas de nascimento, óbito, casamento ou união estável; CTPS falsificada contendo vínculos empregatícios fictícios criados para comprovar tempo de contribuição inexistentes; e laudos médicos forjados para obtenção de benefícios por incapacidade ou BPC/LOAS.
Roubo de identidade: informações pessoais são utilizadas por golpistas para solicitar benefícios de forma fraudulenta, como se fossem os verdadeiros segurados.
Simulação de condição de segurado especial (quem exerce atividade rural): declarações falsas de atividade rural, pescador artesanal, indígena ou outro regime sem a devida comprovação. Apresentam também de testemunhas falsas para comprovar atividade rural nunca prestada.
Fraude na manutenção do benefício: isso acontece quando o familiar omite o óbito do segurado, e continua fazendo o saque do benefício.

O que acontece com quem recebe indevidamente?
Podem ser condenadas a devolver o dinheiro. É importante lembrar que quem comete fraude para obter benefício previdenciário indevido pode sofrer consequências nas esferas administrativa, civil e penal, mas sempre respeitando o devido processo legal e o contraditório.
Fiscalização nos benefícios
É essencial que haja melhor fiscalização na concessão e manutenção dos benefícios assistenciais e previdenciários, especialmente no caso do BPC. Garantir que esses recursos cheguem a quem realmente tem direito não é apenas uma questão de justiça social, mas também de responsabilidade com o dinheiro público.
Para enfrentar esse problema, o caminho é investir em fiscalização inteligente e humanizada. É preciso cruzar bases de dados como Receita Federal, CadÚnico, CNIS, SUS e cartórios para detectar inconsistências com mais agilidade.
Fonte: Renata Prado, Maria Regina Couto Uliana, Luíza Simões e TCU.
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