"Dar tudo para o filho é apostar no fracasso dele”, diz escritora e psiquiatra
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Os pais esperam sempre que os filhos possam alcançar sucesso profissional e felicidade. Mas, apesar do sonho de que tenham tudo o que precisam, os pais devem frear o impulso de lhes oferecer tudo.
Em vez disso, devem ensiná-los o valor da conquista e a ser feliz todos os dias com as pequenas coisas. Quem defende essa tese é a psiquiatra, escritora e palestrante Ana Beatriz Barbosa Silva, de 53 anos.
A médica esteve em Vitória e conversou com os pais de alunos do colégio Darwin sobre o bem-estar mental. Ela explicou que quando os pais dão tudo, estão colocando o filho no caminho do fracasso.
A Tribuna – O que os pais podem fazer para garantir o bem-estar mental para seus filhos?
Ana Beatriz Barbosa – Acredito que primeiro os pais têm de ter a consciência de que se eles estiverem realmente educando seus filhos para a felicidade, eles não vão precisar se preocupar. A felicidade não é o ponto de chegada, é a caminhada. Se essas crianças forem felizes todos os dias, elas serão profissionais bem-sucedidas, porque vão pautar a vida fazendo aquilo que elas têm de melhor.
Acho que os pais têm um conceito muito errado nesse sentido de pensar em trabalhar para deixar tudo para os filhos.
Não deixem! Dar tudo para os filhos é, com certeza, apostar no fracasso dele. Porque se ele tem tudo dado pelos pais, não tem que se reinventar, não tem porque batalhar. Essa criança acaba não tendo propósito de vida.
Estar sem propósito de vida é um risco que pode evoluir para dependência química, depressão e suicídio, que são as epidemias sociais. As pesquisas já comprovam hoje essa relação.
Como desenvolver esse bem-estar mental hoje para ter sucesso no futuro?
A realidade que a gente vive hoje vai mudar muito. Então, é importante os pais terem conhecimento e autoconhecimento. Entender como o cérebro funciona, como a gente pode mudar esse órgão, quanto ele está predestinado e quanto a gente pode reescrever.
Com isso, a gente vai caminhando nesse momento de revolução tecnológica que não sabemos exatamente onde vai dar, já que estamos no auge dela.
Contudo, observamos algumas previsões do futuro, que cientificamente já são feitas por pesquisadores. Por exemplo, as crianças que estão nascendo hoje, ou que estão com menos de 5 anos, terão pelo menos cinco profissões ou ocupações diferentes.
Então, aquela estabilidade no trabalho, a ideia de começar uma profissão e ir com ela até a aposentadoria, é provável que não exista mais.
Acho isso tudo muito positivo porque vamos ter de mudar a máxima do que é a felicidade. Hoje, estamos muito pautados na felicidade em cima de bens materiais, coisas ligadas a ter um trabalho, uma estabilidade. Mas a felicidade não é bem isso, é ter um propósito de vida baseado em seus talentos. É se conhecer, saber porque tem esses talentos, e usar isso a favor do seu desenvolvimento e do desenvolvimento social também.
Mas pensar que o filho pode ter cinco profissões pode parecer falta de foco para alguns pais. Como superar isso?
Justamente porque esse é o pensamento errado! O pai tem de entender que o filho vai ter cinco profissões, não porque ele não sabe o que quer, mas porque ele vai se reinventar ao longo da vida.
Há profissões que vão acabar. Se esse adolescente não entender isso e achar que porque a profissão acabou ele também não existe, a criação está errada.
Os pais também vão ter que se reinventar como pais?
Com certeza! Costumo dizer que me reinvento de 10 em 10 anos desde sempre. Hoje sou escritora, mas os livros estão acabando, as livrarias estão acabando, e vou ter que me reinventar. E acho isso bom!
Os pais ainda têm dificuldades de entender esse relacionamento dos filhos com a tecnologia. Como ajudar?
Acho que tem de ter equilíbrio. Os pais têm de entender mais sobre tecnologia porque faz parte do mundo, não tem jeito. Mas acho que ele tem que apostar mais em estar com os filhos fora desse meio virtual.
Não é só reclamar das coisas ruins, tem que dar opções boas. Se apresenta qualidade de conteúdo, eles vão gostar. O que falta é a vontade generosa de passar o conhecimento de forma interessante.
Quanto à ansiedade das crianças nesse início de ano, como pais e professores podem lidar com ela dentro de casa e na sala de aula?
O ser humano tende a ser ansioso. A ansiedade e o medo são as mesmas coisas para o cérebro.
Para sobreviver, nosso cérebro foi montado para ter medo. Então, temos 60% do cérebro voltado para ansiedade e medo, mas temos 40% que podemos mudar, e é aí que os pais entram.
Em relação aos estudos, os pais têm de colocar para seus filhos que tudo que eles vão aprender será para que, no futuro, eles possam criar coisas.
Outra situação que ajuda a diminuir a ansiedade é construir uma rotina de trabalho. É importante que a criança tenha no quarto um quadro com resumos das matérias. Quando a gente visualiza o conteúdo, o cérebro fixa mais, mas hoje em dia as crianças quase não escrevem, só usam o computador.
A escrita é o desenho do pensamento. É muito mais interessante para o cérebro do que uma digitação. Escrever requer uma disciplina muito maior, porque o pensamento é muito mais rápido do que a velocidade que a mão escreve. Então, tem de lentificar o pensamento para escrever o raciocínio.
Quem é
Ana Beatriz Barbosa Silva
Médica psiquiatria, palestrante e especialista em comportamento humano. Deu assistência na construção de vários personagens de novelas.
Autora da cartilha Antibullying, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), direcionada a profissionais da educação, em 2010.
É autora de vários livros como “Mentes Ansiosas”, “Mentes Inquietas” e “Bullying: Mentes Perigosas nas Escolas”.
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