O prefeito confessou
Confira a coluna de sábado (22)
Era uma fria e nublada manhã de quinta-feira, 2 de junho de 1994, quando assumimos o comando da 2ª Companhia do 3º BPM em Guaçuí. Nossa primeira audiência como comandante foi com o prefeito Luiz Ferraz Moulin. Ao entrarmos no gabinete, percebemos várias fotografias na parede. Eram da Família Imperial brasileira. O alcaide era um monarquista convicto. “Capitão, seja bem-vindo a Guaçuí”, disse o prefeito.
Expusemos, calma e detalhadamente, nossa proposta de trabalho em parceria com a prefeitura e com a sociedade, mas sua resposta foi inesperada: “Não há como fazermos parceria, pois sua polícia é muito violenta. É a polícia do cala-boca e do pescoção”.
Por alguns segundos, refletimos. Teríamos um opositor ao invés de um aliado? Na época, a PMES estava em estado deplorável: sem salários há três meses, com uniformes rotos e o moral da tropa abalado. Eu e o prefeito tínhamos um ponto em comum: éramos amigos do coronel Carlos Magno da Paz Nogueira, politicamente, o mais sábio dos comandantes que já tive.
Dias depois, solicitamos nova audiência. Precisávamos reverter aquela negativa, até porque, a Polícia Militar precisava reafirmar, historicamente, o seu valor. Apresentamos nossa monografia sobre o Policiamento Ostensivo Produtivo-Comunitário (POP-Com), um modelo teórico de policiamento ostensivo, a ser implementado através de um inédito método interativo de segurança cidadã, idealizado por nós, a partir dos comandos constitucionais de 1988. O prefeito gostou e afirmou:
“Vai em frente, capitão. A municipalidade vai apoiar esse projeto e que seja um novo tempo na relação da Polícia Militar com a sociedade guaçuíense”.
Assim, iniciamos um trabalho de articulação e interatividade com o juiz, o promotor, o delegado, os clubes de serviço, as igrejas, o diretor da rádio local, lideranças civis e políticas do município. Elaboramos um calendário de ações e buscamos convencer tanto a comunidade quanto a tropa. O objetivo era eliminar a percepção de que havia uma polícia forte para os fracos e fraca para os fortes.
Cinco meses depois, Guaçuí era notícia na imprensa. Os jornais da capital estampavam: “Comunidades e Polícia se unem no Sul”. O prefeito, antes tachado de comunista, na verdade era um social-democrata que cumpriu sua palavra. Ele editou leis e decretos para dar suporte financeiro e material à nova e disruptiva atuação da PMES.
Era março de 1995, apenas oito meses se passaram, depois de ser amplamente divulgado nos jornais do Estado, o modelo ganhou reconhecimento nacional. Veja, Globo, Carta Capital, Folha de São Paulo, Estadão, Época e o Correio Braziliense destacavam a inovação da Polícia Interativa. Guaçuí se tornava um exemplo de superação, protagonizado por policiais e cidadãos que fizeram a diferença.
A cidade passou a receber autoridades políticas e policiais de todo o país, desejosos de conhecer a Polícia Interativa. Ao programa Fantástico, o prefeito finalmente confessou: “Hoje temos uma polícia cidadã que nos orgulha muitíssimo”.
Afinal, Sócrates estava certo: as percepções podem mudar.
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