Inútil
Coluna foi publicada no domingo (10)
Dia desses ouvi uma piada segunda a qual, quando da criação, nosso País teria sido privilegiado com riquezas imensas e também poupado da maioria dos desastres naturais para compensar o “Zé Povinho” que seria colocado aqui.
Menos lembrada, porém de muito maior importância, é uma acusação terrível feita por ninguém menos que Theodore Roosevelt, o 26º presidente dos Estados Unidos:
“Por detrás do governo ostensivo acha-se um governo invisível, que não deve fidelidade nem reconhece qualquer responsabilidade perante o povo. Destruir este governo invisível, dissolver esta maligna aliança entre negócios corruptos e política corrupta, há que ser a primeira tarefa de Estado. Este país pertence ao povo. Seus recursos, seus negócios, suas leis, suas instituições, deveriam ser utilizadas, mantidas ou alteradas somente da maneira que melhor atendesse o interesse coletivo”.
Que “governo invisível” é esse, afinal? Será que ele existe só lá nos EUA? Seria ele o responsável por muitas das mazelas inexplicáveis que afligem a humanidade?
Como explicar, por exemplo, a opção rodoviária feita pelo Brasil, um país de dimensões continentais? Por conta de termos negligenciado os transportes marítimo e ferroviário passamos as décadas a morrer aos milhares em rodovias que mais parecem matadouros. Culpa do “Zé Povinho” ou desse tal “governo invisível”?
Qual a explicação para o fato de dependermos tanto de exportar recursos naturais a preço de banana para importá-los depois a peso de ouro sob a forma de produtos industrializados?
Quem ganha com isso? Seria obra do “Zé Povinho” ou do tal “governo invisível”?
E o brutal processo de desindustrialização e internacionalização a que nossa economia foi submetida no século passado? A entrega de vastos setores – os mais lucrativos, aliás – ao capital estrangeiro? Quem lucra com isso? O “Zé Povinho” ou esse “governo invisível”?
E os juros? É difícil de entender como chegamos a um ponto no qual os recursos que destinamos no orçamento de 2006 para custear a Previdência Social, a Assistência Social, a Saúde, a Educação, o Trabalho, a Reforma Agrária, a Segurança Pública, o Urbanismo, a Habitação, os Direitos da Cidadania, o Desporto e Lazer, a Cultura e até o Saneamento, somados, deram apenas R$ 317,9 bilhões – R$ 7,9 bilhões a menos do que pagamos só de juros naquele ano.
Este descalabro histórico seria culpa do “Zé Povinho” ou desse “Governo invisível”?
Os brasileiros pouco falam sobre tudo isso. Vivem como a maioria da humanidade, praticamente em estado de alienação. Seria isso obra do “Zé Povinho” ou desse famoso e sinistro “governo invisível”?
Perceba que estamos todos a viver em um mundo, em um País, totalmente sem lógica – que somente a existência de um “governo invisível” pode explicar. Somos, cada um de nós, vítimas dele. Combatê-lo não importa em qual esfera for é nosso dever, sob pena de, em não muito tempo, chegarmos aos portais da eternidade cantarolando o refrão da famosa música do grupo Ultraje a Rigor: “inútil, a gente somos inútil”.