Vitória da direita civilizada
Coluna foi publicada no domingo (16)
José Vicente de Sá Pimentel
Em sua maioria, as análises sobre as eleições do Parlamento Europeu realizadas no último dia 09 reconhecem o avanço da extrema-direita, mas destacam que quem realmente ganhou foi a direita civilizada, conservadora, porém centrada.
É também verdade que, historicamente, os eleitores usam o Parlamento Europeu para desabafar suas aflições, e são bem mais moderados nas eleições nacionais. No entanto, é forçoso admitir que as pautas direitistas demonstram vigor e, conforme o andar da carruagem, podem assombrar a agenda política europeia nos próximos anos.
No plano econômico, a agenda da direita mescla protecionismo, oposição ao livre comércio e subsídios à agricultura. Ambientalmente, não reconhece a mudança climática e se opõe às medidas de contenção do aquecimento global.
Em política externa, é nacionalista e crítica da Otan, preferindo Putin a Zelensky. Questões identitárias, tais como idade, gênero e orientação sexual unem os direitistas contra os defensores do direito das minorias. Nacionalidade, religião e etnia são gatilhos para execração anti-islâmica, antijudaica e anti-imigração.
Este último é um ponto nevrálgico. Com ele, a direita conquista o eleitorado pobre das periferias, que é para onde vão os imigrantes, concorrentes pelos postos de trabalho daqueles que eram tradicionais eleitores da esquerda.
Os grandes perdedores nas eleições foram o chanceler alemão Olaf Scholtz e o presidente francês Emmanuel Macron. Na Alemanha, os sociais-democratas do SPD, liderados por Scholtz, ficaram num longínquo terceiro lugar, atrás do partido ultranacionalista Alternativa para a Alemanha (AfD), que foi o segundo mais votado, e da vencedora coalizão democrata-cristã CDU-CSU.
Na França, o Reagrupamento Nacional, de Marine Le Pen, teve o dobro dos votos do partido Renascentista, de Macron. Em reação fulminante, e talvez precipitada, o presidente francês utilizou um expediente que a lei francesa faculta e dissolveu a Assembleia Nacional, convocando novas eleições para 30 de junho (primeiro turno). Caso o Reagrupamento vença, o primeiro-ministro poderá vir a ser Jordan Bardella, de 38 anos, presidente do partido e homem de confiança da Le Pen.
Na esteira dos resultados, os holofotes políticos apontam para três mulheres. A primeira é a própria Marine Le Pen, que herdou do pai, assumidamente racista e xenófobo, a presidência da Frente Nacional. Marine rebatizou o partido de Reagrupamento Nacional e vem moderando, ou “desdemonizando”, o discurso. Concorreu à presidência em 2012, 2017 e 2022 e perdeu todas. Agora tem a chance de dar um verdadeiro cavalo-de-pau no eleitorado, que, desde o advento da Quinta República, mantém a França equidistante dos extremos.
A segunda é a alemã Ursula von der Leyen. Filiada à União Democrata-Cristã (CDU), serviu em todos os gabinetes de Angela Merkel, chefiando inclusive o Ministério da Defesa. Eleita presidente da Comissão Europeia, órgão executivo da UE, seu mandato tem sido pontilhado por críticas de clientelismo, arrogância e erros na pandemia e na guerra de Gaza. É candidata à reeleição, mas seu sucesso vai depender, em grande parte da italiana Giorgia Meloni, alçada pelos imprevisíveis fados políticos à condição de “kingmaker”.
Egressa de um partido com raízes no fascismo de Mussolini, Meloni ascendeu ao cargo de primeira-ministra em meio a muita apreensão. Seu desempenho tem sido moderado e conciliador, embora os adversários alertem que debaixo da pele de cordeiro há uma loba ultrarradical.
A despeito da duvidosa credibilidade, Meloni se empenha para tornar-se uma líder no cenário europeu e deve usar a atual cúpula do G-7 para cacifar sua pretensão. Nesse cenário, ter uma parceira na presidência da Comissão Europeia pode vir a calhar. A hipótese de tal dobradinha assusta muitos analistas, que entreveem em Ursula e Giorgia a imagem de outra dupla famosa: Thelma e Louise conduzindo a UE para o precipício.
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