Trump e os imigrantes
Confira a coluna de domingo (02)
José Vicente de Sá Pimentel
Circulam na internet vários vídeos de imigrantes sendo maltratados nos EUA pela polícia americana. Mulheres puxadas pelo cabelo, crianças empurradas com violência, tudo isso é a consequência natural do discurso de ódio, repetido durante a campanha eleitoral.
Trump e seus sequazes, que martelaram a tecla de que a expulsão dos imigrantes seria o passo inicial obrigatório para tornar a América grande de novo, são os grandes responsáveis pela onda de intransigência que grassa nos EUA e que precisa ser revertida, sob risco de consequências negativas para todo o mundo.
Mas como lidar com Trump? Ninguém sabe, ainda. Internamente, ele vem aplastando os opositores com uma avalanche de decretos, emanados das 900 páginas do Projeto 2025. No lado externo, ele é criterioso na escolha de adversários. Foi vigoroso contra o colombiano Gustavo Petro, pianinho com Xi Jinping e Putin.
Até agora, a reação interna e internacional aos desmandos contra os imigrantes tem sido tímida. Afinal, os policiais cumprem ordens, que emanam, em última análise, da vontade das urnas. Mas a credulidade tem limite e a história moderna é plena de exemplos do cipó de aroeira voltando no lombo de quem mandou dar.
No final da II Grande Guerra, foram muitas as discussões e pesquisas sobre as razões pelas quais pessoas bem ajustadas, religiosas e cumpridoras de suas obrigações sociais foram capazes de compactuar com os assassinatos, torturas e outros abusos contra a humanidade cometidos durante o holocausto. Por que alemães respeitáveis se voltaram contra os judeus, os ciganos e os homossexuais, negando os princípios e valores com que haviam sido educados e aderindo cegamente ao discurso incendiário de um fuhrer audacioso? Porque, em suma, aconteceu o holocausto?
Muitos estudiosos debruçaram-se sobre o assunto. Dependendo do ponto de vista de cada um, foram enfatizados os aspectos econômicos, históricos ou diplomáticos. Há, porém, um fator subjacente a praticamente todas as análises, a constatação de que a sociedade alemã estava endoutrinada para aceitar o ódio. Quando um líder carismático transforma a autoridade num exercício de força, a violência encontra solo fértil para se expandir e se torna a cultura da maioria. O medo de insurgir-se contra a maioria reforça, por sua vez, a cultura da violência.
O julgamento de Adolf Eichman teve lugar, em Jerusalém, de abril a agosto de 1961. Três meses depois, o psicólogo americano Stanley Milgram iniciou um experimento na Universidade de Yale, para saber como pessoas comuns reagem a comandos de autoridades, mesmo se as ordens contrariarem o bom senso e resultarem em sofrimento a um semelhante. A pesquisa queria, mais especificamente, esclarecer se os advogados tinham razão ao basear a defesa na tese de que Eichman e seus milhares de cúmplices tinham a consciência tranquila, pois teriam, apenas, cumprido ordens.
O experimento consistia em testar quanta dor um cidadão comum estaria disposto a infligir a outra pessoa, somente para obedecer um comando. Milgram concluiu que havia extrema disposição dos pesquisados para seguir cegamente as ordens dos pesquisadores. Centenas de cobaias dispuseram-se a executar as ordens, sem contestar sequer as que implicariam o uso de força contra outros voluntários.
Na obra “Eichman em Jerusalém”, Hannah Arendt avalia que a multidão é incapaz de fazer julgamentos morais no bojo de uma sociedade massificada. A multidão aceita e cumpre as ordens , sem questioná-las. Em meio a ela, a violência e a tirania são normalizadas, o mal se torna banal. Trump aproveita-se disso, e com um sorriso irônico distribui suas ordens a um público interno anestesiado pelo seu malabarismo performático, e a um público externo que dá tempo ao tempo, para ver até aonde ele chega.
Eichman foi condenado à morte. Seus argumentos não convenceram a justiça. O nazismo foi condenado e a democracia prevaleceu, com a vigência do pluralismo político, da aceitação da igualdade entre as pessoas, da liberdade de opinião, da tolerância e do respeito às diferenças. O período Trump vai ser complicado, com previsíveis turbulências. Mas vai passar, esta é a lição da história, que não devemos esquecer.
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