Cem dias de confusão
Confira a coluna deste domingo (04)
A expressão “cem primeiros dias de governo” foi cunhada por Franklin D. Roosevelt. Eleito em 1933, com o país aos frangalhos, em decorrência da Grande Depressão de 1929, Roosevelt convocou o Congresso para uma sessão especial de três meses, ao final dos quais conseguiu aprovar uma série de leis, que ficaram na história como o “New Deal”.
Em vários aspectos, Trump se inspirou em Roosevelt para iniciar o seu segundo mandato. Contando com um Congresso servil, aprovou nos 100 primeiros dias 142 “executive orders”, um superdecreto que, na prática, só pode ser revogado pelo presidente seguinte.
Mas Roosevelt se aconselhava com John Maynard Keynes, enquanto Trump se apoia do Projeto 2025, organizado por um grupo de reacionários da Fundação Heritage. Assim, previsivelmente, o “New Deal” deu certo e contribuiu para elevar Roosevelt quatro vezes à presidência (hoje, o número de mandatos, subsequentes ou não, foi limitado a dois), enquanto os 100 dias iniciais de Trump só causaram confusão dentro e fora do país.
O PIB americano caiu 0,3% no primeiro trimestre. Como o PIB é de quase 28 trilhões de dólares, houve uma perda de cerca de 30 bilhões de dólares. As três grandes bolsas de valores sofreram quedas importantes, a S&P de 7,9%, a Nasdaq de 12,1% e a Dow Jones de 8,9%.
O pior é que, no final do governo Biden, o prognóstico era de que a economia seguiria crescendo ao ritmo de 0,5% no período, o que deve ter norteado os planos de muitos empresários. Não surpreende, portanto, que o nível de popularidade de Trump tenha baixado para 37%, o menor de um presidente nesta altura do mandato nos últimos 50 anos.
A situação econômica é ainda mais imprevisível. Ninguém entende o que Trump pensa. Considera que os saldos comerciais negativos com vários países decorrem de cambalachos. Ë como se alguém entrasse num supermercado, pegasse uma quantidade de artigos, com todos os preços à mostra, e na hora de receber a conta se dissesse trapaceado. Ora, se não quer pagar, não compre, ou compre menos.
Para higienizar seu orçamento, ele pode sempre impor taxas sobre os consumidores, mas não se atreve a fazer isso porque os seus financiadores, de campanha e de negócios, são exatamente os empresários que não gostam de pagar impostos.
As tarifas não fazem sentido. Trump e sua equipe previam que a China se assustaria com a imposição de 145% sobre o valor de suas vendas aos EUA e logo aceitaria negociar termos de comércio mais favoráveis aos EUA. Não é o que está acontecendo. Chegam a ser constrangedores, para os americanos, as últimas declarações de autoridades econômicas chinesas, que invertem a equação e se recusam a negociar diante de ameaças. Ou seja, ao contrário o que Trump dizia, são os chineses que estão impondo as condições da negociação.
O valor das exportações chinesas para os EUA é de 450 milhões de dólares. É relativamente pouco, os chineses podem encontrar outros fornecedores e compradores na Ásia e África, e é o que estão fazendo. Com isso, a internacionalização do renmimbi, moeda chinesa, vem tendo um impulso. Acresce que, enquanto os EUA têm um déficit comercial, a China vem acumulando superávits. Quem tem capacidade de emprestar acaba tendo mais poder.
Em suma, aos EUA não são mais a única potência mundial, e não estão sabendo administrar a disputa pelo poder mundial com a China emergente. Em decorrência de erros de estratégia econômica e de arrogância política, o governo Trump está acelerando a decadência americana.
Quem entendeu isso foi o Wall Street Journal, que reflete a visão da comunidade empresarial americana. O WSJ sugeriu, em editorial, que Trump imitasse o exemplo do presidente socialista francês François Mitterrand. Eleito em 1983 com uma agenda de pesados controles governamentais sobre a economia, Mitterrand deixou-se convencer pela brutal reação do mercado, que ameaçava a continuação do seu mandato, e mudou radicalmente de curso. Deu certo e acabou sendo reeleito.
Trump, contudo, dificilmente mudará. Psicólogos já questionam o que seria o agravamento de um transtorno de personalidade narcisista, que estaria causando declínio cognitivo. O mais curioso é que milhões de apoiadores, nos EUA e em outros países, continuam aplaudindo e achando que Trump é o máximo.
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