“Saúde à la carte”
Leia a coluna esta terça-feira (07)
O cardápio da medicina inclui inúmeras profissões, como psicólogos, nutricionistas, laboratoristas, dentistas, farmacêuticos, religiosos, entre tantos outros profissionais, que se nutrem de conhecimentos médicos. Até mesmo o cidadão comum traz em si algo instintivo em relação à medicina, lembrando o aforisma “de médico e de louco todos nós temos um pouco”.
Medicina não é propriamente ciência. É muito mais, porque sua prática requer predicados adquiridos além do balcão científico, como sensibilidade, espírito humanitário, empatia e compaixão.
Ciência é apenas uma das inúmeras ferramentas que a medicina dispõe para gerar conhecimento racional. Mistério, superstição, religião, lenda, arte e filosofia, são embriões da medicina. Hoje, mesmo tendo status científico, ela continua lidando com os caprichos da vida.
Como o mundo gira em torno do mercado, a saúde acabou sendo vítima dele, passando a ser vendida como bem de consumo. Investidores descobriram esse lucrativo nicho, investindo muito dinheiro com produtos farmacêuticos e operadoras de saúde. Dentro desses investimentos empresariais, fica a pergunta: O mercado é da saúde ou é da doença?
Investidores querem lucro e, sem dúvida, o que dá lucro é o espiral da doença. Sendo assim, urge incrementar as linhas de produção de doença. Se o lucro vem da doença, é necessário utilizar todo o aparato tecnológico disponível para procurar, encontrar e tratar, obstinadamente, doenças que curam doenças.
Caso alguma enfermidade não seja encontrada, pode-se criá-la. O grande recurso é a “supervalorização do nada”, em que insignificantes achados de exames laboratoriais e de imagens são elevados à condição de doença.
Essa engrenagem se utiliza de velhos combustíveis humanos, como a hipocondria, o medo de incapacidade e o pavor da morte.
Ninguém contesta o inestimável valor dos avanços médicos, mas como eles vêm sendo empregados.
É inegável que novas terapias representam conquistas admiráveis, sendo capazes de alterar a história da doença. Contudo, é bom lembrar que parte desses tratamentos tem resultados pífios, embora continuem sendo utilizados. Não há limites para a voracidade do mercado.
Existe um perigoso e lucrativo mercado de ilusões, especialmente presente nas redes sociais, onde pratica-se a enganação. Trata-se de um mercado robusto, onde vicejam consumidores ávidos por comprar alguma ilusão, e mercadores ansiosos para oferece-la.
Charlatões se vestem com plumagens científicas, visando camuflar sua real intenção de vender placebos. Muitos se arvoram em torno da indústria da beleza, onde florescem fetiches. Intervenções transformadoras e suplementos de toda ordem estão incluídos nesse amplo cardápio.
Infelizmente, tais embustes acabam por estremecer as convicções de alguns profissionais que, sem sólidos alicerces científicos, se deixam levar pelo “canto da sereia”.
Vivemos uma época de encanto pela ignorância, onde separa-se o trigo e come-se o joio.