Com vacina, a história teria sido outra
Crônicas e dicas do Dr. João Evangelista, que compartilha sua vasta experiência na área médica
Eu vou muito com a minha cara. Diria até que sou meu fã. Durante a pandemia de covid-19, alguém me perguntou: “Você tem medo de morrer?”. Respondi que não; apenas não gostaria de estar por perto quando isso acontecer. Corria o ano de 2020. O SARS-CoV-2 ceifava vidas, sem cerimônia. Nesse período, eu costumava me refugiar em Setiba, onde tenho uma casa. Isolado, tentava manter distância do vírus.
Numa tarde, dirigindo pela Rodovia do Sol, comecei a tossir e pensei: Meu Deus, será que peguei essa praga?!
Felizmente, não era verdade. Eu não estava contaminado com o vírus letal. Tratava-se apenas de um resfriado comum. Usando máscaras, aplicando álcool gel e evitando aglomerações, aguardei ansiosamente a chegada da vacina.
Quiçá, existissem tratamentos em épocas passadas, muitas pessoas, vítimas de doenças infectocontagiosas, seriam salvas.
Olhando para trás, podemos observar que, pela ausência de drogas e vacinas, a história perdeu a bússola.
Hamnet, filho único de William Shakespeare, morreu vítima de peste bubônica em agosto de 1596, deixando o pai arrasado, bloqueando sua criatividade durante um longo período.
Em setembro de 1788, morre, em Lisboa, vitimado pela varíola, D. José Francisco Xavier de Paula Domingos Antônio Agostinho Anastácio de Bragança, filho primogênito da rainha D. Maria I de Portugal e do seu consorte, D. Pedro III.
Se essa perversa doença não o tivesse atingido, D. José teria sido, certamente, o sucessor de D. Maria I no trono de Portugal.
Com isso, seu irmão D. João tornou-se herdeiro da coroa e, mais tarde, rei de Portugal, com o nome de João VI.
A prematura morte de D. José contribui significativamente para a “loucura” da sua mãe, a rainha D. Maria I.
O genial pianista polonês Frédéric François Chopin morreu aos 39 anos, em 1849, em decorrência da, então fatal, tuberculose, deixando obras inacabadas. A vacina BCG, que previne contra as formas graves da tuberculose, estava longe de ser descoberta.
Junto com Chopin, foram enterrados polonaises, noturnos, valsas, sonatas mazurcas, impromptus e scherzos, que morreram antes de nascerem.
Com apenas 40 anos, também faleceu de tísica, o tcheco Franz Kafka, considerado um dos mais brilhantes escritores do século XX.
Além de “A Metamorfose”, “O Castelo”, “O processo” e “Um Artista da Fome”, quais outros escritos esse gênio nos teria legado, caso não tivesse sido consumido pelo bacilo de Calmette-Guérin?
Humberto de Alencar Castelo Branco e Olympio Mourão Filho, idealizadores do golpe militar de 1964, foram reprovados no exame final na Escola Militar do Realengo. Apesar disso, acabaram matriculados no segundo período.
A gripe espanhola, que em 1918 matara 17 mil pessoas no Rio de Janeiro, havia feito várias baixas também na escola, e, assim, para preencher as vagas ociosas, o Ministério da Guerra aprovou Castelo e Mourão, alterando o porvir.
Contaminando o destino, micróbios roem o presente e digerem o futuro.
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