Nasa tranca quatro voluntários por um ano em simulador da superfície de Marte
É o mesmo local onde os astronautas de verdade treinam para realizar missões espaciais
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Quatro tripulantes recrutados pela Nasa começaram nesta semana uma jornada de cerca de um ano explorando a superfície de Marte - em uma simulação.
A primeira missão do projeto Chapea (sigla para Crew Health and Performance Exploration Analog, ou Análogo de Exploração de Desempenho e Saúde da Tripulação) começou na segunda-feira (25), no Centro Espacial Johnson, em Houston, Texas (EUA).
É o mesmo local onde os astronautas de verdade treinam para realizar missões espaciais, que hoje abarcam expedições à Estação Espacial Internacional, em órbita terrestre baixa, e viagens à Lua como parte do programa Artemis.
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Os quatro tripulantes da missão simulada, contudo, não são astronautas, e sim voluntários recrutados entre a população num processo seletivo iniciado em 2021.
A comandante, Kelly Haston, é bióloga e pesquisadora; o engenheiro de voo, Ross Brockwell, tem mestrado em aeronáutica, mas trabalha com construção civil; o oficial médico, Nathan Jones, é clínico geral especialista em medicina de emergência; e a oficial de ciências, Anca Selariu, é microbióloga da Marinha dos EUA. À exceção de Haston, que é canadense, são todos americanos.
Durante 378 dias, o quarteto ficará trancafiado em um habitat com 158 metros quadrados, somados a um simulacro da superfície de Marte de 111 metros quadrados, onde eles executarão tarefas usando trajes especiais, como se fossem astronautas vivendo e trabalhando para valer no planeta vermelho.
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"A simulação irá nos permitir colher dados de desempenho físico e cognição que vão dar mais informação sobre os potenciais impactos de missões de longa duração a Marte sobre a saúde e o desempenho da tripulação", diz Grace Douglas, líder científica do estudo. "No fim das contas, essa informação irá ajudar a Nasa a tomar decisões informadas ao projetar e planejar uma missão humana bem-sucedida a Marte."
O "apartamento marciano", com estrutura impressa em 3D e construída por uma empresa para a Nasa, conta com quatro quartos individuais para a tripulação, uma cozinha, dois banheiros, uma área comum com poltronas reclináveis, jogos de tabuleiro e TV; uma área de trabalho, uma sala de exercícios, uma área para o cultivo de planetas e uma baia médica em que serão colhidas amostras periódicas da tripulação.
No "quintal de exploração", capacetes de realidade virtual e esteiras ajudarão a reforçar a ilusão de que os voluntários estão mesmo conduzindo uma expedição científica ao planeta vermelho.
A ideia é simular o que seria passar um ano inteiro em Marte -o que faz certo sentido considerando as restrições que a mecânica celeste impõe a essas viagens (janelas de lançamento ideais para a ida e para a volta só se abrem a cada 26 meses, o que, salvo uma revolução tecnológica em propulsão, exigiria uma longa estadia na superfície até a hora do retorno).
Embora os voos de ida e volta não façam parte da simulação, o plano dos pesquisadores da agência espacial americana é tornar a missão simulada tão realista quanto possível. Os "astronautas" terão de lidar com o longo atraso nas comunicações Terra-Marte (cerca de 22 minutos para as circunstâncias simuladas), o que impede contato em tempo real com o controle da missão. Em vez de falar com os controladores na Terra, instruções e relatórios serão transmitidos por escrito.
Os dias vivenciados pelos participantes também serão marcianos, com duração de 24h39min, em razão da rotação ligeiramente mais lenta do planeta vermelho.
Os voluntários também terão de lidar com restrições no consumo de alimentos e de água, exatamente como seria em uma missão marciana real, e passarão o próximo ano em isolamento total. Quem viveu a pandemia da Covid-19 sabe como esse processo pode cobrar psicologicamente de seus participantes.
PRECURSORES
Embora seja uma novidade para a Nasa, já houve outras simulações de viagens marcianas patrocinadas por agências espaciais pelo mundo. A mais notória é a Mars-500, em que seis pessoas passaram 520 dias trancafiadas num grande simulador instalado no Instituto de Problemas Biomédicos, em Moscou (RUS), entre 2010 e 2011.
Na ocasião, o sexteto internacional (três russos, um italiano, um francês e um chinês, todos homens) simulou todas as etapas da missão --a ida, a expedição à superfície, com duração de escassos 11 dias, e o retorno à Terra. O projeto, financiado por Roscosmos, ESA e CNSA (respectivamente agências espaciais russa, europeia e chinesa), mostrou que humanos podem suportar pelo menos o que se foi capaz de simular de uma missão a Marte. (Vale destacar que alguns dos efeitos da missão real são impossíveis de reproduzir em solo, como o ambiente de radiação e as variações de gravidade.)
O projeto também demonstrou que há efeitos psicológicos importantes a serem levados em conta nessas missões de longa duração. Os participantes reportaram momentos de euforia (como a visita à superfície simulada, conduzida por apenas três deles) e de depressão, bem como desconforto pela falta de variedade social.
O novo trabalho da Nasa, com esta que promete ser apenas a primeira de três missões simuladas, deve aprofundar essa compreensão. Ele traz novidades e variações que serão importantes no contraste com iniciativas anteriores.
"A duração da missão, os protocolos e os experimentos podem colaborar para aprendizados para a exploração espacial da Lua e de Marte", diz Julio Rezende, professor de engenharia industrial da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte) e coordenador da estação Habitat Marte, única instalação de pesquisa no hemisfério Sul a também simular expedições marcianas, em Caiçara do Rio do Vento (RN).
"Além dos estudos sobre dinâmica em equipe, há muitos experimentos que podem ser feitos, como por exemplo na área de agricultura, na produção de alimentos em ambiente controlado."
Tudo isso faz parte de um esforço global para aprender tanto quanto for possível a fim de aumentar as chances de sucesso de futuras expedições reais a Marte --o que a Nasa mesmo não espera fazer antes do fim de década de 2030, no mínimo. Até lá, tem tempo.
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