Prefeituras mandam mais de 1.300 moradores de rua de volta para casa
Muitos têm passagens compradas pelo poder público para cidades e estados de origem, após abordagens feitas por equipes das prefeituras
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Debaixo de marquises e viadutos, em praças, em barracas improvisadas ou nas calçadas. São nesses espaços que a mesma cena se repete: moradores em situação de rua, entre eles muitos usuários de drogas que cometem furtos e roubos para manter o vício, se aglomeram.
Eles vêm de todos os destinos, inclusive de outros estados, principalmente de Minas Gerais, Bahia e Rio de Janeiro.
Durante as abordagens das equipes das prefeituras, muitos aceitam voltar para casa e têm suas passagens compradas pelo poder público. Na Grande Vitória, mais de 1.300 já retornaram para suas cidades de origem do ano passado até agora.
Em Vitória, por exemplo, somente no ano passado, foram fornecidas 1.006 passagens.
Segundo a prefeitura, em 2024, a rede socioassistencial atendeu 1.769 migrantes, sendo 1.249 novos, ou seja, que nunca passaram pela capital, e 87 imigrantes.
Além disso, também foram realizados atendimentos a 40 pessoas em solicitação de refúgio em Vitória.
A Prefeitura da Serra informou que as pessoas em situação de rua que desejam retornar ao convívio familiar recebem a passagem para o recambiamento, mesmo que interestadual, observados alguns critérios: a realização de contato com os familiares e com a rede de serviços socioassistenciais da cidade de destino para garantir o acolhimento na chegada e a proteção social do usuário e de sua família.
Essa alternativa é apresentada à pessoa durante a abordagem do Serviço Especializado de Abordagem Social (Seas).
No primeiro trimestre deste ano, o Seas atendeu cerca de 542 pessoas, entre moradores e migrantes, majoritariamente homens na faixa etária entre 18 a 49 anos. No mesmo período, 172 pessoas aceitaram apoio para voltar às suas cidades de origem.
Em Vila Velha, a prefeitura garante que as pessoas migrantes são atendidas pelos serviços quando expressam o desejo de forma voluntária de retornar a sua cidade ou Estado de origem e é feito o recambiamento.
No ano passado, 127 pessoas retornaram para suas cidades de origem e, neste ano, outras 18, totalizando 145.
Cariacica informou que quando é identificado que o morador é de outra cidade ou estado e manifesta o desejo de retornar à sua cidade de origem, a equipe técnica articula com o município de origem para garantir um retorno seguro.
Soldador: “Eu queria voltar para minha terra e recomeçar”
Sentado em uma espuma que era protegida por um papelão e olhando a chuva que caía entre o final da tarde e início da noite ontem, um soldador de 49 anos conversou com a reportagem no Barro Vermelho, em Vitória, e contou parte da sua história.
Nascido em Minas Gerais, ele contou que deixou a cidade de Ipatinga e veio para o Estado em busca de emprego.
A Tribuna – Quando deixou a sua cidade natal e por quê?
Soldador – Em 2010. Decidi vir para o Espírito Santo em busca de uma oportunidade de trabalho. Primeiro fui para Pedro Canário, mas logo depois vim para a Grande Vitória, onde consegui um emprego de soldador.
Qual era o seu salário?
O meu rendimento líquido era R$ 2.600, mas com horas extras e benefícios chegava a R$ 5 mil por mês. Só que o contrato da empresa acabou e fiquei sem emprego.
Ficou sem renda?
Não, pois, durante o tempo que estava empregado e com as minhas economias, montei um restaurante em Novo Horizonte (Serra) para a minha mulher.
O movimento era grande e o lucro também. Só que a situação foi ficando insustentável porque infelizmente eu fui apresentado ao crack e me tornei dependente químico. Foi quando a minha vida começou a mudar radicalmente.
Foi morar nas ruas?
Sim. Achava que era legal morar nas ruas, pois via as pessoas livres. Só que a realidade não é essa.
Como é? Dá saudade de casa, da família?
É triste, bate saudade, especialmente dos meus dois filhos, de 24 e 26 anos. Lembro quando eles eram pequenos, a gente jogava videogame. Eu perdia, mas era feliz. Também sinto muita saudade da minha mãe que mora em Ipatinga (MG).
Gostaria de voltar para casa, para sua terra natal?
Eu queria voltar para minha terra e recomeçar, recuperar tudo o que perdi, tanto de bens materiais, quanto o amor da minha família. A minha mulher me deixou por causa das drogas e também porque ela descobriu uma traição.
Quais bens perdeu?
Carros, motos, terreno em Pedro Canário. Não tenho mais nada.
Como se mantém nas ruas?
Assim, como você pode ver. Tudo o que tenho eu achei na rua, no lixo, pois vivo do trabalho de reciclagem. Achei essa espuma, onde durmo, um travesseiro e um forro de colchão que virou o meu cobertor. Tenho a roupa do corpo e os produtos que catei e carrego em um carrinho de supermercado.
Você fica só em Vitória?
Hoje eu estou em Vitória, mas a gente vive mudando de lugar. Um dia no Barro Vermelho, outros em Jardim da Penha, Jardim Camburi, Praia do Canto. Outros, na Serra.
Tem vontade de se internar na tentativa de se libertar do vício? Já foi abordado pelas equipes das prefeituras?
Já fui abordado, mas não quero ficar em abrigo. Também não adianta me internar. O crack é destruidor. Ele tira todos seus sonhos e suas possibilidades.
Caso de Linhares é investigado
Um dos casos que ganhou destaque e está sendo apurado foi o de 12 moradores de rua que viviam em Cabo Frio (RJ) e foram deixados no centro de Linhares na última terça-feira, por um micro-ônibus.
A Casa de Passagem de Cabo Frio informou que essas pessoas não são naturais ou residentes de lá. “Algumas, oriundas do Espírito Santo, vieram ao nosso município durante a alta temporada em busca de oportunidades de trabalho. Posteriormente, acessaram os serviços de acolhimento da Casa de Passagem”, disse, por nota.
De acordo com a Prefeitura de Cabo Frio, durante a permanência na cidade, manifestaram o desejo de retornar ao seu estado de origem para buscar novas oportunidades, especialmente na colheita do café.
Diante dessa demanda, a Casa de Passagem admitiu que providenciou exclusivamente o transporte até o Espírito Santo.
No entanto, o subsecretário de Assistência Social de Linhares, Rony Preato, disse que nenhum deles é do município. “Foi identificado dois da Bahia, um de Minas Gerais e os demais do Rio de Janeiro”.
Ainda segundo ele, até a noite de ontem, a Prefeitura de Cabo Frio não havia se comunicado com o município de Linhares. “Todos os 12 foram acolhidos pelas nossas equipes de abordagem social”.
O Ministério Público do Estado, por meio da Promotoria de Justiça de Linhares, diz, em nota, que “por se tratar de um episódio com origem em outro estado, a apuração está sendo articulada com o Ministério Público do Rio de Janeiro, além de outras instituições e autoridades locais, para adoção das providências cabíveis e possíveis responsabilizações”.
A Polícia Civil informou que a conduta está sendo analisada quanto à tipificação penal. Até o momento, não foi identificado nenhum crime que justifique a atuação da corporação.
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