“Pais devem ensinar filhos a cultivar amizades”, diz doutoranda em psicanálise
Especialista aponta que ter amigos ajuda a aprender habilidades sociais como empatia, resolução de conflitos e comunicação
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A ciência e a cultura popular comprovam: a vida é mais feliz com os amigos. Na adolescência, inclusive, essa máxima é ainda mais válida: os jovens precisam das relações de amizade para entender a própria personalidade, construir autoestima e aprimorar habilidades sociais.
Para a doutoranda em Psicanálise, palestrante e supervisora clínica Debora Guerra, as famílias têm papel fundamental em orientar os adolescentes a cultivar boas amizades. Em conversa com A Tribuna, a especialista reflete sobre o tema e aponta transformações das amizades de adolescência em meio à revolução digital.
A Tribuna – Adolescentes vivem transformações complexas. Qual é a importância da amizade diante deste contexto?
Debora Guerra – A amizade desempenha um papel fundamental na vida dos adolescentes, especialmente durante esse período de transformações complexas. Ela é uma fonte significativa de apoio emocional, desenvolvimento social e suporte psicológico.
A amizade nesse período é importante para fortalecer a autoestima e autoimagem, funciona como um apoio para aqueles momentos de altos e baixos emocionais, ajuda no desenvolvimento social já que proporciona oportunidades de aprenderem habilidades sociais vitais, como comunicação, empatia e resolução de conflitos.
Além disso, é um suporte para independência, isso porque os amigos muitas vezes se tornam uma fonte confiável de orientação e influência. Aqui também julgo importante a relação das experiências que eles compartilham, bem como se divertem e exploram interesses em comum.
- Nesta fase, os adolescentes precisam mais da validação dos amigos? Isso os fortalece?
Sim, fortalece, mas também é um ponto de atenção para os pais. Essa validação é importante por conta da necessidade de pertencer a um grupo e gerar conexão emocional, aprendizado social e testagem de novas formas de se expressar.
Embora a validação dos amigos possa ser fortalecedora, depender exclusivamente dela pode ser problemático. É nesse ponto que os pais têm de ficar atentos, pois os adolescentes precisam ser incentivados a manter essa autenticidade sem precisar mudar apenas para agradar aos amigos.
Além disso, essa busca excessiva por validação pode levar a decisões imprudentes.
- Um adolescente com dificuldade para fazer amizades pode enfrentar consequências ruins na vida adulta?
Sim, a falta de interação social e de amizades pode contribuir para uma baixa autoestima que pode persistir na idade adulta.
Essa dificuldade na adolescência muitas vezes leva ao isolamento social, se tornando mais difícil a construção de relacionamentos significativos no futuro. Importante ressaltar a questão do bullying, afinal, adolescentes sem amigos geralmente são mais vulneráveis a ele, e isso pode ter efeitos duradouros no bem-estar mental e emocional enquanto adultos.
- Como os pais podem colaborar para que os filhos tenham amizades saudáveis?
Os pais devem ensinar aos filhos a cultivar boas amizades. Eles contribuem muito quando estabelecem uma comunicação aberta e acolhedora, pois os filhos precisam se sentir à vontade para compartilhar seus pensamentos, sentimentos e experiências.
Os pais também podem estimular seus filhos a se envolverem em atividades que despertem seus interesses. Isso inclui esportes, artes, música, dança ou clubes.
Outra forma de colaborar é incentivando os filhos a tomar decisões e assumir responsabilidades, permitindo-lhes ter mais independência e liberdade. Isso ajudará a desenvolver a autoconfiança e a tomar decisões mais assertivas.
- Há jovens que têm muitos seguidores nas redes sociais e encaram isso como indicativo de ser bem-aceito. Como você interpreta isso?
Eu entendo que essa percepção pode ser interpretada de duas formas diferentes. A primeira seria como uma busca de validação social, ou seja, tenho muitos seguidores, logo tenho reconhecimento das pessoas ao meu redor.
A segunda é o pensamento inverso, ou seja, a quantidade de seguidores não reflete qualidade de amizade muito menos profundidade de conexões, isto é, esse índice pode ser apenas um número aleatório e sem interação e que entrega uma falsa percepção de aceitação para os adolescentes.
- Qual é o limite entre o saudável e o preocupante quando falamos sobre manter amizades virtuais?
Toda amizade pode ser válida e significativa, inclusive as virtuais, porém é preciso impor limites. É importante estabelecer um equilíbrio saudável entre as interações virtuais e as relações pessoais, ou seja, definir limites claros em relação ao tempo e energia que se investe nas amizades virtuais e reservar tempo para as amizades e compromissos presenciais.
A maior atenção, a meu ver, deve estar relacionada à certificação de que a pessoa com quem se está se conectando seja quem diz ser.
É preciso ter cuidado ao compartilhar informações pessoais e evitar fornecer detalhes da vida para o outro que acabou de conhecer on-line. A confiança também é importante, é necessário pensar que leva tempo para conhecer uma pessoa antes de confiar nela. Precisa ser uma construção gradual.
E, por fim, embora as amizades virtuais possam ser valiosas, é fundamental buscar apoio com amigos e familiares próximos sobre suas experiências vividas entre o mundo virtual e o mundo real.
- Há uma maior “troca” de amizades na adolescência. Essa renovação do círculo social é natural?
Sim, é natural e importante nessa fase da vida. Vale destacar que a “troca” de amizades não significa necessariamente que os amigos anteriores eram descartáveis ou insignificantes.
Algumas amizades de longa data podem continuar a ser importantes, enquanto outras podem naturalmente se dissipar à medida que as pessoas se movem em direções diferentes, e isso é saudável.
No entanto, é também normal que algumas amizades na adolescência sejam mais transitórias, uma vez que essa é uma fase de muitas mudanças e descobertas.
O importante é que os adolescentes tenham a oportunidade de desenvolver habilidades sociais saudáveis, aprender a construir relacionamentos positivos e respeitosos e aprimorar sua capacidade de se adaptar a diferentes grupos sociais ao longo do tempo.
- Após dois anos de pandemia, muitos podem ter dificuldade de recuperar a capacidade de fazer amigos. O que fazer?
Essa recuperação da capacidade de fazer amigos é gradual e individual. Uma sugestão é entrar em contato com amigos ou conhecidos com quem perdeu o contato durante a pandemia. Isso pode funcionar como um ponto de partida para reavivar amizades.
Os adolescentes podem envolver se em atividades que lhes interessem, já que isso irá proporcionará oportunidades naturais de interação com outras pessoas e, consequentemente, novas amizades.
O voluntariado é uma outra forma de interação, que além de ajudar outras pessoas é também uma maneira de conhecer pessoas que compartilham valores semelhantes. E o mais importante talvez seja manter uma mente otimista e aberta a novas experiências.
Fazer amigos leva tempo e esforço. O que vale é continuar tentando e não se desencorajar com as possíveis rejeições.
Perfil
Debora Guerra é mestra em Gestão de Pessoas na Fucape e doutoranda em Psicanálise pela Universidade Humanista das Américas, um convênio com a Universidade da Flórida, nos Estados Unidos, e com a Unesco. É, ainda, palestrante e supervisora clínica.
Por meio da análise das palavras e da interpretação do discurso, o trabalho da psicanalista é baseado na associação livre.
Como palestrante, aborda temas relacionados à saúde mental, como ansiedade, depressão, estresse, burnout, autoestima e autocuidado.
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