“Me casei em um programa de TV dos Estados Unidos”, diz ator
O ator Paulo de Paula conta que participar de reality americano na década de 50 foi romântico, “mágico” e inovador na época
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A memória é o bem mais precioso que guardamos ao longo da vida. Ao olhar em retrospectiva para os meus 92 anos, vejo como o mundo se transformou e lembro-me com emoção do que vi.
Entre todas as minhas memórias, há uma que até hoje eu me surpreendo ao relembrar, principalmente porque aconteceu nos anos 50: me casei em um programa de TV dos Estados Unidos!
Vivi no centro de Vitória até o fim da adolescência. Meu pai era missionário da Igreja Batista e professor de Inglês e, por isso, vivíamos entre estrangeiros.
Eu sabia que, em algum momento, eu sairia do Brasil, e isso aconteceu quando fui fazer faculdade de Artes Cênicas nos Estados Unidos. Carmen, minha esposa, também era brasileira e estudante da Universidade do Missouri, onde nos conhecemos. Quando nossos amigos nos incentivaram a participar do programa, não acreditávamos que isso seria possível.
A ficha caiu apenas quando já estávamos no jatinho para Nova Iorque. O programa “Bride and Groom” (“Noiva e Noivo”, em tradução literal) buscava grandes histórias de amor e celebrava a união do casal com um casamento ao vivo, no estúdio da CBS, em Nova Iorque.
Naquela época, eu era professor de Inglês no high school e queria adquirir os móveis, os eletrodomésticos e outras necessidades da casa em que iríamos morar. A adrenalina de me casar é uma sensação inesquecível.
Para mim, casar em um programa da TV americana, conhecer Nova Iorque e ganhar toda a mobília do futuro lar foi mais do que um sonho realizado: foi mágico, romântico e inovador para a televisão da época.
Aquele foi um dos primeiros programas de reality dos Estados Unidos. A fórmula do “Bride and Groom” inspirou realities shows de casamento por todo o mundo. Ter vivido aquela história, como participante do programa, é algo que eu conto com orgulho para os amigos e os familiares e agora para o jornal.
Brasil
Depois do casamento, vivi por alguns anos fora, mas passamos a sentir muita falta do Brasil. Eu brinco que fui um garoto de Ipanema, só que, no caso, é a cidade de Ipanema, em Minas Gerais. Nasci lá e, aos dois meses, vim para Vitória.
Na verdade, me considero um capixaba da gema. Vitória sempre foi uma cidade encantadora, onde os morros encontram o mar e as pessoas compartilham uma história de construção de uma cultura que nasce da pluralidade de povos de diferentes origens.
Quando voltei dos Estados Unidos, precisava me reinserir na sociedade brasileira. Naquele momento, eu buscava comprar uma casa e estabelecer uma base sólida para toda a família.
Foi quando o pintor Kleber Galvêas me indicou comprar a casa em que vivo hoje. Na época, a Barra do Jucu, bairro em que vivo, já tinha uma vocação artística. Aqui, as tradições folclóricas e religiosas sempre foram inspiração para gerações de artistas.
Quando cheguei, me envolvi integralmente com a cultura local, e, inclusive, ajudei a fundar uma banda de congo e o Teatro da Barra, ambos na Barra do Jucu. O congo é, talvez, uma das maiores expressões da identidade capixaba.
O tambor, a casaca, a cuíca e os outros elementos do congo formam o estilo musical, que é herdado pela cultura indígena e africana. Não há dúvidas de que o congo é a raiz da Barra do Jucu.
Como artista daqui, eu não poderia fazer nada que não representasse o nosso povo. Acredito que a sensibilidade artística que desenvolvi foi herdada dos espetáculos teatrais em que eu participava na igreja. Subi ao palco pela primeira vez aos 4 anos de idade. A arte é sempre um lugar de refúgio, de acolhimento e de fortalecimento dos valores de um povo.
Cena cultural
Infelizmente, ainda falta uma compreensão da sociedade sobre a importância da cultura para a construção da identidade dos lugares. Hoje, eu tenho uma neta que trabalha com artes cênicas, assim como eu, mas me parece que a cena cultural continua como era na minha época: potente, com jovens talentosos e dispostos a entregar todo o amor e a dedicação pelo que fazem, mas subestimada.
Eu vi a construção de espaços importantes para a cultura capixaba, vi a projeção de artistas daqui para o mercado nacional e vi o reconhecimento do congo como patrimônio imaterial do Espírito Santo”.
Perfil
Paulo de Paula, de 92 anos, é ator, professor e diretor do Teatro da Barra, grupo teatral com sede na Barra do Jucu, em Vila Velha.
É fundador de uma das bandas de congo do bairro e é uma das figuras mais importantes das artes cênicas do Espírito Santo.
Nos anos 50, quando morou nos Estados Unidos para cursar a faculdade, o capixaba conheceu a esposa, Carmen (já falecida), com quem se casou no programa de TV “Bride and Groom”.
- Depoimento ao repórter Jonathas Gomes.
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