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Cidades

'Me senti um nada', diz mãe de menina de 11 anos que teve aborto negado

Em casos de violência sexual, o Código Penal permite a realização do aborto independentemente da semana de gestação


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Imagem ilustrativa da imagem 'Me senti um nada', diz mãe de menina de 11 anos que teve aborto negado
Equipe médica se recusou a realizar o procedimento alegando que a gestação passava de 22 semanas. |  Foto: Reprodução/Canva.

A mãe da criança de 11 anos que engravidou após ser vítima de estupro em Santa Catarina criticou a conduta da juíza Joana Ribeiro Zimmer em entrevista ao programa "Fantástico", da Rede Globo, exibida neste domingo (26).

A magistrada induziu a menina a desistir do aborto legal, perguntando à vítima se ela "suportaria" manter a gravidez "mais um pouquinho", conforme revelou reportagem do site The Intercept Brasil. Em casos de violência sexual, o Código Penal permite a realização do aborto independentemente da semana de gestação e sem a exigência de uma autorização judicial. Na época, a gestação passava de 22 semanas.

"Eu deveria responder por ela [durante a audiência], é uma criança imatura. Me senti um nada porque não podia tomar a decisão pela vida da minha filha, chorei, me desesperei, gritei dentro do fórum. Até me chamaram de desequilibrada", disse a mãe na entrevista.

Sem mostrar o rosto ou ser identificada, como forma de preservar a identidade da menina, a mãe comentou a audiência, realizada em maio. Na ocasião, a juíza e a promotora Mirela Dutra Alberton, do Ministério Público de Santa Catarina, tentaram induzir a criança a desistir do aborto.

Ambas propuseram que ela mantivesse a gravidez por mais "uma ou duas semanas", para aumentar a chance de sobrevida do feto. A promotora Alberton disse: "A gente mantinha mais uma ou duas semanas apenas a tua barriga, porque, para ele ter a chance de sobreviver mais, ele precisa tomar os medicamentos para o pulmão se formar completamente".

"Se eles queriam preservar tanto a minha filha, era algo que não deveria ter sido perguntado para ela. Acho que eu deveria responder por ela, não ela", disse a mãe à TV.

As condutas da juíza e da procuradora estão sendo investigadas pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça), pela Corregedoria do TJ-SC (Tribunal de Justiça de Santa Catarina), pela Corregedoria Nacional do Ministério Público e pela Corregedoria do Ministério Público de Santa Catarina.

O caso chegou ao Tribunal de Justiça catarinense depois que a criança foi encaminhada pelo Conselho Tutelar ao Hospital Universitário de Florianópolis para realização do aborto. A equipe médica se recusou a realizar o procedimento alegando que a gestação passava de 22 semanas.

Uma norma técnica do Ministério da Saúde​, que não tem força de lei, afirma que o aborto não é recomendado após esse período e orienta a limitar o ingresso para atendimento a partir de 20 semanas. Para especialistas, a diretriz confunde e pode prejudicar a conduta médica, já que a lei não define nenhum limite para o procedimento nas situações em que é autorizado.

No Brasil, o aborto é permitido em casos de estupro, risco para a mãe e anencefalia do feto -este último foi garantido por uma decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) em 2012.

Após a repercussão do caso, o Ministério Público Federal recomendou que o hospital realizasse o aborto. Segundo o órgão, a gravidez foi interrompida na última quarta-feira.

A reportagem não conseguiu contato com a magistrada nem com a promotora.

Em entrevista ao Diário Catarinense, a magistrada disse que não é contra o aborto, mas que neste caso já passou o prazo para a sua realização. "A palavra aborto tem um conceito e esse conceito é de até 22 semanas. Esse conceito é da OMS [Organização Mundial da Saúde] e do Ministério da Saúde", afirmou.

Questionada sobre sua fala na audiência, a promotora Alberton declarou ao Intercept que a fez "no sentido de esclarecimento sobre as consequências do procedimento de interrupção da gravidez, já que o avançado estado da gravidez viabilizava a vida extrauterina".

Sobre a definição da OMS, a professora Eloísa Machado de Almeida, da FGV Direito SP, afirmou à Folha que não vale como norma.

"As orientações da OMS e do Ministério da Saúde servem para orientar a criação de políticas públicas gerais de forma a preservar, em cenário ideal, o direito da mulher. Não são orientações, portanto, que restringem direitos e não podem ser interpretadas dessa forma", afirma.

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