“Jovens parecem estar em um mundo paralelo”, diz especialista em educação
À convite da reportagem, a doutoranda em Educação e psicanalista, Jane Haddad, falou sobre um tema tão sensível: violência nas escolas
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À convite da reportagem, a doutoranda em Educação e psicanalista, Jane Haddad, falou sobre um tema tão sensível: violência nas escolas. Na entrevista, ela traz várias reflexões.
Processo de crescer
“Gosto muito de conversar com alguns autores quando penso na violência do qual todos nós estamos assistindo. Será que nós adultos estamos mediando as novas gerações e, principalmente, ensinando a eles que falhar é parte do processo de crescer”.
Regras
“Respeitar regras é uma forma de pertencer ao espaço coletivo. Como diz o psicanalista Jean-Pierre Lebrun: 'Uma coisa certa na vida é que as crianças vão falhar, não há como ser diferente. Quando os pais, a família e a sociedade dizem o tempo todo que é preciso conseguir, conseguir, conseguir, massacram os filhos.'”
Reflexão
“A violência tem sido objeto de reflexão nas escolas, mas muito me preocupa, já que atos violentos continuam acontecendo em grande escala. Penso que precisamos dar um passo atrás e refletirmos junto aos educadores sobre o mundo atual e suas configurações”.
O que está acontecendo?
“Venho pensando... será que estamos deixando as novas gerações à deriva, sem adultos no 'comando'? Pais e educadores estão acuados e reféns de crianças e adolescentes, ora por medo, ora por excesso de amor e ora por falta de tempo mesmo. Há um desespero por parte dos pais e educadores. As escolas não conseguirão sobreviver se não conversarem com a psicanálise, não como uma verdade e sim como entender como crianças e jovens estão vivendo”.
Sem privações
“Os adolescentes estão crescendo sem privações, seus instintos mais primitivos estão latentes, um simples não desperta em muitos deles o desejo de eliminar o outro, matar o ameaçador, ele tem que sumir, já que tenta me privar do meu prazer imediato”.
Mundo paralelo
“Crianças e jovens parecem estar vivendo em um mundo paralelo, onde se mantêm em estado de ilusão de que a vida é só prazer e felicidade. Vamos lembrar que não nascemos humanos, nos tornamos humanos através de outro humano (mais experimentado), um adulto que exerce sua função (pai, mãe ou que exerce essa função)”.
“Quando testemunhamos atos de violência contra pais, educadores, casas e escolas, me pergunto: o que a criança e o adolescente estão nos sinalizando, com tanto ódio. Onde falhamos como função adulta?”
Mal-estar
“Freud nos alertou em seu trabalho, intitulado 'O mal-estar na civilização (1930)', que o mal-estar é inerente ao ser humano, já que o indivíduo para viver em uma civilização terá que domar seus instintos agressivos, como condição básica para se viver em grupo.
A estrutura familiar contemporânea estaria cumprindo sua função no processo de constituição desse sujeito-filho-aluno?
Escutar
“Testemunho diariamente, seja em escolas ou no consultório, que há um mal-estar instalado nas infâncias e adolescências que está insuportável de ser escutado por muitos adultos. Um esvaziamento das soluções simbólicas coletivizantes que nos ajudam a existir como: um grêmio estudantil, trabalhos sociais, rádios escolares, histórias e encontros que os lembrem que adolescer é travessia, é dor de crescer, mas é possível compartilhar com seus pares e educadores mais experimentados. Há uma falha real na rede de apoio das novas gerações”.
Bolhas de ódio
“Será que murar as escolas nos protegerá de tanto ódio? Há fortes indícios que estamos diante de um destrato social. Nossas crianças e nossos adolescentes estão sendo educados por algoritmos e se identificando com 'pares' bolhas de ódio, muitas vezes isolados em seus quartos e celulares, sem mediação e acompanhamento dos adultos”.
Série Adolescência
“Basta vermos o sucesso da polêmica série “Adolescência”, uma série que escancara questões sensíveis, como a influência de comunidades on-line misóginas e a radicalização de jovens. Esses temas têm gerado discussões sobre o impacto das redes sociais e a necessidade de maior atenção à saúde mental e ao ambiente escolar. Sabemos o que crianças e adolescentes consomem diariamente?
Mundo atual
“Percebo na escuta de adolescentes um sentimento de não pertencimento ao mundo atual, há um sentimento de exclusão e uma busca constante de serem aceitos pelos seus grupos. O que tem levado os adolescentes a cometerem tantos atos violentos?”
Segregação
“A segregação hoje é um processo visível. Segregação como processo de violência e o destrato com as diferenças. Como nós, pais e educadores, estamos lidando com isso? Fantasia de eliminação é muito presente hoje. O próprio segregado desiste de viver no mundo que o rejeita. Seria esse um ponto para pensar o alto índice de suicídios na adolescência? Um forma de deletar a si mesmo?
Cada vez mais deparamos com casos de segregação nas escolas, que passaram a ser locais de violências expressas em bullying, violência sexual, feminicídio, massacres, linchamentos virtuais e presenciais. E agora?”
Escolas investem em treinamentos
No outro lado da ponta, as escolas da rede pública e privada têm investido em tecnologias, treinamentos e envolvendo as famílias para, juntos, atuar na prevenção.
A Secretaria de Estado da Educação (Sedu) informou que, desde março de 2023, integra o Comitê Integrado de Segurança Escolar, em parceria com a Secretaria de Estado da Segurança Pública (Sesp), com objetivo de desenvolver ações de prevenção e enfrentamento à violência nas escolas.
No mesmo contexto, o governo do Estado lançou o Plano Estadual de Segurança Escolar, estruturado em cinco eixos: atenção psicossocial, ações de prevenção, gestão inovadora, sistema de inteligência e fortalecimento operacional.
“Entre as principais iniciativas, destacam-se o reforço das equipes de Psicologia e Assistência Social, ampliação dos programas 'Papo de Responsa' e 'Proerd', criação do Manual de Policiamento e Segurança Escolar, implantação de tecnologias de monitoramento, canal exclusivo de denúncias e intensificação da presença da Patrulha Escolar da Companhia Independente de Polícia Escolar (Cipe) nas unidades de ensino”, disse, por nota.
Além disso, o canal 181 está disponível para o registro de denúncias anônimas, com garantia de sigilo. A Cipe atua de forma preventiva e educativa, por meio de visitas, palestras, reuniões e outras ações de aproximação com a comunidade escolar.
A Sedu informou ainda que, neste ano, não recebeu notificações de casos envolvendo ameaças a professores nas escolas da rede estadual. “Situações dessa natureza não são comuns, mas, quando ocorrem, as unidades seguem um protocolo de segurança previamente estabelecido”, disse.
Presidente do Sindicato das Empresas Particulares de Ensino do Espírito Santo (Sinepe-ES), Moacir Lellis citou que as escolas vêm fazendo treinamentos, entre outras ações para garantir um ambiente mais seguro para alunos, professores e toda a comunidade escolar.
Os treinamentos são realizados em parceria com a Cipe. “São abordados temas como protocolos de segurança, análise de ameaças, primeiros socorros e estratégias para resposta a incidentes. Gostaria de parabenizar os instrutores da Cipe”.
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