“Ciúme não é cuidado, é violência”, afirma psicóloga
Especialista afirma que parceiros devem ficar atentos para não confundir abuso com amor. Se necessário, a dica é pedir ajuda
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Fiscalizar o celular, as redes sociais, as roupas e até as amizades do companheiro são comportamentos do ciumento. Tais atitudes devem ser observadas com atenção.
A psicóloga, psicanalista e professora Cláudia Murta, que é ativista no combate à violência contra a mulher, faz um alerta sobre os relacionamentos tóxicos.
Ela destaca que uma das principais características desse tipo de relacionamento é a violência psicológica, entre elas o ciúme, que, por muitas vezes, é confundido com cuidado e amor.
A Tribuna – O que é um relacionamento tóxico?
Cláudia Murta – É um relacionamento abusivo caracterizado por diversos tipos de violência. A relação pode ter todo tipo de violência, mas em geral há uma predominância da violência psicológica.
Como a pessoa pode identificar que está em um relacionamento tóxico?
Um relacionamento abusivo é aquele que ultrapassa os limites, marcado por excesso. Ultrapassa os limites da convivência, do aceitável. Quando fica monitorando, vigiando, fiscalizando celular, vestimenta, com quem anda e com quem pode falar.
Por que muitas pessoas que estão nesse tipo de relacionamento têm dificuldade de perceber os excessos?
Trata-se de um relacionamento, e as pessoas que estão nele estão envolvidas de diversas formas. Há um acordo para estarem juntas de alguma forma, porque não é só a questão amorosa e familiar.
Mesmo que uma das pessoas não se deixe dominar, há uma tentativa de controle sobre o outro. Quanto mais se fala sobre o assunto, melhor é, para que as pessoas reconheçam os sinais.
Esses abusos podem ser confundidos com cuidado ou carinho?
Exatamente! Quando um domina o outro, ele se torna responsável no relacionamento, mesmo que seja uma responsabilidade afetiva.
As pessoas querem apoio, troca, afinal, estão em um relacionamento. Há uma promessa de relacionamento. Com ele, uma espécie de segurança, mas isso, às vezes, tem um preço. A pessoa acaba ficando subjugada ao outro.
É uma questão de poder, de ter alguém que assume o controle sobre o outro. Para manter essa relação, em algum momento, a outra pessoa aceita isso, aceita se submeter.
Vamos dar um exemplo prático: a mulher vai sair com o companheiro e gosta de uma determinada roupa, e o companheiro diz que não pode e pede para ela mudar. A outra pessoa acaba abrindo mão.
Isso é uma forma de domínio, não é exatamente mandar, dizer que não pode. Pode parecer sutil.
Como se livrar desse tipo de relacionamento?
O primeiro passo é reconhecer que há violência nesse relacionamento, que é, de fato, um relacionamento abusivo.
O segundo passo é nomear aquilo como violência. Acontece muito em relacionamentos tóxicos mascarar isso. Há, por exemplo, grande dificuldade com o ciúme, porque ele é muito mal-interpretado.
As pessoas costumam acreditar que, se tem ciúme, é porque ama. Mas, quando se tem ciúme, a pessoa acha que o outro não está sob o seu domínio. O ciúme não é cuidado ou amor, é violência. O ciúme vai no oposto da perda, tentando garantir aquela pessoa que você deseja.
No ciúme, a pessoa é tratada como objeto. É um sentimento autocentrado, além de totalmente invasivo. Uma forma de observar a escala da violência no relacionamento é o violentômetro, feito pelo Tribunal de Justiça do Estado, que é baseado no ciclo da violência contra a mulher.
O ciúme está no nível inicial de violência. É interessante olhar a escala e perguntar se aquilo acontece no relacionamento.
Se possível, quando perceber alguma violência do tipo, é importante conversar com o companheiro. Muitas vezes, até para a própria pessoa é difícil reconhecer que está ultrapassando os limites.
Por que algumas pessoas saem de um relacionamento tóxico e entram em outro?
Isso acontece por causa da repetição, que é um conceito na psicanálise que diz que pessoas que passam por uma situação muito ruim tendem a repetir aquela situação, seja no sonho, em brincadeira, mas não de forma consciente. É a compulsão por repetição.
A pessoa repete porque não elaborou aquela situação. Há uma tendência a repetir para que possa entender aquilo, mas não de forma consciente. Para quebrar o ciclo, é preciso de ajuda, talvez um tratamento analítico.
Ninguém precisa ter poder sobre o outro. As pessoas têm de ter espaço de fala nas relações.
| PERFIL
Cláudia Murta
Psicóloga pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).
Ativista no combate à violência contra a mulher.
mestrado em Filosofia pela UFMG e Université de Paris VIII.
doutorado em Filosofia pela Université de Paris VIII, reconhecido no Brasil pela Unicamp.
pós-doutorado em Filosofia na UFSCar e École Normale Supérieure de Lyon (2012).
é Professora titular do Departamento de Filosofia da Ufes.
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