Sertão nordestino pode ensinar amazônia a lidar com a seca, diz pesquisador
Carlos Magno fez parte de um grupo de 16 pessoas, levado pela Fundação Rockefeller, para representar a América Latina no debate climático dos EUA
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E se a Semana do Clima acontecesse embaixo de um pé de juazeiro, na Paraíba?
Essa foi a provocação levantada pelo coordenador do Centro de Desenvolvimento Agroecológico Sabiá, Carlos Magno, 43, na chamada Climate Week de Nova York, um dos principais encontros anuais do tema, sempre realizado em paralelo à Assembleia-Geral da ONU (Organização das Nações Unidas).
A proposta dele é que, no ano que vem, às vésperas da COP30 (conferência mundial sobre mudanças climáticas) que será sediada em Belém, aconteça a Caatinga Climate Week.
"Não faz sentido o centro de debate climático do mundo ser Nova York", diz o mestre em agroecologia, que desenvolve tecnologias sociais de adaptação climática na caatinga e no cerrado.
Nascido no sertão de Pernambuco, Magno quer mais visibilidade para o semiárido tanto internacionalmente quanto dentro do Brasil. Ele fez parte de um grupo de 16 pessoas, levado pela Fundação Rockefeller, para representar a América Latina no debate climático dos EUA --entre os escolhidos, era o único que não tinha qualquer ligação com a amazônia.
Isso mostra, diz, o quanto o semiárido nordestino, que sempre conviveu com a seca, é ignorado nas discussões sobre as mudanças climáticas. Segundo ele, a região tem conhecimento acumulado, que pode ser compartilhado com outros biomas, incluindo o amazônico, que agora sofre com a estiagem e os rios secos.
O ativista e pesquisador critica ainda o uso crescente da área como polo de transição energética, que, na sua visão, pelo modelo adotado, tem sido prejudicial às famílias do sertão.
PERGUNTA - Como o debate crescente sobre os efeitos das mudanças climáticas, que incluem a seca, chega ao semiárido nordestino, que sempre lidou com o fenômeno?
CARLOS MAGNO - O mundo todo está discutindo mudança climática e falando da seca como se fosse uma coisa muito nova. Parece que a gente está vivendo meio que o fim do mundo. Mas no semiárido, no Nordeste, isso sempre foi noticiado.
A grande questão é como não estamos sendo colocados no lugar de quem já passou pela seca e criou estratégias ao longo da história para lidar com ela.
Estamos reclamando o nosso lugar nesse debate porque temos muito conhecimento acumulado. Mas, claro, também temos muitos problemas que ainda não foram sanados.
P. - Quais são as experiências do semiárido nordestino com a adaptação climática?
CM - A primeira é a construção do Programa de Formação e Mobilização Social para convivência com o semiárido, de um milhão de cisternas, que começou em 2002. Em 1999, foi construída a primeira cisterna sem patentes. É uma tecnologia simples, da sociedade civil.
Foi construído mais de 1,2 milhão de cisternas com organizações da sociedade civil, e o governo tem apoiado o programa nos últimos 25 anos, independente da gestão.
Tem o programa Uma Terra e Duas Águas, para cisternas maiores, de 52 mil litros de água, relacionado à produção de alimentos. A primeira água de cisterna é para consumo humano e a segunda é para ter hortas ao redor da casa e dar às galinhas no momento de seca.
A gente tem também resgate, catalogação e gestão de sementes crioulas do semiárido, reflorestamento com sistemas agroflorestais, barragem subterrânea, para reter água no território, e os fundos de pasto, que são terras comunais.
Essas experiências todas são processos de resiliência e adaptação ao clima dos agricultores devido às secas anuais.
P. - Como essas experiências podem auxiliar os ribeirinhos da amazônia que têm lidado com a seca?
CM - Aqui no semiárido aprendemos a guardar toda a água da chuva. Esse é um conhecimento que a gente tem, e, na amazônia, não, porque a água lá era abundante.
Hoje coletar água de chuva é fundamental também para algumas comunidades amazônidas porque as águas dos rios são contaminadas com substâncias tóxicas pelo garimpo.
Vi rios sem água a minha vida inteira. Para mim isso é totalmente natural, porque sei que a água está embaixo da terra. A gente faz um poço, tira aquela água com uma bomba, joga em uma caixa d'água e a usa. Quando vejo rios secos, parece que é uma tragédia sem fim, mas sei que aquilo não é exatamente seco.
Estamos discutindo, no Centro Sabiá, trazer um grupo de ribeirinhos para passar a semana com a gente, conversar e visitar as áreas dos agricultores.
P. - Na Semana do Clima, em Nova York, qual foi o olhar que levou sobre o semiárido?
CM - Em geral, estou querendo levar esperança e visibilidade para esse território, porque a gente precisa deslocar um pouco do financiamento [de adaptação à mudança climática] para lá. Todo dinheiro que chega hoje de fundos internacionais vai para a amazônia.
Fui à casa do meu pai, no sertão nordestino, em setembro. Às 15h, estava 48°C. Isso não é 1,5°C mais alto [limiar de aumento global na média de temperatura, estabelecido no Acordo de Paris, em comparação com os níveis pré-industriais]. Dependendo do lugar em que você está, vai ser atingido de forma muito mais dura e rápida [pelo aquecimento global]. O semiárido é esse lugar.
Dar visibilidade a isso é importantíssimo porque, no cenário climático, dentro ou fora do Brasil, nem conhecem o que é o semiárido do país. E é um território de 30 milhões de pessoas, o mais populoso do mundo.
Na Bahia e em Pernambuco, uma grande zona foi identificada como árida -era semiárida- no final do ano passado. Então, os agricultores dessa região estão se adaptando a um estado ainda mais crítico.
Não sou portador do fim do mundo nem da desesperança. Até falo sobre, mas não quero passar um sentimento de que já perdemos. Tenho muita esperança que a gente consiga viver neste mundo, cada um no seu lugar e cada um com dignidade.
Apesar dessa invisibilidade no financiamento climático, o semiárido é valorizado para a transição energética...
É urgente que o Brasil e o mundo nos olhem com outros olhos nessa agenda climática. Não é possível que a nossa agenda seja energética, porque ela está detonando as comunidades. O povo está ficando doente pois não há regulação.
As empresas [de energia eólica e solar] chegam sem nenhuma consulta prévia, com contratos absurdos, dizendo que será a melhor coisa na vida dos moradores. No outro dia, tem uma turbina em seu quintal e eles não conseguem dormir.
Um dado incrível da Oxfam Brasil diz que 1% da emissão de carbono dos mais ricos do mundo anula a compensação de um milhão de turbinas eólicas. O Brasil tem cerca de 15 mil turbinas eólicas. Ou seja, o problema não está aí.
P. - É a história da justiça climática. O povo daqui do semiárido contribuiu pouquíssimo para isso [aquecimento global], então agora a gente vai ter que se responsabilizar?
CM - Ou seja, a gente contribuiu pouco, vai sofrer mais e ainda vai ser responsável por tentar mudar esse cenário? É querer muito da gente.
Raio-X
Carlos Magno, 43
É coordenador de mobilização social do Centro de Desenvolvimento Agroecológico Sabiá, diretor executivo da Associação Brasileira de ONGs e membro da ASA (Articulação Semiárido Brasileiro) e do painel de governança da Plataforma Semiáridos América Latina. Integra grupo de lideranças que buscam soluções climáticas na Fundação Rockefeller.
*O projeto Excluídos do Clima é uma parceria com a Fundação Ford.
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