Risco em trilhas da Indonésia não é muito diferente do Brasil e outros países, afirma especialista
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A morte da publicitária brasileira Juliana Marins, de 27 anos, após cair de um penhasco durante trilha no vulcão Rinjani, na Indonésia, tem gerado debates nas redes sociais. Nas primeiras imagens captadas por um drone de turistas, ela aparecia se movendo. Mas, na terça-feira, 23, quando o resgate chegou até ela, quatro dias após a queda, já estava morta.
De um lado, internautas e até a família de Juliana apontam uma possível negligência por parte do guia que a acompanhava e da equipe de resgate da Indonésia, já que ela caiu após ser deixada para trás, sozinha, conforme relatos de trilheiros, e houve demora de quatro dias para alcançar o local em que estava.
Do outro, brasileiros que já fizeram turismo na Indonésia e no sudeste asiático, de maneira geral, apontam que trata-se de um local com infraestrutura precária, e que as pessoas que se aventuram na região têm noção e assumem o risco de acidentes sem grande respaldo ao fazer trilhas radicais na região - o que não diminui o impacto da tragédia.
O Estadão conversou com o montanhista profissional e presidente da Associação Brasileira de Guias de Montanha (ABGM), Silvio Neto. De acordo com ele, falta regulamentação sobre a atividade de guia de montanha e, muito por conta disso, as condições da atividade podem ser precárias, tanto na Indonésia, quanto no Brasil ou em qualquer outro lugar do mundo.

“Temos regulamentação para ser guia de turismo. Mas, para ser guia de montanha, que é uma atividade que requer um arcabouço de qualificações muito maior, uma formação continuada, experiência, a gente infelizmente não tem”, afirma Neto. “Isso dá margem para profissionais incapacitados ou inaptos para determinadas atividades venderem ou comercializarem da forma que quiserem os seus pacotes”, diz.
Viviane Fernandes, psicóloga clínica e esportiva e guia de montanha profissional, afirma ainda que é comum, em áreas remotas, como é o caso da ilha de Lombak, onde fica o monte Rinjani, que pessoas locais, que têm o conhecimento sobre a região, mas não o técnico para dar suporte qualificado em casos de acidentes, explorem o turismo de montanha para promover renda.
Em adicional, aponta Neto, as redes sociais estariam causando uma redução da percepção de risco de atividades de aventura na natureza, tornando as pessoas míopes em relação à importância da verificação da segurança e sua própria capacidade física.
“O papel principal do guia é de mitigar riscos, porque qualquer atividade em ambiente natural envolve riscos”, afirma o especialista. “Infelizmente, hoje em dia, por conta das bonitas selfies e fotos, as pessoas ignoram a busca por informações da qualificação do guia. ‘Se o guia falou para mim que vai me levar nesse lugar e eu vou tirar essa foto, então vamos lá’. Isso tem gerado muitas ocorrências em montanhas brasileiras.”
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Não há informações disponíveis sobre as qualificações do guia que levava Juliana no monte Rinjani. “É sempre complicado a gente apontar negligências nesses casos”, diz Neto.
No entanto, tanto na visão do presidente da ABGM, quanto na de Viviane, um guia qualificado não deveria deixar uma cliente já cansada, sozinha. “Nunca a pessoa que está mais frágil, deve ficar menos assistida. É preciso fazer a avaliação caso a caso, entender como está aquela pessoa para responder ao estímulo (da trilha). Isso é primordial”, diz Viviane.
“Existem situações específicas onde, sim, um guia pode se afastar. Mas, pelo que se sabe do caso, que ela teria ficado cansada, a orientação mais conveniente é de que todo o grupo parasse, descansasse um pouco, para então seguir em um ritmo que ela conseguisse acompanhar”, afirma Neto. “Grupos de trilhas são heterogêneos, mas a ideia é manter o grupo junto e motivado para que todos alcancem o objetivo com êxito.”
Resgate em áreas remotas pode durar dias, mas não é comum
Segundo Neto, a depender do quão remoto é um local de trilha, das condições climáticas durante e logo após o acidente e de variáveis como a quantidade de guias qualificados na região no momento, é possível, sim, que um resgate dure dias, como foi o de Juliana. Mas não é o mais comum, segundo Viviane. “Me parece um grau muito baixo de profissionalismo em montanha”, diz a montanhista.
Segundo Neto, especialmente em terrenos muito verticais, como o do monte Rinjani, a falta de visibilidade pode impedir o uso de helicópteros - essa foi, inclusive, uma das justificativas dadas pelo governo da Indonésia para a demora no resgate.
“A justificativa para não haver resgate aéreo por meio de helicóptero, foi a de não haver teto, de haver muita neblina, o que é plausível, pois acontece muito. A gente não consegue sobrevoar nessas condições, principalmente nessa região de cratera. O voo ali é um voo mais delicado, que realmente precisa de uma visibilidade apurada, com muita nitidez para que você consiga de fato êxito”, diz Neto.

Além disso, a premissa é que não se pode colocar, durante o resgate, mais uma pessoa em risco. Portanto, a outra forma de fazer o resgate, descendo com corda até o ponto em que Juliana estava, também dependia de ter o material adequado e as condições de terreno e clima para que fosse feito em segurança.
Como a trilha do Rinjani não é de escalada, mas sim de tracking, é comum que guias não carreguem equipamentos como cordas longas para o local - no primeiro momento, Juliana já estava a 300 metros do ponto em que caiu. E por o terreno ser instável, com pedras soltas, havia risco de provocar desmoronamento em cima de Juliana se a descida fosse feita muito próximo a ela.
O mesmo vale para possivelmente enviar alimentos e água à vítima: qualquer movimento nas pedras poderia provocar desmoronamento, aumentando o risco de fatalidade. E, em meio a isso, a chegada de material técnico e humano adequado para as condições do acidente podem demorar.
“Uma coisa é um acidente numa montanha em ambiente urbano, vamos dizer, como o Pão de Açúcar ou o Corcovado. Outra coisa é um acidente numa montanha no meio do Parque Nacional da Serra dos Órgãos, onde muitas vezes você pode levar um dia ou até mais para chegar na localidade do acidente - estou falando não por meio aéreo, mas por meio terrestre.”
Qual é a infraestrutura de resgates em trilhas no Brasil?
O contato oficial para resgates em trilhas no Brasil é pelo Corpo de Bombeiros, mas, em alguns parques, pode haver equipe própria.
Mesmo assim, como na Indonésia, é comum que se acione montanhistas voluntários para fazer resgates. “Os bombeiros ligam para a ABGM e falam: olha, a gente está com dificuldade nesse acesso, liga para um escalador profissional ir junto e ajudar”, diz Viviane.
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