Direção de escola convoca mãe para reclamar de lanche enviado a filha celíaca
Estudante costuma levar refeições sem glúten para o colégio, preparadas pela mãe
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A mãe de uma aluna da rede pública de Araucária (PR), na região metropolitana de Curitiba, afirma que a escola onde a filha estuda está criando dificuldades para a menina levar e consumir os próprios alimentos, o que a prefeitura nega. A estudante, de 9 anos, tem doença celíaca, e costuma levar refeições sem glúten para o colégio, preparadas pela mãe.
A escola oferece alimentos para celíacos, mas, segundo a mãe, a experiência da filha no local foi ruim no passado. Ela alega ter identificado contaminação cruzada (erro no modo de preparo), o que traz riscos à saúde da filha.
De acordo com o Ministério da Saúde, a doença é uma reação exagerada do sistema imunológico ao glúten, proteína encontrada em cereais como trigo, centeio, cevada e o malte. Ela é autoimune e o principal tratamento é uma dieta rigorosa.
O caso em Araucária ganhou repercussão depois que trechos de uma reunião conduzida por representantes da Secretaria de Educação passaram a ser publicados pela mãe da menina, Tayrine Novak, em uma rede social. Na reunião, a mãe aparece sendo questionada sobre os bolos com cobertura que têm colocado na lancheira da filha, e que chamariam a atenção de outras crianças.
No primeiro vídeo divulgado, é possível ouvir a voz do chefe de gabinete da Secretaria da Educação, Eduardo Schamne, lendo para Novak uma reclamação por escrito feita à Ouvidoria do município por outra mãe de um aluno. A mulher reclama que seu filho "fica com vontade" quando vê "o bolo com cobertura" da colega e pede providências da escola.
"Tem uma criança que não pode comer a comida da escola. O problema é que essa criança leva comidas que não são iguais às comidas que meu filho come. Ultimamente, ela traz bolo com cobertura e come na frente de todos. Meu filho fica com vontade. Ela não divide porque diz que não pode dar para ninguém. Já tentei fazer o bolo e ele acha que não fica igual. Está certo isso? Entendi que tem questões de saúde, mas e as outras crianças? Não podemos mandar lanche. Sou assalariada e mãe sozinha e nem tudo que ele vê eu posso comprar", afirmou a mulher, na leitura feita pelo chefe de gabinete.
Além dele e da mãe Tayrine Novak, também estavam presentes na reunião outras quatro pessoas: a diretora-geral da Secretaria da Educação, a diretora da escola, o diretor do Departamento de Alimentação Escolar e uma nutricionista deste departamento.
Novak explica na reunião que não tem dinheiro para comprar pão sem glúten todo dia e que bolo se tornou a alternativa mais viável. "A gente não é rico. O que sai mais barato para mim é bolo. Então eu faço bolo de cenoura, bolo de fubá, bolo de cacau", disse ela.
A prefeitura encaminhou nota na qual lembra que os pais que optarem por mandar alimentos próprios devem adotar um cardápio semelhante ao oferecido pela escola.
"Para crianças celíacas, a alimentação também é oferecida, mas, para evitar contaminação cruzada, os pais podem optar por enviar a comida de casa, conforme a lei municipal 4513, de 26 de dezembro de 2024. Essa lei também orienta que os alimentos enviados sejam semelhantes aos oferecidos pela escola, promovendo a inclusão", informa o texto.
"A Secretaria de Educação ofereceu a opção de ela retirar os alimentos na escola para preparar em casa, mas a mãe preferiu não aceitar", disse a prefeitura.
Em outro trecho do vídeo da reunião, uma das representantes da secretaria de Educação pergunta a Novak se a filha dela poderia almoçar em outro local nos dias em que a refeição destoar do cardápio da escola.
"Naquele dia que ela não consegue aproximar o cardápio, qual seria a solução? Ir para casa almoçar e voltar?", diz ela.
O chefe de gabinete da Secretaria da Educação, Eduardo Schamne, disse que a rede de ensino atende normalmente hoje outros dez estudantes com doença celíaca e que a mãe da aluna não aceita as alternativas propostas.
"O que está acontecendo? O lanche é banana, ela manda pitaia. O lanche é maçã, ela manda morango e kiwi. Esta escola fica numa região de vulnerabilidade socioeconômica gigantesca. E aí a criança é movida pelo desejo. Neste dia que ela mandou o bolo de cenoura com cobertura de chocolate, o cardápio escolar era canjica. Qual a semelhança?", afirmou ele.
"Demos muitas opções a ela, mas infelizmente a mãe não se agradou com nenhuma delas. Nós não infringimos direitos da criança", disse Schamne. A escola, que é de tempo integral, oferece café da manhã, almoço e lanche da tarde.
Os advogados Daniel Kaefer e Eduardo Kivel, que se apresentaram para dar suporte jurídico a Tayrine Novak após a repercussão do caso, disseram que a reunião foi "absurda e constrangedora".
Eles afirmam que vão fazer uma representação administrativa às autoridades do município e também levar o caso para o Ministério Público. Eventuais medidas judiciais não estão descartadas.
"Entendemos que há violação dos princípios da dignidade da pessoa humana, do direito à educação, do direito à saúde, da proteção integral da criança. Outro aspecto é a questão da autonomia familiar, que entendemos que foi desrespeitado. São todos direitos com respaldado constitucional", disse Kivel.
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