Caso Ingrid Guimarães: passageiro pode ser obrigado a mudar de assento no voo? Entenda as regras
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A atriz brasileira Ingrid Guimarães publicou nas redes sociais um relato de uma experiência negativa que passou durante um voo de Nova York para o Rio de Janeiro na última sexta-feira, 7. Ela disse ter sido coagida e ameaçada por funcionários da American Airlines a mudar de lugar.
Procurada, a companhia aérea disse que entrará em contato com a passageira Ingrid. “Nosso objetivo é proporcionar uma experiência de viagem positiva e segura para todos os nossos passageiros. Um membro da nossa equipe está entrando em contato com a cliente para entender mais sobre sua experiência e resolver a questão.”
Especialistas ouvidos pelo Estadão afirmam que a companhia aérea pode realocar passageiros para manter a segurança da operação. Eles enfatizam, no entanto, que o passageiro deve ser informado do motivo da mudança de assento, especialmente quando ele adquiriu um assento específico. Em caso de situação abusiva, há direito ao ressarcimento. No caso da atriz, é importante lembrar ainda que o incidente ocorreu em solo norte-americano.
Segundo Ingrid, a confusão começou quando foi pressionada a ceder seu assento na classe premium economy (classe entre a econômica e a executiva) para um passageiro da classe executiva que enfrentava problemas com a poltrona. Ao recusar a mudança, a atriz afirmou que começou a ser intimidada por funcionários da companhia.
“Eu fiquei constrangida porque alguns brasileiros que não sabiam da situação começaram a gritar comigo. E é claro que, diante desse constrangimento público, acabei indo para a classe econômica”, desabafou.
O passageiro pode ser obrigado mudar de assento no voo em determinada situação, independentemente da classe ser executiva ou não?
Segundo Marcial Sá, advogado do Godke Advogados e mestre em Direito Aeronáutico pela Universidade de Lisboa, o passageiro pode ser obrigado a deixar a classe executiva, por exemplo, em determinadas situações, especialmente por determinação da tripulação, em particular do comandante do voo, quando necessário para garantir a segurança da operação. “Nesses casos, a realocação pode ocorrer independentemente de o assento ter sido adquirido previamente”, disse.
Existem regras em voos?
As regras de aviação visam, principalmente, garantir a segurança do voo. Assim, caso haja uma necessidade específica, como no caso de assentos próximos às saídas de emergência, o passageiro pode ser obrigado a mudar de lugar.
“Embora não exista uma regra geral determinando essa realocação, a tripulação tem autoridade para solicitar a troca de assentos sempre que necessário para a segurança do voo”, afirma Sá.
Rodrigo Alvim, advogado especializado em direito dos passageiros aéreos, afirma que as regras são, em sua maioria, padronizadas, mas podem variar de uma companhia aérea para outra. “No entanto, a realocação deve respeitar critérios lógicos. No caso do voo da Ingrid, a companhia optou por retirar um passageiro da classe premium economy para acomodar o passageiro da classe executiva, o que não faz sentido. O correto seria realocar o passageiro da executiva em outro assento vago na mesma classe, sem prejudicar outro passageiro que já tinha um assento garantido", disse ele.
Pessoas que viajam sozinha são primeiramente deslocadas?
Em geral, passageiros que viajam sozinhos costumam ser os primeiros a serem realocados, em caso de necessidade de mudança de assento. “No entanto, essa realocação deve sempre respeitar as regras de segurança do voo, como no caso dos assentos próximos às saídas de emergência”, afirma Sá.
Alvim acrescenta que embota não haja uma regra fixa sobre quem será deslocado primeiro, para a companhia aérea, é mais fácil realocar alguém que está viajando sozinho do que um passageiro que está em grupo, para evitar transtornos maiores. “Mas, independentemente disso, o passageiro da executiva com problema no assento deveria ter sido colocado em um assento vago na própria classe e não deslocado para uma classe inferior, forçando um efeito cascata de realocações”, disse ele.
Companhia aérea tem obrigação de informar motivo da mudança
Segundo o advogado do Godke Advogados, a companhia aérea tem a obrigação de informar ao passageiro o motivo da mudança de assento, especialmente quando ele adquiriu um assento específico, como no caso citado na reportagem. “Além disso, a empresa deve agir com cordialidade ao comunicar essa alteração. Caso essa comunicação não ocorra de forma adequada ou haja um tratamento desrespeitoso, isso pode gerar um pedido de indenização por danos morais.”
A comunicação transparente é essencial nesses casos. “A companhia deveria ter explicado claramente o ocorrido e buscado uma solução justa desde o início, sem ameaças ou tentativas de intimidação”, acrescenta Alvim.
Ou seja, caso o passageiro considere situação abusiva, pode ser ressarcido?
Ele pode, sim, ter direito a um ressarcimento. Existem duas formas principais de compensação. Segundo Sá, a primeira é o ressarcimento financeiro, aplicável em casos de downgrade — quando o passageiro é realocado de uma classe superior para uma inferior. Nessa situação, a companhia aérea deve reembolsar a diferença de valores entre os assentos.
“Além disso, pode haver indenização por danos morais, caso o passageiro se sinta constrangido ou emocionalmente abalado pela realocação. Se a mudança ocorrer de forma desproporcional, expondo o passageiro a um constrangimento público dentro da cabine, por exemplo, isso pode caracterizar um dano moral, obrigando a companhia aérea a compensá-lo financeiramente, além do ressarcimento pelo downgrade“, avalia Sá.
“No caso de Ingrid Guimarães, ela pode exigir o reembolso da diferença entre a classe Premium Economy, que ela pagou, e a classe econômica, que foi o serviço efetivamente prestado. Além disso, há a possibilidade de danos morais devido ao estresse, desconforto e constrangimento causados pela companhia aérea", completou Alvim.
Por fim, é importante destacar que o fato ocorreu em uma aeronave estrangeira, especificamente em solo norte-americano, o que significa que a legislação aplicável é a dos Estados Unidos. Em casos de voos internacionais, também podem incidir normas de convenções internacionais, como a Convenção de Chicago e a Convenção de Montreal, que regulam diversos aspectos do transporte aéreo.
Caso esse incidente tivesse ocorrido em território brasileiro, a legislação aplicável seria a brasileira, incluindo o Código de Defesa do Consumidor, o Código Civil e a Resolução 400 da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), que estabelece regras sobre os direitos e deveres dos passageiros e das companhias aéreas.
Incidente ocorrem em solo norte-americano
Por meio de nota, a Anac disse que a situação relatada não ocorreu em solo brasileiro. Dessa forma, a regulação da agência não se aplica ao caso em questão. Segundo a Anac, é necessário entrar em contato com a Federal Aviation Administration (FAA) - Administração Federal de Aviação, em português - que é a autoridade reguladora da aviação civil nos Estados Unidos.
Por sua vez, a FAA disse que as regras e regulamentos da FAA não abordam os problemas questionados pela reportagem.
O órgão norte-americano sugeriu que o jornal entrasse em contato com o Department of Transportation (Departamento de Transporte, em português) para verificar se alguma regra do DOT se aplica ao caso relatado ou entrar em contato direto com a American Airlines. O departamento ainda não se manifestou.
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