Brasil propõe na ONU condenar ataques terroristas do Hamas
Conselho de Segurança já realizou duas reuniões sobre a crise que eclodiu no último fim de semana
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O Brasil negocia com os demais membros do Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU) um documento que classifique como ataques terroristas a série de ações cometidas contra civis israelenses no dia 7. O texto ainda responsabilizaria o Hamas, em um avanço diante da posição que o governo brasileiro vem adotando — o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem evitado mencionar a o grupo palestino.
O desfecho das negociações, no entanto, é considerado imprevisível, tanto pelas divergências de posição entre os integrantes do colegiado, cuja presidência de turno é ocupada pelo Brasil, como pela evolução dos acontecimentos em Gaza.
Um diplomata com conhecimento do tema avaliou que ainda não é possível dizer se os demais membros do Conselho de Segurança concordarão, após as rodadas de negociação, com a manutenção da expressão "ataques terroristas". É ainda mais incerto se as diferentes posições entre EUA, China e Rússia permitirão ou não a responsabilização direta do Hamas como culpado por esses atos.
Lula usou a expressão terrorismo em sua primeira manifestação sobre as ações contra civis israelenses cometidas pela facção palestina, mas foi criticado por não mencionar expressamente o Hamas. Na última quinta (12), após conversa com seu homólogo israelense, Isaac Herzog, Lula voltou a falar em "ataques terroristas", mas novamente sem citar o grupo que controla a Faixa de Gaza.
A justificativa do governo é que o Brasil segue o entendimento de classificar como terrorista as organizações assim definidas pelo próprio Conselho de Segurança da ONU —o que não é o caso do Hamas.
A negociação do texto pelo Brasil foi revelada pelo jornal O Globo e confirmada pela Folha.
O texto em negociação pede ainda a adoção de medidas para impedir uma crise humanitária na guerra de Israel contra o Hamas. O documento deve conclamar as partes a adotar um cessar-fogo, a preservar a população civil e a respeitar o direito humanitário, incluindo a permissão de entrada de ajuda na Faixa de Gaza e a proteção dos profissionais que prestam auxílio a civis.
De acordo com pessoas que acompanham as tratativas, a delegação brasileira em Nova Iorque já circulou entre os integrantes do conselho uma minuta, para que sejam feitas observações e sugestões.
Ainda não há definição sobre o formato. O ideal é que ele seja uma resolução, que tem caráter vinculante para todos os membros da ONU e é uma manifestação mais forte do conselho. Caso não seja possível, pode-se tentar adotar uma declaração da presidência, que marca a posição do colegiado mas não é considerado uma norma internacional que precisa ser seguida.
A declaração requer consenso de todos os 15 integrantes do colegiado. Já a resolução precisa do voto de 9 dos 15 integrantes. Os detentores de assentos permanentes têm direito a veto. São eles: Estados Unidos, Rússia, China, França e Reino Unido.
Diplomatas consultados pela Folha hoje consideram baixas as probabilidades de que uma resolução prospere e seja aceita pelos cinco países com direito a veto.
Além do Brasil, os integrantes não permanentes hoje são: Albânia, Equador, Gabão, Gana, Japão, Malta, Moçambique, Suíça e Emirados Árabes Unidos.
A expectativa é tentar analisar o texto em sessão no conselho já na próxima semana.
Uma invasão terrestre de Gaza pelas Forças de Defesa de Israel e a escalada do número de mortos e feridos civis são fatores que certamente trarão reflexos sobre as negociações, disseram diplomatas à Folha.
Na sexta-feira (13), a Rússia apresentou um projeto de resolução pedindo por um cessar-fogo humanitário e pela liberação dos reféns. A proposta, no entanto, sequer mencionava o Hamas e não encontrou respaldo entre os demais membros do conselho, segundo informou a agência Reuters.
A expectativa é que a Rússia coloque sua resolução em votação logo no início da semana. Diplomatas acreditam que ela será derrotada por não ter sido submetida ao processo de consultas com os demais integrantes.
A ausência de qualquer referência ao Hamas não é o único obstáculo da proposta de Moscou. Para os EUA e aliados, é politicamente inviável ter de negociar sobre um texto russo. Por isso, diplomatas dos EUA, da Suíça, da França e dos Emirados encorajaram o Brasil a tomar a dianteira e a circular uma redação.
O desafio é encontrar um texto que consiga equilibrar o respeito ao direito humanitário com o repúdio à violência. O segundo item é considerado o potencial ponto de ruptura, com delegações importantes divergindo sobre culpar expressamente ou não o Hamas por atos terroristas.
Mesmo os trechos sobre direito humanitário não estão pacificados. Há países no conselho que manifestam resistência mesmo a linguagens consideradas padrão nesse tema, o que aumenta ainda mais a complexidade da negociação.
Israel sofreu no último final de semana o maior ataque em 50 anos, que deixou 1.300 pessoas mortas. Como resposta, Tel Aviv apertou o cerco militar contra a Faixa de Gaza e desencadeou uma campanha de bombardeio ao território controlado pelo Hamas —grupo terrorista responsável pelos ataques. Ao todo, morreram até o fim da tarde deste sábado (14) 2.215 palestinos na reação israelense.
Órgão mais importante da ONU, o Conselho de Segurança já realizou duas reuniões sobre a crise que eclodiu no último fim de semana. A avaliação após os dois encontros é que a situação é extremamente sensível e ainda está longe de se chegar a posições de consenso ou mesmo de maioria.
Após um encontro de consultas na sexta-feira (13), o chanceler brasileiro, Mauro Vieira, disse que seguiria trabalhando de perto "com todas as delegações em busca de uma posição unificada do conselho em relação à situação".
"O Brasil continuará a promover o diálogo entre os membros e ação por parte do conselho por meio da abertura de avenidas de negociação possíveis. O objetivo imediato é claro: impedir mais derramamento de sangue e a perda de vidas; e tentar garantir acesso humanitário urgente e desimpedido às áreas afetadas. A lei internacional humanitária e a lei internacional de direitos humanos são um guia claro em relação ao que precisa ser feito. Uma pausa humanitária é urgente, assim como o estabelecimento de corredores humanitários para o acesso a Gaza."
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