Bolsonaro liderou trama e tinha até discurso pós-golpe pronto, diz PGR
Denúncias serão analisadas pelo relator do caso no Supremo, ministro Alexandre de Moraes, e julgadas na Primeira Turma da corte
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Jair Bolsonaro (PL) liderou a trama golpista, sabia do plano para matar Lula (PT) e tinha até discurso pronto para quando houvesse a efetivação do golpe, concluiu o procurador-geral da República, Paulo Gonet Branco, na denúncia apresentada ao STF (Supremo Tribunal Federal) na terça-feira (18).
O ex-presidente e outras 33 pessoas foram denunciados sob acusação de estimular e realizar atos contra os três Poderes e o Estado democrático de Direito. As denúncias serão analisadas pelo relator do caso no Supremo, ministro Alexandre de Moraes, e julgadas na Primeira Turma da corte.
Bolsonaro nega tanto a articulação por um golpe como o conhecimento do plano de assassinato de autoridades. A defesa dele afirmou que recebeu com "estarrecimento e indignação" a denúncia e que não há elementos na peça da PGR (Procuradoria-Geral da República) que o conecte à "narrativa construída" no documento.
Abaixo, entenda em sete pontos o papel que, segundo as conclusões de Gonet, o ex-presidente e o entorno dele tiveram na trama golpista.
BOLSONARO SABIA E CONCORDOU COM PLANO
A denúncia coloca o ex-presidente no centro da trama golpista, como líder da suposta organização criminosa que visava à permanência dele no poder.
Segundo a PGR, Bolsonaro concordou com o plano de ataque às instituições levado até ele. O documento teria o STF como alvo a ser "neutralizado" e cogitava o uso de "armas bélicas contra o ministro Alexandre de Moraes e a morte por envenenamento de Luiz Inácio Lula da Silva".
Outros planos encontrados na posse dos denunciados se somaram a este, de acordo com a acusação. "Neles se buscava o controle total sobre os três Poderes; neles se dispunha sobre um gabinete central, que haveria de servir ao intuito de organizar a nova ordem que pretendiam implantar", diz. Um dos planos terminava com a frase: "Lula não sobe a rampa".
CADEIA DE ACONTECIMENTOS
Gonet sustenta que os crimes não são de ocorrência instantânea, mas se desenrolam em uma cadeia de acontecimentos, como ataques ao sistema eletrônico de votação, elaboração de planos golpistas e até manifestações que desembocariam nos atos de 8 de janeiro.
O objetivo, contudo, seria sempre o mesmo: "a organização não deixar o poder, ou a ele retornar, pela força, ameaçada ou exercida".
A denúncia afirma que pelo menos desde 2021 o ex-presidente adotou crescente tom de ruptura com a normalidade institucional em seus pronunciamentos públicos, mostrando-se descontente com as urnas de votação e decisões de tribunais superiores. A escalada teria ganhado impulso quando Lula se tornou elegível depois da anulação das condenações criminais.
GRUPO VISOU MANTER MILITÂNCIA APAIXONADA
Ainda segundo a PGR, a organização alimentou falsas narrativas de fraude nas urnas e as repassou a influenciadores para mobilizar a população e sensibilizar as Forças Armadas, especialmente o Exército, a instaurar um regime de exceção no país.
Mesmo após relatório confirmar a integridade do processo, narrativas e distorções de dados teriam sido criadas para manter a "militância apaixonada e disposta a aceitar soluções de violência à ordem constitucional".
Sobre o sistema eleitoral, por exemplo, Gonet afirma que "[os ataques] foram sempre respondidos oficialmente, por autoridades judiciais e com argumentos técnicos. Todos eles, contudo, foram sistematicamente ignorados, inundando-se as redes sociais e meios de comunicação com acusações falsas, mirabolantes, tantas vezes francamente manipuladas nas suas premissas de fato".
BOLSONARO FEZ AJUSTES EM MINUTA DO GOLPE
A peça diz que Bolsonaro recebeu a minuta de decreto golpista que alegava interferências do Judiciário no Executivo e propunha novas eleições e a prisão de autoridades, entre elas os ministros do STF Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes e o então presidente do Senado, Rodrigo Pacheco.
O ex-presidente teria ajustado o documento para focar a prisão de Moraes e a realização de novas eleições presidenciais.
Com o decreto concluído, Bolsonaro teria iniciado uma fase de reuniões com os militares de alta patente, a fim de lhes apresentar o documento e de convencê-los a fornecer o suporte necessário.
EX-PRESIDENTE JÁ POSSUÍA DISCURSO PRONTO
A acusação narra que haveria até um discurso pronto para ser recitado quando o ex-presidente efetivasse o golpe de Estado.
O texto, argumenta-se, "reforça o domínio que este [Bolsonaro] possuía sobre as ações da organização criminosa, especialmente sobre qual seria o desfecho dos planos traçados —a sua permanência autoritária no poder, mediante o uso da força".
O suposto discurso deturpa o chamado "princípio da moralidade institucional", definido por um ex-orientando do atual ministro Ricardo Lewandowski em sua tese de doutorado na USP. E usa esse conceito para argumentar que os ministros do STF agem de forma ilegal e que, portanto, seria necessário detê-los.
"Na Antiguidade, 'Dar a cada um o que é seu' já era uma ideia defendida por Aristóteles, como definição de justiça e princípio de direito. No Iluminismo, a necessidade de 'resistência às leis injustas' já era uma ideia defendida por Tomás de Aquino", diz um dos trechos do discurso.
CÚPULA SABIA DE EVENTOS PRÉVIOS AO 8/1
O procurador-geral afirma ainda que a suposta organização criminosa mantinha controle sobre manifestações antidemocráticas no Brasil, que o núcleo central estava em constante interlocução com as lideranças populares, com atos de direcionamento, "mostrando-se plenamente ciente de todos os movimentos que seriam realizados por seus apoiadores".
Diz ainda que"o grupo aguardava o evento popular como a tentativa derradeira de consumação do golpe, tanto que, uma vez iniciadas as ações de vandalismo, Mauro Cid comentou com a sua mulher: "Se o EB [Exército Brasileiro] sair dos quartéis… é para aderir".
ORGANIZAÇÃO USAVA ESTRUTURA DA ABIN
O grupo também se valeria de meios digitais para atacar rivais e o sistema eleitoral, criando notícias falsas e utilizando indevidamente a estrutura da Abin (Agência Brasileira de Inteligência).
A denúncia afirma que os "mesmos alvos apontados publicamente pelo então presidente da República eram simultaneamente atingidos de forma virtual, com a criação e multiplicação de notícias falsas".
A estrutura seria composta por policiais federais cedidos à agência e oficiais que atuavam sob o comando do então diretor-geral Alexandre Ramagem. "O núcleo atuava como central de contrainteligência da organização criminosa."
Em poder das informações, esse núcleo supostamente realizava ações de campo e armava vínculos falseados com fatos que os constrangesse. Produzia desinformação contra seus opositores por meio dos recursos e ferramentas de pesquisa da Abin.
TENTATIVA É O FATO PUNÍVEL DESCRITO NA LEI
Gonet ainda argumenta que os crimes de golpe de Estado e abolição violenta do Estado democrático de Direito falam de atentados contra as instituições democráticas. Dessa maneira, defende o procurador-geral, é a tentativa que está descrita na lei, não a concretização do atentado, "até pela acaciana verdade de que golpes que se consumam não dão ensejo a punição dos vitoriosos", afirma.
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