Aprovada internação involuntária de população de rua com dependência química em SC
Projeto de lei foi aprovado pela Câmara Municipal de Florianópolis
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O projeto de lei que prevê a internação involuntária para pessoas em situação de rua com dependência química ou transtornos mentais em Florianópolis foi aprovado pela Câmara Municipal na segunda-feira (19), já em segundo turno de votação, e segue para sanção do prefeito, Topázio Neto (PSD), que é o autor da proposta, batizada pelo Executivo de "internação humanizada".
Foram 17 votos favoráveis ao texto e cinco contrários. Três vereadores do PSOL, um do PT e outro do PL votaram contra a medida. Um grupo de manifestantes contrários ao projeto de lei acompanhou a votação na Câmara exibindo cartazes com frases como "população de rua também quer vida, saúde, dignidade, cidadania" e "gente rica também vai ser internada a força?".
Até a tarde desta quarta-feira (21), o projeto de lei ainda não havia chegado ao Executivo. A prefeitura diz que aguarda o texto e vai se manifestar só depois da sanção.
Em ofício encaminhado aos vereadores junto com o projeto de lei, o secretário de Assistência Social, Leandro Antônio Soares Lima, argumento que há em Florianópolis "um aumento significativo de pessoas em situação de vulnerabilidade" afetadas por "uso excessivo de drogas" e com "transtornos mentais", e que o cenário "desafia a manutenção da ordem pública e a preservação dos valores fundamentais de convivência cidadã".
Lima também afirma que o objetivo do projeto de lei é "promover a recuperação integral desses indivíduos e reintegrá-los ao convívio social e familiar" e que a jurisprudência do STF (Supremo Tribunal Federal) reconhece a autonomia dos entes federativos para legislar "sobre matérias de interesse específico de sua comunidade, desde que respeitadas as balizas constitucionais".
Procurado pela reportagem nesta quarta, o Ministério Público de Santa Catarina informou que a 33ª Promotoria de Justiça da capital, que tem atuação na área da saúde pública, está instaurando procedimento a partir de representação recebida e que, inicialmente, vai pedir informações à prefeitura.
Já a 9ª Promotoria de Justiça da capital instaurou um inquérito civil em 7 de fevereiro para apurar a legalidade do projeto de lei especificamente em relação à área da infância e da juventude. O objetivo é averiguar se a lei abrange crianças e adolescentes, o que seria ilegal. De acordo com a Promotoria, isso não está claro no texto.
Segundo o projeto de lei aprovado, a lei se aplica a todos as pessoas que estejam em situação de rua em Florianópolis e que se enquadrem como "pessoas com dependência química crônica, com prejuízos a capacidades mental, ainda que parcial, limitando as tomadas de decisões; pessoas em vulnerabilidade, que venha a causar riscos à sua integridade física ou a de terceiros, devido a transtornos mentais pré-existentes ou causados pelo uso de álcool e/ou drogas; e pessoas incapazes de emitir opiniões ou tomar decisões, por consequência de transtornos mentais pré-existentes ou adquiridos".
A internação, segundo o projeto de lei, pode se dar com ou sem o consentimento da pessoa. Se for sem o consentimento da pessoa, a internação poderia ser admitida a pedido de um familiar ou do responsável legal ou, na falta deles, de um servidor público da área de saúde, da assistência social ou dos órgãos públicos integrantes do Sisnad, ligado a políticas públicas sobre drogas.
Segundo o projeto de lei, os pacientes serão acolhidos por uma equipe multiprofissional e o tratamento deverá abordar "aspectos psicossocial, físico, nutricional, integrativo e intelectual".
Além disso, a família ou o representante legal, ainda que seja o município, poderá pedir ao médico a interrupção do tratamento, a qualquer momento.
"Durante o período de internação, a Prefeitura Municipal de Florianópolis deverá manter atendimento intersetorial (...) visando preparar o paciente após o tratamento para inserção na sociedade, no mercado de trabalho e/ou convívio familiar", diz outro trecho.
Nos casos de internação involuntária, o texto obriga ainda a comunicação do fato ao Ministério Público e à Defensoria Pública no prazo de 72 horas.
DEFENSORIAS APONTAM 'HIGIENIZAÇÃO SOCIAL' E FALTA DE ESTRUTURA
Durante o trâmite do projeto de lei no Legislativo, a Defensoria Pública da União e a Defensoria Pública do Estado de Santa Catarina assinaram um documento aos vereadores com críticas ao projeto de lei.
As defensorias afirmam que o acesso à saúde é ponto crucial entre as políticas necessárias à superação da situação de rua, mas que a solução proposta não é adequada, além de violar a ordem legal e constitucional sobre o tema.
No documento, as Defensorias apontam "higienização social", já que há um tratamento à população em situação de rua "distinto das demais camadas sociais". Elas sustentam que há no texto "uma política seletiva e de higienização social, incompatível com o Estado Democrático de Direito e com os direitos fundamentais".
Também lembram que a legislação federal só permite a internação após o esgotamento dos recursos extra-hospitalares. A internação, destacam as defensorias, são entendidas como recurso extremo, quando outras medidas se mostrarem insuficientes.
"A Reforma Psiquiátrica (Lei 10.216/2001) foi construída sob a lógica de superação das práticas de exclusão, da garantia dos direitos das pessoas com transtornos mentais, do tratamento comunitário e aberto como prioridade, da ressocialização por meio de um atendimento multidisciplinar capaz de promover autonomia, extirpando a lógica manicomial do ordenamento jurídico", pontuam.
Além disso, as Defensorias fazem uma lista de problemas na estrutura atual de atendimento. Entre outras coisas, mencionam que a cidade possui apenas dois CAPS AD (Centros de Atenção Psicossocial para Álcool e Drogas), e que as unidades já enfrentam grandes dificuldades para atender às demandas regulares da população em geral pela falta de estrutura e de pessoal.
Também citam o Centro Pop (Centro de Referência Especializado à População em Situação de Rua), que funcionaria em uma "estrutura inadequada" e ainda sem atender aos objetivos propostos pela legislação, "de promover um espaço de ressocialização e superação da situação de rua".
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