Mais demissões por justa causa com o home office
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O home office prolongado por conta da pandemia da covid-19 criou situações até então inéditas nas relações trabalhistas e desafiou advogados e a própria Justiça do Trabalho a se adaptarem para atender às demandas.
Demissões por justa causa por falta de compromisso com as funções, por exemplo, se tornaram mais comuns desde o início do trabalho a distância, segundo advogados trabalhistas.
Dados da Secretaria de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia demonstram que o número de demissões por justa causa vem aumentando nos últimos meses.
Neste ano, foram 47.554 desligamentos justificados entre abril e junho, enquanto em 2020 o mesmo período teve 41.491 demissões por justa causa.
Entre os motivos para os desligamentos, estão a burlagem do home office, mentiras para evitar o retorno ao trabalho presencial e quebra de isolamento domiciliar em função de contaminação.
“Situações que já existiam antes da pandemia, como mentir à empresa para viajar e fraudar atestado para ter folga aconteceram. Mas a justa causa é a pena máxima da relação de trabalho. Em alguns casos extremos se aplica, mas geralmente é preciso antes advertir, suspender”, afirmou o advogado trabalhista Leonardo Ribeiro.
A advogada Marta Vertamarti destacou que, apesar da frequente dificuldade das empresas em acompanhar a jornada dos funcionários que estão trabalhando a distância, é preciso ter estabelecer um controle claro dos horários.
“A empresa precisa criar mecanismos para controlar a jornada, ligado a um sistema. Casos de burlagem ao home office, se a pessoa foi para outro lugar, por exemplo, só são passíveis de justa causa, caso a empresa tenha esse controle de jornada para comprovar”, afirmou.
Outro motivo de demissão, segundo os advogados, pode ser o monitoramento de redes sociais e outros recursos, quando usados no computador da empresa.
Segundo a advogada, entretanto, esse tipo de monitoramento só é válido se ocorrer para fins de trabalho. “Se for para garantir o funcionamento, monitorar o envio de relatórios, por exemplo, então não há um problema” afirmou.
Casos
Trabalhando, mas à beira-mar
Entre os relatos de demissões por justa causa que ocorreram durante a pandemia, segundo uma advogada, está o caso de um empregado que estava em regime de home office, mas foi flagrado na praia, usando o celular para logar no sistema da empresa e afirmar estar trabalhando. Neste caso, a demissão foi justificada.
Grupos de risco na festança
Muitas empresas usaram o pertencimento de funcionários a grupos de risco frente à covid-19 para definir prioridades quanto ao trabalho presencial ou remoto, por exemplo.
Mas, segundo advogados, houve demissões de pessoas que declararam ter comorbidades, mas frequentaram festas clandestinas na pandemia.
Mentiras sobre riscos e doenças
Segundo advogados, também há caso de funcionário demitido por alegar conviver com pessoas que seriam do grupo de risco frente à doença, mas que fez postagens em churrasco e aglomeração. Nestes casos, a justiça pode entender que há má fé por parte do funcionário e confirmar a demissão por justa causa, caso ocorra.
Empresas com respaldo da Justiça
A Justiça do Trabalho confirmou a demissão por justa causa contra uma funcionária de um supermercado que apresentou atestado alegando a necessidade de isolamento domiciliar por ter contato com uma pessoa infectada pela covid-19, mas realizou uma viagem com o namorado no período.
A mulher foi ainda condenada a pagar multa de 10% do valor da causa por “litigância de má-fé, a ser revertida a entidade pública ou filantrópica para o combate à pandemia”.
O caso foi registrado na cidade de Brusque, em Santa Catarina. A ex-funcionária contestou na Justiça a demissão por justa causa, pois estaria há sete anos na empresa.
Entretanto, segundo o processo, a própria trabalhadora admitiu ter passado o fim de semana com o namorado no Rio Grande do Sul, sendo demitida quando retornou do isolamento.
O juiz Roberto Masami Nakajo entendeu que a atitude é uma 'falta gravíssima' e passível de demissão por justa causa.
Ela considerou a punição desproporcional à atitude. Mas, para o magistrado responsável por analisar o caso, o fato de a mulher ter furado o isolamento foi “gravíssimo” e demonstrou desprezo pela vida dela e do próximo.
“A empresa continuou a pagar seu salário e, em contrapartida, esperava-se que a autora mantivesse isolamento, um ato de respeito em relação ao próximo e à toda sociedade, e atitudes como esta, contrárias às orientações das autoridades sanitárias, podem levar à uma elevação dos níveis de infecção e a novas restrições”, justificou o juiz Roberto Masami Nakajo em sua decisão.
Saiba mais
Justa causa
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Entre os motivos para a demissão por justa causa previstos na CLT em seu art. 482, estão ato de improbidade, incontinência de conduta ou mau procedimento do empregado.
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Também estão entre os motivos violação de segredo da empresa, ato de indisciplina ou insubordinação, abandono de emprego, ato lesivo da honra e boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa.
Estabilidade
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Segundo advogados, o trabalhador pode ser desligado nesta circunstância, mesmo que esteja em pleno gozo de estabilidade provisória devido à suspensão e ou redução proporcional de contrato e salário prevista pela Lei nº 14.020 de 2020, conhecida como Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e Renda.
Critérios
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Para aplicar a justa causa, além da configuração de uma das faltas graves previstas em lei, é necessário que o empregador observe os requisitos de validade dessa modalidade rescisória, como a legalidade, a proporcionalidade, a imediatidade e a não discriminação do funcionário.
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A justa causa é a pena máxima da relação de trabalho.
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O funcionário demitido por justa causa tem direito somente ao saldo de salário e às férias vencidas acrescidas de um terço do valor, diferentemente de outros tipos de demissão, quando o funcionário recebe verbas rescisórias como o FGTS.
Recursos
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Quando o funcionário não concorda com a aplicação da justa causa, pode recorrer à Justiça para pedir a reversão em demissão sem justa causa, garantindo verbas indenizatórias. Cada caso é analisado individualmente
Fonte: Especialistas ouvidos
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