"Casais que têm filhos brigaram mais na pandemia”, avalia especialista
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Um estudo desenvolvido pelo professor universitário e doutor em Psicologia Thiago de Almeida identificou que casais com filhos tiveram mais desentendimentos e desarmonias durante a pandemia do novo coronavírus do que aqueles que não têm filhos.
Segundo ele, a conclusão se aplica a diferentes contextos e a percepção foi semelhante mesmo em parceiros com filhos de diferentes faixas etárias. “O olhar do parceiro, em geral, fica voltado para o filho e pouco para as necessidades do casal. Sendo assim, os parceiros ou ficam insatisfeitos ou sentem que não são prioridade”, analisa.
Thiago esclarece que não é necessariamente o filho que provoca o desentendimento entre os pais. O que ocorre, segundo ele, é a necessidade do casal reorganizar a dinâmica da família, que prioriza a criança.
Ele destaca que a descoberta se contrapõe ao que crê o senso comum de que filhos unem os casais. “Do ponto de vista científico, filho unir o casal não faz sentido. Essa crença goza de popularidade, mas não tem embasamento.”
O especialista enfatiza que, em situações de desarmonia, alternativas devem ser buscadas para melhorar a dinâmica entre o casal.
A Tribuna – Qual foi o foco da pesquisa?
Thiago de Almeida – Inicialmente buscamos entender várias coisas. Primeiro, como os casais se comportavam por ocasião da pandemia e se fenômenos da hiperconvivência serviam para afastar ou aproximar os parceiros e quais eram os inconvenientes para a convivência.
O estudo contou com a participação de 303 pessoas (não necessariamente casais) em situação de envolvimento amoroso convivendo na mesma casa por ao menos dois anos.
E o que descobriram?
A descoberta mais interessante vai contra o senso comum, que acha que nada melhor do que ter um filho para aproximar o casal.
Notamos que casais com filhos têm coesão diádica menor do que os que não têm filhos. Coesão diádica é o termo que usamos para falar da harmonia, sinergia e parceria a dois. Ou seja, casais com filhos tiveram mais desentendimentos e menos harmonia.
Também percebemos que, conforme vai tendo maior faixa etária, as pessoas vão ficando mais calmas e estáveis. Isso contrasta com a literatura, que diz que pessoas tendem a ficar desassossegadas e inquietas na fase do lobo. Percebemos que a estabilidade ocorre com o passar do tempo.
Quais outras conclusões do estudo?
A hiperconvivência fez aumentar os índices de violência doméstica e separações. Tentamos pesquisar várias hipóteses, mas esse achado dos filhos foi o que nos deixou mais surpreso. Isso ao menos durante a pandemia.
De que forma ter ou não um filho reflete na desarmonia do casal?
É possível que o olhar do parceiro fique voltado para o filho e pouco para as necessidades do casal. Sendo assim, os parceiros ou ficam insatisfeitos ou sentem que não são prioridade.
Com filho, a unidade que havia acaba se perdendo, e o casal precisa se reorganizar em função dessa nova sociedade que se cria no lar. Durante a pandemia, também houve mudança e uma necessidade reorganização ativa.
Em outras situações, será que os casais seriam unidos mesmo por um filho ou novo membro? Não. Talvez as pessoas tenham seguido por muito tempo essa orientação, sendo que poderiam procurar outras formas de se organizar para conseguir melhorar a sua coesão diádica. Do ponto de vista científico, filho unir o casal não faz sentido. Essa crença goza de popularidade, mas não tem embasamento.
Essa percepção é semelhante para casais com filhos de diferentes faixas etárias?
Sim. Para filhos diferentes faixas etárias, a conclusão foi a mesma, o que é muito interessante. A literatura pouco explorou isso e a gente sabe que é do senso comum, por isso é importante divulgar essa conclusão. Assim as pessoas que pensam que os filhos vão ajudar a melhorar o relacionamento podem encontrar outra forma de melhorar a dinâmica do casal.
Além de filhos, outros fatores interferiram na harmonia do casal?
Outros fatores que avaliamos não serviram para melhorar a satisfação dos casais; foram indiferentes. Por exemplo: mais ou menos diálogo não interfere para melhorar a qualidade ativa do casal.
Ter filhos foi o que serviu para prejudicar. Independente de serem pessoas que estavam satisfeitos ou não, todos ficaram menos satisfeitos.
Qual impacto da desarmonia dos pais nos filhos?
Para filhos que nascem com pais brigando ou em situação de desentendimento nos primeiros anos de vida, o prognóstico não é favorável do ponto de vista da saúde mental.
Isso pode gerar problemas psicossociais, como se sentir rejeitado (por ser causa da separação ou de briga dos pais), problemas de autoestima, entre outros.
Ainda não temos como visualizar os efeitos porque é um cenário futurístico, mas avaliamos situações que já ocorreram.
O que podem fazer os casais que estão passando por algum abalo?
Recorrer juntos a atividades prazerosas para os dois, resgatar programas que faziam antes de se casar, dar presentes inesperados, fazer comemoração em datas específicas... Isso normalmente falta na convivência do casal.
Como muitos continuam em teletrabalho dentro da mesma casa, não há espaço para fazer alguma surpresa, então é preciso fazer uma readaptação da nossa realidade.
Tem mais alguma orientação que gostaria de passar?
A psicologia é categórica no sentido de orientar para não agir em momento de crise, como ter filho ou terminar um relacionamento. Talvez aja impulsivamente e não tenha a real clarividência e ciência do que possa gerar, seja positiva ou negativamente.
Vale mencionar que isso que estamos vivendo é transitório e vai passar. Já estamos sendo vacinados e temos prescrições sanitárias para o controle da pandemia. Então, dependendo do caso, talvez falha a pena esperar antes de ter alguma ação.
QUEM É THIAGO DE ALMEIDA
- Psicólogo pela Universidade Federal de São Carlos, em São Paulo.
- É professor universitário.
- Mestre pelo Departamento de Psicologia Experimental do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP).
- Doutor pelo Departamento de Psicologia da Aprendizagem do Desenvolvimento da Personalidade do Instituto de Psicologia da USP.
- Aborda temas na área de relacionamentos amorosos, ciúmes, problemas entre casais, entre outros.
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