Cristiane Torloni: “Só as coisas simples nos salvam"
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“Só pessoas que enfrentaram tragédias nas suas vidas sabem como é um dia atrás do outro. Como a gente está vivendo uma tragédia mundial, aconselho as pessoas, amorosamente, a viverem um dia de cada vez, e fazerem as coisas simples com alguma alegria. As coisas básicas do seu dia. Ao se levantar, escovar os dentes como se fosse a primeira vez ou a última na sua vida”. É o que diz a atriz Christiane Torloni, aos 63 anos, sobre como encarar a pandemia do coronavírus.
Com a sabedoria de só quem sentiu uma grande dor adquire – a atriz perdeu seu filho de 12 anos em 1991 –, ela disse, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, que o segredo da superação está nas coisas simples.
“Só as coisas simples nos salvam, nos reconectam com a essência da vida. Este é um momento em que a gente vai ter que viver com muita simplicidade”, afirma a atriz, que está de volta à TV na reprise de “Fina Estampa”, justamente por causa da pandemia.
O avanço do coronavírus fez com que a emissora suspendesse gravações das novelas e colocasse em prática um plano emergencial: resgatar antigos folhetins de sucesso. “Essa novidade coloca o artista diante de uma surpresa do destino incrível”, diz Christiane, em isolamento em sua casa no Rio. A atriz tem boas lembranças da época. “Eu tinha uma média de 70 a 100 cenas por semana, isso é um recorde”.
No confinamento, Christiane assiste à novela e se dedica às atividades físicas indoor, à leitura e aos projetos pessoais.
ENTREVISTA | Christiane Torloni, atriz “É difícil passar a vida sem ser tocado pela tragédia”
Como é chegar aos 45 anos de carreira relembrando uma personagem tão importante, como Tereza Cristina?
Christiane Torloni Fui criada de uma maneira muito espartana no que diz respeito a essa questão da arte. Sou filha de dois atores, Monah Delacy e Geraldo Matheus. Olho minha carreira, e é um passo depois do outro. Nunca fiz grandes planos. Fui criada dentro de uma disciplina, dentro do teatro, por isso que sou uma atriz de teatro há tantos anos.
Terminamos a 3ª temporada do “Master Class” no final do ano passado, com mais de 72 mil espectadores, e depois desse projeto outros papéis muito lindos vieram... E produzindo um filme que idealizei, um documentário apresentando todo um lado ativista de meio ambiente. Então, quando o passado chega ao meu presente, me sinto agraciada, porque de alguma maneira ele vem dizer: continua, hein.
Sou uma pessoa que exercita a solidão há muitos anos, de alguma maneira. Apesar de eu ser uma pessoa bastante social, cultivo a minha companhia, os meus estudos, os meus projetos. Meu filho é um homem adulto, tem o filho dele, tem a vida dele. Meus pais não moram no Rio, moram na serra.
Tenho meus amigos, mas não é todo dia, toda semana. As pessoas que conheço são muito produtivas também nos seus afazeres.
O que me deixa muito angustiada é ter que ser absolutamente obediente e não poder fazer práticas físicas fora de casa. Faço isso a vida inteira: ando, ando de bicicleta, corro na praia. Mas não tem o que fazer, porque estamos lidando com uma situação que é invisível.
Percebo a responsabilidade de tentar não arriscar, até em nome dos meus pais, do meu filho, do meu neto. Então, todas as práticas que eu costumava fazer fora de casa, estou fazendo dentro de casa.
E fazendo algo que sempre digo às pessoas que falam que odeiam fazer qualquer tipo de ginástica. Pergunto: você gosta de música? 'Adoro'. Então, bota música e dança. Dance na sala, solte seu corpo, porque o coração precisa disso.
E como você está enfrentando este momento?
Vou te falar uma coisa: só pessoas que enfrentaram tragédias nas suas vidas sabem como é um dia atrás do outro. Só as coisas simples nos reconectam com a essência da vida. Este é um momento em que a gente vai ter que viver com muita simplicidade. Isso chama-se altruísmo. A gente olhar que todos nós estamos passando por este momento, por alguma razão que talvez a gente nunca saiba.
Estamos neste momento no Brasil, todos batendo no mesmo ritmo dos nossos corações. Um país que estava tão desalinhado, com tantas polarizações políticas, você pode imaginar que, por uma regência cósmica, estamos todos no mesmo ritmo: todos os dias tomando café e almoçando mais ou menos no mesmo horário, lavando louça, varrendo a casa.
As coisas simples nos salvam. Para quem já tomou grandes trancos, tsunamis existenciais, a gente sabe que só isso nos leva para frente. Então, vamos juntos.
Você passou por uma grande tragédia que foi a perda de um filho...
E você se conecta com todas as outras pessoas que também tiveram perdas e você percebe que foi assim, porque isso é um bastão de ensinamento que vai passando ancestralmente.
É muito difícil você passar a vida inteira sem ser tocado pela tragédia. E, quando ela acontece, você olha também amorosamente para o mundo, porque muitos braços e abraços vêm te confortar.
Então, neste momento, estamos fazendo isso uns com os outros, nos consolando.
Todos nós perdemos uma coisa chamada liberdade, que é um bem supremo e intangível. A gente está vendo as pessoas cantando 'Parabéns Pra Você' a distância, batendo palmas, cantando na janela.
As pessoas estão fazendo coisas que são grandes abraços. O dia de hoje vai acabar já, já. “Just for a day”. Um dia após o outro.
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