Dia a dia no trânsito: “Não vale a pena se arriscar por um segundo de fúria”
Chefe de comunicação do Batalhão de Trânsito destaca que reações agressivas podem virar confrontos físicos ou até mesmo tragédias
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Discussões por causa de uma fechada, buzinas insistentes ou gestos agressivos se tornaram cenas comuns nas ruas e avenidas das cidades. Mas o que pode parecer apenas uma reação de irritação corriqueira no trânsito pode, em segundos, se transformar em confrontos físicos ou até mesmo tragédias.
Especialistas alertam que a raiva momentânea ao volante é um comportamento impulsivo e extremamente perigoso.
O tenente Lucas Gabriel Lourenço, chefe da Comunicação do Batalhão de Polícia de Trânsito (BPTran), ressalta que a falta de paciência nas vias pode facilmente ser interpretada de forma equivocada e levar a reações perigosas.
“Definitivamente, não vale a pena colocar a própria segurança e a da família em risco por causa de um segundo de fúria. Um instante de descontrole pode custar uma vida”, finaliza.
“Via de regra, não sabemos quem está do outro lado do volante. Quando ambos os condutores estão com os ânimos exaltados, algo simples toma proporções muito maiores do que deveria”, alerta.
Ele destaca que uma manobra brusca ou uma freada inesperada pode ser causada por distração ou emergência, e não necessariamente por má intenção.
Segundo o promotor de Justiça Ronald Gomes, dirigente do Centro de Apoio Operacional Criminal (CACR) do Ministério Público do Espírito Santo (MPES), a raiva no trânsito afeta diretamente a capacidade racional das pessoas.
“Em situações de estresse, o sistema emocional se sobrepõe ao racional, gerando reações impulsivas e desproporcionais. A pessoa pode, literalmente, ‘ficar cega de fúria’, perdendo temporariamente a capacidade de avaliar riscos e consequências”, afirma.
Esse descontrole pode resultar em agressões físicas, perseguições entre veículos, manobras arriscadas, entre outras consequências.
Sátina Pimenta, psicóloga e colunista de A Tribuna, afirma que, em geral, esses acessos de fúria não são provocados unicamente por um fator externo, e sim por um acúmulo de emoções, como conflitos internos, frustrações ou outros incômodos.
“A verdade é que nossos conflitos pessoais precisam ser reconhecidos e trabalhados. Se não elaboramos o que sentimos, é como se estivéssemos enchendo uma caixinha interna — uma hora ela transborda”, ressalta.
Conflitos
Perdeu o controle
Uma discussão de trânsito resultou na morte de um motociclista de 28 anos em Cachoeiro de Itapemirim, em abril. Ramon Barbosa Gomes se envolveu em uma briga com o motorista de um Gol. O condutor do carro disse que foi perseguido pelo motociclista, perdeu o controle do carro e colidiu com a moto. O motociclista não resistiu.
Facada
Um comerciante de 62 anos foi detido suspeito de esfaquear um servidor público, de 44, durante uma briga de trânsito na Vila Rubim, em Vitória, em fevereiro. Segundo a Guarda Municipal, o comerciante contou que a discussão começou após ele estacionar a caminhonete sobre a calçada. Durante a briga, ele alega ter sido atingido por um caixote, arremessado pelo servidor. Ele disse que, nesse momento, pegou uma faca, que estava no chão, e atingiu a vítima no rosto.
Vandalismo
Uma confusão no trânsito terminou com ameaças e vandalismo em Alto Lage, Cariacica, em novembro do ano passado. A briga teria começado após o condutor de um carro bater em uma moto e se recusar a pagar pelo prejuízo. O motociclista seguiu o condutor, acompanhado de motoboys, que, juntos, quebraram o portão da casa dele.
Discussão termina em tiro
Uma jovem de 18 anos foi baleada em uma briga de trânsito, em fevereiro, em André Carloni, Serra. A vítima estava em um carro dirigido pelo pai e acompanhada do marido e da filha.
A família se dirigia à BR-101, quando um veículo veio no sentido oposto e quase colidiu de frente. Os dois não chegaram a bater, mas houve freada brusca e uma discussão começou.
O homem que dirigia o outro veículo, um professor de jiu-jitsu e engenheiro eletricista, de 39 anos, seguiu o carro onde a família estava, emparelhou mais à frente, sacou uma arma e atirou. O tiro atingiu a porta traseira do veículo, onde a jovem estava, ferindo-a no braço. Ele segue preso.
Saiba mais
Paciência
A prevenção envolve educação emocional e consciência cidadã. Algumas medidas práticas são:
Respirar fundo e não reagir na hora: contar até 10 funciona porque dá tempo ao cérebro para recuperar o controle racional.
Evitar confrontos visuais ou gestuais: olhar ou gesticular de forma provocativa pode contribuir para aumentar o conflito.
Lembrar-se das consequências jurídicas e morais: uma reação impensada pode acabar com carreiras, famílias e vidas.
Buscar ajuda profissional: quem percebe que tem dificuldade de controlar a raiva deve procurar apoio psicológico.
Decisões impulsivas e consequências
Perseguir outro veículo para “dar uma lição”: pode terminar em colisões intencionais ou acidentes envolvendo terceiros.
Descer do carro para tirar satisfação e partir para a agressão física: além de colocar em risco todos os envolvidos, pode configurar lesão corporal ou até mesmo tentativa de homicídio.
Sacar ou simular o uso de arma de fogo: dependendo do contexto, pode configurar ameaça (art. 147 do CP), porte ilegal de arma (Lei 10.826/03) ou tentativa de homicídio.
“Fechar” ou jogar o carro em cima de outro veículo ou pedestres: essa conduta pode ser enquadrada como crime doloso contra a vida, especialmente se demonstrada a intenção ou o dolo eventual. As consequências dessas atitudes vão desde multas e suspensão da CNH até prisão em flagrante, inquérito policial e processo criminal.
Implicações jurídicas
A depender da conduta, o motorista pode responder por:
Ameaça (art. 147 do Código Penal - CP) – até 6 meses de detenção;
Lesão corporal (art. 129 do CP) – penas variam de 3 meses a 8 anos, conforme a gravidade;
Dano qualificado (art. 163, parágrafo único, III, CP) – quando há destruição de bem alheio com violência;
Tentativa de homicídio (art. 121 c/c 14, II, CP) – se for intencional ou com dolo eventual, pena de 6 a 20 anos, podendo aumentar com agravantes;
Infrações administrativas – como dirigir de forma perigosa ou ameaçar pedestres (art. 170 do CTB), com multa gravíssima, suspensão da CNH e possível recolhimento do veículo.
Cada caso será analisado conforme a intenção, os meios empregados e os danos causados.
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