Nova técnica de fertilização gera bebês sem doenças hereditárias
Método que utiliza DNA de três pessoas está em fase experimental no exterior e não tem autorização para ser feito no Brasil
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Uma nova técnica de fertilização in vitro (FIV), considerada altamente complexa, está sendo estudada como alternativa para evitar a transmissão de doenças mitocondriais graves de mãe para filho, que podem levar à neurodenegeração, afetar olhos, coração e até causar sintomas semelhantes ao acidente vascular cerebral (AVC).
O método, conhecido também como FIV com três DNAs, consiste em gerar embriões a partir do material genético de três pessoas: pai, mãe e uma doadora de óvulos. Oito crianças nasceram a partir da nova técnica, no Reino Unido. O estudo foi publicado na revista científica “New England Journal of Medicine” (Revista de Medicina da Nova Inglaterra, em tradução livre).
Na doação mitocondrial, utiliza-se um óvulo doado por uma mulher saudável. Após a fertilização do óvulo da paciente com o espermatozoide do parceiro, retira-se o núcleo (onde está o DNA da mãe) e o transfere para o óvulo doado, previamente esvaziado do seu próprio núcleo. Assim, o embrião carrega o DNA dos pais, mas com mitocôndrias saudáveis da doadora.
Gabriela Cavati Sena, embriologista e doutora em Fisiologia da clínica Jules White, explica que embora o DNA genômico da doadora do óvulo seja removido, o DNA mitocondrial permanece.
“Dentro do óvulo, temos o núcleo e o citoplasma onde estão várias organelas, que funcionam como uma maquinaria para desenvolver o ser vivo. É a partir da energia gerada nas mitocôndrias que nossas células são capazes de continuar crescendo e se multiplicando”, explica.
Apesar dos benefícios que a técnica pode trazer, a doutora em Reprodução Humana Layza Merizio Borges, responsável técnica pelo Instituto de Medicina Reprodutiva, destaca que é importante lembrar que essa técnica só se encontra regulamentada em alguns países, como o Reino Unido.
“Em outros, ela ainda é experimental e na maioria, como o Brasil, não há autorização do Conselho Federal de Medicina para sua prática até o momento, uma vez que coloca em discussão aspectos éticos e religiosos sobre modificação genética”.
Para Ronney Vianna Guimarães, ginecologista com enfoque em Reprodução Humana Assistida, além da avaliação de fatores éticos e regulamentares da prática, também será preciso mais estudos e capacitação de profissionais da área.
Opiniões


Entenda
Doação mitocondrial
Uma nova técnica de reprodução assistida pode reduzir significativamente o risco de transmissão de doenças genéticas raras ligadas ao DNA mitocondrial — material genético herdado exclusivamente da mãe.
A chamada doação mitocondrial por transferência pronuclear foi testada em um estudo recente financiado pelo sistema de saúde do Reino Unido (NHS England) e outros parceiros.
Oito bebês nasceram por meio da nova técnica.
Técnica
A técnica envolve a transferência do material genético da mãe (localizado no núcleo do óvulo) para o óvulo de uma doadora saudável.
Como funciona: após a fertilização do óvulo da paciente com o espermatozoide do parceiro, retira-se o núcleo (onde está o DNA da mãe) e o transfere para o óvulo doado, previamente esvaziado do seu próprio núcleo — o esvaziamento evita que a criança tenha características morfológicas e físicas da doadora.
Assim, o embrião carrega o DNA dos pais, mas com mitocôndrias saudáveis da doadora. Ou seja, são três pessoas contribuindo geneticamente para o bebê.
Doenças
Essas doenças, causadas por mutações no DNA das mitocôndrias — estruturas celulares responsáveis por gerar energia —, podem afetar diversos órgãos, como cérebro e coração, e sistemas do corpo, provocando síndromes graves.
Entre as doenças que essa técnica busca evitar, segundo a embriologista Gabriela Cavati Sena, estão a síndrome de Leigh, que causa neurodegeneração progressiva; o Melas, que provoca sintomas semelhantes ao do AVC e surdez precoce; e a síndrome de KSS, que afeta os olhos e o coração.
Mutações
Nos bebês gerados por meio da transferência pronuclear, os níveis das mutações no sangue foram bastante reduzidos: em seis deles, a carga genética da doença caiu entre 95% e 100%. Nos outros dois, a redução foi entre 77% e 88%.
Permissões
Apesar do potencial promissor, o método ainda não é permitido no Brasil, por envolver debates éticos e religiosos delicados sobre os limites da medicina reprodutiva.
Avanço
Especialistas apontam que a fertilização in vitro (FIV) tem evoluído significativamente nos últimos anos. Como exemplos dessa revolução, a doutora em Reprodução Humana Layza Merizio cita a Triagem Genética Embrionária Preimplantacional para aneuploidias (PGT-a), que permite identificar alterações cromossômicas antes da transferência embrionária, aumentando as taxas de implantação e reduzindo o risco de doenças genéticas.
A vitrificação (técnica de congelamento rápido) também trouxe uma revolução ao permitir o congelamento eficiente de óvulos e embriões. Há também tecnologias baseadas em inteligência artificial para auxiliar na seleção embrionária com maior precisão.
Fontes: New England Journal of Medicine e especialistas consultados.
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