‘Papa prometeu ouvir os cardeais como conselheiros’, diz o arcebispo do Rio, d. Orani Tempesta
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O cardeal Orani Tempesta, arcebispo do Rio, contou ao Estadão como foi a primeira reunião dos cardeais com o papa Leão XIV — uma conversa que durou duas horas, mas cujas palavras oficiais do pontífice foram as únicas tornadas públicas pelo Vaticano. O novo papa ouviu perguntas e sugestões de dezenas de cardeais e se comprometeu a ouvi-los anualmente, sem, no entanto, ainda definir se convocará consistórios ou se a escuta será feita a distância, em razão dos custos para reunir todos em Roma. A medida indica o rumo de um governo mais compartilhado da Igreja, como desejado por seu antecessor: o papa Francisco. Aqui a entrevista com o cardeal.

Como foi o encontro de ontem (sábado, dia 10) dos cardeais com o papa?
No encontro dele com os cardeais, ali na sala do sínodo, ele contou as suas impressões. Agradeceu ao cardeal Giovanni Battista Re (decano do colégio cardinalício) por aquilo que foi feito durante o tempo de Sede Vacante e ao camerlengo, o cardeal Kevin Joseph Farrell. Ele tratou de suas preocupações e citou o documento do papa Francisco Francisco, Evangelii Gaudium, sobre três pontos que diz que são importantes. Depois, ele lembrou que, como os cardeais moram muito longe uns dos outros, nem sempre é possível se encontrar. E que era um desejo dele poder ouvir sempre os cardeais como os seus conselheiros. Em seguida, ele abriu a palavra para nós. Estamos na estrada do sínodo. Em cada dois lugares havia um microfone e cada um podia pedir a palavra e falar um pouquinho daquilo com que se preocupava em relação aos trabalhos futuros. E os cardeais puderam falar, mas nem todos, porque quando chegou meio-dia ele tinha compromisso e não pôde continuar. Deixou então um e-mail e um endereço para cada um mandar suas preocupações. Ele falou dessa intenção de poder estar sempre ouvindo os cardeais do mundo inteiro.
Ele quer pelo menos um consistório por ano. É isso mesmo?
É. Ele falou que é difícil a movimentação de tanta gente tão longe assim, mas como fazer? Eu não sei. Ele não especificou como irá fazer, mas ele está muito aberto a isso. Talvez, não só presencialmente, mas também através de e-mails, por meio de outras maneiras que ele vai consultar. Isso não foi explicitado, não deu tempo. Depois, ele cumprimentou um por um antes de ir para o próximo encontro dele, que foi bastante intenso o dia de ontem em relação ao seu trabalho. A reunião foi um momento de fraternidade, das suas preocupações, de querer ouvir os cardeais e as preocupações do mundo todo e de poder, assim, servir a Igreja nessas necessidades todas.
O conselho com os nove cardeais criado por Francisco será mantido?
Ele não disse. Ele só falou dos cardeais e dessa escuta dos cardeais. Não sei se vai manter o conselho, mas acho que isso é uma coisa que aos poucos deve ser decidida. Como são tantas coisas, não deu tempo de resolver tudo ainda.
Hoje cedo o senhor foi celebrar a missa em uma catacumba?
Sim. Sempre que venho a Roma e tenho a possibilidade de horário, vou rezar na catacumba de São Sebastião, na Via Ápia antiga. Isso por uma razão muito simples: minha cidade é a de São Sebastião do Rio de Janeiro. Então, vou lá rezar pela diocese, pedir a intercessão de São Sebastião. Vim ontem (sábado), praticamente terminamos quase que tudo com esse encontro dos cardeais com o papa, estamos todos retornando para as nossas dioceses. Por isso, quis celebrar ali nas catacumbas de São Sebastião, como eu faço regularmente para pedir pela diocese. E é muito emocionante ali onde ele foi sepultado. Depois, tem os seus ossos na Basílica de São Sebastião, no altar de cima. Eu me encontrei com alguns padres que moram aqui em Roma e são do Rio (12 ao todo) e celebramos em sua intenção.
O senhor chegou a ver depois a manifestação do Santo Padre no ‘Regina Caeli’?
Sim. Eu assisti. O papa falou sobre o tema de hoje, que é o Bom Pastor. Ele falou que está muito contente de poder começar seu trabalho no dia do Bom Pastor. Mostra bem seu coração de pastor, né? E depois usou o Regina Caeli, que ele, aliás, cantou.
Eu não me lembro do Francisco fazer isso...
Não, cantar ele não cantava. Ele tinha só um pulmão. Então, não era carisma dele cantar. O Papa Leão cantou o Regina Caeli e, depois, na segunda parte, falou das preocupações após saudar a população ali presente. E quando ele disse: Nunca mais a guerra. Ele lembrou um pouco Paulo VI. Ele (Leão XIV) não citou, mas eu lembrei bem do que Paulo VI falou na ONU: Nunca mais a guerra, nunca mais uns contra os outros. E ele falou citou a Ucrânia, Gaza, os locais de guerra, mostrando bem que é uma continuidade com aquilo que o Papa Francisco tinha falado. Ele até mesmo o citou que Francisco. E ainda lembrou a comemoração de 80 anos pelo fim da 2.ª Guerra, no último dia 8. E disse que agora há uma 3.ª Guerra, como dizia Francisco, em pedaços. A Igreja continua nessa missão e vai gritar ao mundo inteiro para que parem as brigas, parem de guerrear uns contra os outros.

E ele também tratou da questão da unidade da Igreja e até aconselhou isso para os cardeais para que eles auxiliassem ele nesse trabalho?
Sim. Ele está consultando os cardeais, sabe das dificuldades e das instâncias e aproveitou que a maioria dos cardeais estavam em Roma – um ou outro havia ido embora – para ouvir um pouco. A audiência começou às 10h. Ele falou menos de meia hora, creio que nem isso. E o resto foi para perguntas, para sugestões dos cardeais.
Algum dos brasileiros falou nesse momento?
Se não me engano, Dom Odilo (Scherer, cardeal-arcebispo de São Paulo) falou. Leão XIV deu um tempo de reflexão para cada dupla de cardeais. O meu microfone estava com defeito, não acendeu a luzinha para pedir a palavra, por isso eu e mais três cardeias não conseguimos falar. As preocupações maiores dos cardeais foi justamente sobre a escuta da igreja e de poder colaborar com o papa sobre as vocações, a atenção aos padres, a evangelização e a missão. Toda a preocupação da Igreja em geral.
Quem, de fora da Igreja, apostou na divisão dela, perdeu? Foi isso, d. Orani? Os cardeais não se deixaram influenciar por intrigas etc?
É muito bonito ver esses cardeais do mundo inteiro, de Tonga, da Oceania, da África, de todos os lugares, e que não se conheciam direito, que a gente conhece no máximo pelo nome, e, no entanto, entre o início do Conclave e o fim dele não passaram 24 horas.
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