Conheça brasileira que o papa Francisco escolheu para decidir os destinos da Igreja
Sônia Gomes de Oliveira nasceu em 1969, em Montes Claros, filha de uma mecânico e de uma lavadeira
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O telefone da assistente social Sônia Gomes de Oliveira havia participado de um encontro com catadores de material reciclável em Januária (MG) e voltava para casa quando seu telefone tocou. Era um número desconhecido e, por isso, ela não atendeu. O mesmo número voltou a chamar pouco depois e mais uma vez Sônia, presidente da Comissão nacional do Laicato Brasileiro (CNBL), dispensou o chamado.
Quando o motorista do carro em que estava parou em sua casa em Montes Claros, no interior de Minas, Sônia viu uma mensagem no seu telefone; “Preciso falar com você. É sobre uma atividade no Vaticano.” Imaginou ser um trote de mau gosto, mas logo, em seguida, veio uma nova chamada. Era de um padre do Conselho Episcopal Latino-Americano e Caribenho (Celam).
“Não há nada confirmado ainda, mas gostaria de saber se você teria disponibilidade para uma atividade de 30 dias. Estamos recebendo nomes indicados para participar do sínodo e o seu está entre eles”, afirmou o sacerdote. Sônia não pensou duas vezes. Disse que tinha toda disponibilidade. Agradeceu e se encheu de alegria, mas esteve de se conter, pois ainda não havia nada oficial e o convite devia ser tratado como segredo, ninguém poderia saber. “E segredo do vaticano a gente não pode falar, né”, contou Sônia.
Dias depois, veio o segundo telefonema: “Você foi escolhida”. Sônia urrou de alegria. “Deus, o que eu fiz para participar do sínodo!” Na sua cabeça, só teólogos poderia participar e não alguém como ela, que na Igreja tinha uma vivência, sobretudo, pastoral. “Podemos contar com você? Porém você não vai poder contar nada a ninguém até o anúncio oficial do papa, em Roma”, disse o padre.
E Sônia mais uma vez se conteve até que Francisco anunciou que as mulheres e leigos não só participariam do sínodo com voz, mas também com direito a voto, uma decisão pessoal, de motu proprio, do pontífice. Era a primeira vez na história da Igreja católica que isso aconteceria, não sem levantar resistências e críticas ao papa feitas por prelados conservadores, que se opunham a essa abertura feita por Francisco.
Dois anos mais tarde o papa nomearia a irmã Simona Brambilla como prefeita do dicastério para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Consagrada, um dos “ministérios” do governo do Vaticano. Sônia acompanhou essa mudança com espanto. Ela nasceu em 1969, em Montes Claros, filha de uma mecânico e de uma lavadeira. Era a mais nova de seis filhos. O batismo foi na paróquia Nossa Senhora da Conceição, a mesma em que até hoje a assistente frequenta.
Aos 17 anos, a vivência na comunidade católica a levou a São Paulo. Queria seguir a vida religiosa e entrou para a Congregação da Sagrada Família de Bergamo, em Itapevi, onde chegou ao noviciado, mas, decidiu que sua vida na Igreja seria como cristã leiga e retornou à Montes Claros. Passou a trabalhar na paróquia e se formou assistente social. Ajudava a organizar festas, como a de Nossa Senhora da Consolação, a sua quermesse com ruas barracas, novenário, levantamento de mastros e músicas.
“Aqui vivia uma dimensão missionário, acompanhando os gritos da sociedade. Temos aqui um presídio e uma equipe da pastoral carcerária e ajudamos nas celebrações que ocorrem ali, bem como mantemos uma boa relação com as seis escolas públicas da paróquia, onde ajudamos em uma trabalho de conscientização, como o trabalho de educação ambiental em razão do córrego do Cintra, que passa perto delas”, contou.
Sônia é solteira e vive com a mãe, de 94 anos. Nunca pensou em sua vida que pudesse um dia ir a Roma em um sínodo. “Sou mais das Gerais do que de Minas. Nunca imaginei que seria uma das mulheres indicadas para estar no sínodo, uma mulher preta, filha de lavadeira, sabe o que é ser mulher em nossa sociedade. Eu não posso sair dessa minha realidade, pois não posso dar meu testemunho sem a minha vivência pastoral”, disse.
A assistente social faz parte daquilo que se clama a base da Igreja. Nela, as mulheres comumente são a maioria. Na Missão paz, no Glicério, no centro de São Paulo, o padre Paolo Parise conta que elas representam são 80% dos 115 voluntários que trabalham no maior centro de acolhimento a imigrantes da cidade. Só entre os professores de português que ensinam refugiados de toda parte que chegam ao Brasil há 25 mulheres e cinco homens. “As mulheres são protagonistas na Igreja”, afirmou no padre.
Mas há resistências. Principalmente, a uma maior abertura de espaços a elas nos lugares mais altos da hierarquia administrativa. Bispos e padres ouvidos pela reportagem afirmaram que participação não é empoderamento, pois, do ponto de vista católico, a participação na Igreja é um serviço e não o exercício de poder. Mesmo assim, Sônia foi á Roma acompanhada de Maria Cristina dos Anjos da Conceição, assessora nacional da caritas brasileira, a outra mulher que saiu daqui para o sínodo.
O trabalho com grupos vulneráveis da sociedade, como presidiários e mulheres vítimas de violência doméstica, levou-a a entender o que essas pessoas esperavam e pensavam da Igreja. Disse ouvir frequentemente das pessoas a mesma reposta. “Se o papa Francisco está perguntando, então, eu vou falar.” Foi isso que ela levou ás reuniões preparatórias do sínodo e, depois, expôs em Roma. Chegou ali pela primeira vez em 28 de setembro de 2023 e lá permaneceu durante um mês. Foi a primeira fase do sínodo.
Uma outra se sucederia no ano seguinte, quando Sônia foi novamente chamada ao Vaticano para a segunda parte do sínodo. Ficou alojada com tchecos, venezuelanos, haitianos, ucranianos e franceses. As reuniões eram na sala São Paulo VI, no Vaticano.
“Eu não só creio como penso que nós mulheres já fazemos um trabalho imenso na Igreja. Quase 80% dele nós fazemos. Chegou o momento de irmos além e a nomeação da Brambilla tem esse significado. Francisco já foi ousado. Estamos lidando um uma Igreja machista e clericalizada, então, não dá pra pensar que essa mudança será da noite para o dia”, conclui Sônia. É assim que a assistente social se lembra do papa. Nesses dias em que se aguarda o conclave que vai escolher o novo pontífice, Sônia está está apreensiva. “Temo que haja um retrocesso. As pessoas querem se sentir parte da Igreja.”
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