Fazenda onde Chico Xavier trabalhou será reformada e aberta ao público; saiba onde fica
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No pequeno município de Pedro Leopoldo, a cerca de 50 km da capital Belo Horizonte, uma fazenda guarda histórias que encantam não apenas os adeptos do espiritismo, mas todos aqueles que se interessam pela vida de Chico Xavier. Poucos sabem, mas ali o médium mineiro trabalhou por 25 anos – inicialmente como faxineiro, e depois como escriturário – e escreveu, nas horas de folga, um de seus livros mais conhecidos, Paulo e Estevão, que ele relata ter consumidp oito meses de psicografia.
Informações desse período pouco difundido da vida de Chico poderão ser conferidas de perto pelo público ainda em 2025, graças a uma parceria entre a União Espírita Mineira (UEM) e a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que administra a Fazenda Modelo.
O presidente da UEM, Alisson Pontes Souza, afirma que as reformas começam nos próximos dias, ainda em abril, e devem durar de quatro a seis meses. As melhorias incluirão pintura, adequações e revitalização dos ambientes de áreas específicas internas e ao redor do casarão denominado “Chico Xavier”, onde já existe um espaço dedicado ao médium, o Espaço Cultural Chico Xavier.
Paralelamente, serão feitas reformas na parte externa da edificação, onde ele trabalhava. Esses são os principais espaços destinados ao núcleo de eventos e visitas públicas da fazenda.
“Como não haverá intervenções estruturais, acreditamos que, em agosto, o local poderá ser aberto ao público”, diz ele.
O prédio abriga exemplares dos mais de 400 livros psicografados por Chico Xavier, que teve 50 milhões de unidades vendidas ao longo de sua vida. Também há imagens e objetos que ilustram sua trajetória, incluindo a charrete que ele usava para se deslocar de Pedro Leopoldo até a fazenda. Nesse mesmo casarão, há um auditório no piso superior.
Nascido em 1910 em Pedro Leopoldo, Chico Xavier não teve uma vida fácil em Pedro Leopoldo. Perdeu a mãe ainda criança e foi vítima de maus-tratos por parte da madrasta, que o forçava a lamber feridas do irmão e, quando irritada, o espetava com garfos. Tido como louco e herege pelas visões que tinha, ele sofreu grande pressão da sociedade católica à medida que sua mediunidade se desenvolvia.
Chico começou a trabalhar na fazenda em 1933, iniciando como faxineiro. Mais tarde, foi promovido a escriturário por concurso público, sob a supervisão de Rômulo Joviano, chefe da fazenda na época.
Alisson Souza conta que, no dia a dia de trabalho, Chico Xavier era extremamente disciplinado e um exímio datilógrafo. Não realizava atendimentos na fazenda e nunca faltou ao trabalho. “Com autorização de Rômulo Joviano, ele psicografava em uma sala no porão do casarão, à noite. É lá que ele escreveu Paulo e Estevão, um dos livros mais importantes de sua obra”, explica.
A Fazenda Modelo de Pedro Leopoldo foi criada nos anos 1920 pelo governo federal com o objetivo de contribuir para o desenvolvimento da pecuária nacional, abrigando o Laboratório Nacional Agropecuário (Lanara). Desde 1993, a propriedade de 419 hectares é ocupada pela UFMG, que utiliza as instalações da escola de Veterinária e outras unidades para suas atividades.
“Nosso objetivo com o memorial não é religioso, mas sim valorizar a história de Chico Xavier como uma pessoa que fez parte da comunidade, que mantinha uma relação com a sociedade, sendo um exemplo de dedicação ao próximo. Queremos manter viva a história dele na fazenda e na cidade”, diz Souza ao Estadão.
Os custos com as reformas, adequações e manutenções realizadas nas edificações da fazenda serão de responsabilidade da União Espírita Mineira. Como contrapartida, a UEM poderá voltar a desenvolver atividades no local relacionadas à promoção da memória de Chico Xavier.
Essas atividades já foram realizadas no início da década de 2010, quando um Centro Cultural foi criado em sua homenagem, com base em uma parceria anterior entre a UFMG, a UEM e a Federação Espírita Brasileira (FEB). As atividades previstas no novo acordo haviam sido interrompidas pela pandemia.
“Para a UFMG, o acordo é importante para conservar a história da Fazenda Modelo, que tem relevância não apenas pela ligação com Chico Xavier, mas também pela sua memória para a cidade. Além disso, a fazenda é um importante polo turístico, especialmente para peregrinos do espiritismo, o que reforça a importância da preservação desse patrimônio”, disse ao Estadão a diretora de Cooperação Institucional da UFMG e integrante do comitê gestor da Fazenda, Zélia Lobato.
Campus sustentável
Lobato diz que o projeto da universidade para a Fazenda Modelo é mais amplo, de transformar o local em campus avançado voltado para a sustentabilidade. “A UFMG tem um plano diretor já desenhado, bem adiantado, prevendo ações de ensino, pesquisa, extensão e inovação, todas voltadas para a sustentabilidade. Junto com essa ideia, está exatamente a preservação do que tem dentro da fazenda hoje, que tem os seus edifícios históricos, e um deles é o edifício do Chico Xavier. Estamos muito felizes com essa parceria com a União Espírita Mineira”, afirmou.
“O fato é que não temos muito mais para onde crescer no campus Pampulha. Um dos futuros da UFMG está aqui, em Pedro Leopoldo”, afirma a reitora Sandra Regina Goulart Almeida. “Em princípio, devemos começar com cursos de extensão e projetos específicos. Mas quem sabe, no futuro, não possamos até mesmo ministrar cursos aqui?”, projeta a reitora.
Recentemente, a regularização fundiária da área foi concluída, possibilitando a transformação da propriedade em um Centro de Produção Sustentável, que integra as ações da UFMG e do governo local. Esse processo permitirá a recuperação, preservação e disponibilização do acervo histórico da fazenda ao público, com ênfase na produção sustentável, preservação ambiental e turismo religioso.
Essa contextualização histórica é abordada no resumo do artigo História da Fazenda Modelo da UFMG em Pedro Leopoldo – MG, publicado em 2018 na revista científica Semana Acadêmica, pelo historiador Murilo Luiz Gentil de Oliveira, mestre em Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável pela Escola de Arquitetura e Urbanismo da UFMG.
No artigo, Murilo Gentil relata de forma detalhada a história da Fazenda Modelo, e o texto completo pode ser acessado na revista científica. O artigo pode ser lido na Revista Científica Semana Acadêmica.
Para o pesquisador, a transferência da fazenda para a universidade permitirá sua transformação em um polo “interdisciplinar de sustentabilidade e produção de conhecimento, funcionando como um parque integrador”, “onde a cidade poderá se envolver diretamente com o espaço e acompanhar de perto os experimentos realizados”.
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