“Neorrurais” trocam vida na cidade pelo campo
Cresce o movimento de famílias que deixam o espaço urbano para trabalhar e viver na zona rural
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Uma mudança de percepção sobre o campo está em curso. Ele está deixando de ser visto como um lugar atrasado e se tornando desejado pela qualidade de vida que oferece e pelas oportunidades, reforçadas com os resultados positivos do agronegócio.
Em busca de mudança, os “neorrurais”, conectados e conscientes sobre a preservação da natureza, trocam a vida na cidade pela agricultura e apostam também em outras atividades, como turismo rural, ecoturismo e artesanato.
O pesquisador da Embrapa Territorial, Ivan André Alvarez, explicou que existe uma cultura que o homem do campo negava e que é desejada pelo “neorrural”. “A simplicidade que o neorrural está buscando era entendida como coisa de caipira”, diferenciou.
Em busca de qualidade de vida, o produtor rural Victor Lofego, de 44 anos, e a mulher Trícia Guizzardi, de 39, mudaram de vida há cinco meses. Eles deixaram a Praia do Canto, em Vitória, para morar na zona rural de Santa Teresa.
O casal tem três filhas: Anita, de 8 anos, Valentina, de 4, e Olívia, de 2 anos. E um dos fatores decisivos para a mudança foi ter no município uma escola pública que se destaca pela qualidade do ensino, onde elas pudessem estudar.

“Eu trabalhava na Serra e morava em Vitória. E minhas filhas estudavam em Bento Ferreira, na capital. Perdia muito tempo com deslocamento, trânsito. Hoje, só com escola, economizo R$ 5.700. O motorista do ônibus busca as meninas na porta”, contou Victor.
Como Victor produz cogumelos para vender, sua atividade pode ser realizada na roça. Já sua esposa, que é a gerente administrativa, começou a trabalhar de forma remota durante a pandemia de covid-19, o que também possibilitou a mudança.
Na propriedade de três hectares, que fica a 4 km da cidade, o casal tem horta, frutas e cria galinhas. Lá, a família está construindo uma estufa para a produção de uma tonelada de cogumelos por mês, que continuará sendo entregue na Grande Vitória.
Eles também estão construindo ainda uma hospedagem na modalidade cama e café, que Trícia está decorando com artesanato em macramê feito por ela mesma. Além disso, na propriedade tem lavoura, e eles pretendem cultivar café orgânico.
“Ás vezes, a gente pensa que tem que trabalhar muito para pagar uma boa escola, e tem um monte de coisa que nossos filhos não estão aprendendo que é mais importante. Quero dar para as minhas filhas atenção e ensinar a respeitar a natureza e a conviver com a diversidade”, contou Trícia Guizzardi.
Você sabia?
Com o mundo conectado está havendo uma redução das distâncias entre o campo e a cidade.
A partir de uma mudança cultural, impulsionada principalmente pela pandemia, o lazer no campo vem sendo mais valorizado. Sítios de lazer chegam muitas vezes a render mais que a produção agrícola tradicional.
Novo plano de vida
Moradores de Viana, o aposentado Renan da Silva, de 54 anos, e a auxiliar de escritório Tânia Mara Matiello, de 54, vão se mudar para a zona rural de Domingos Martins, assim que ela se aposentar.
Hoje, ele já passa a semana na roça, na propriedade que compraram, e ela vai aos fins de semana, já que ainda trabalha na cidade. Com a mudança, pretendem apostar na agricultura para complementar a renda.
“O objetivo é produzir alimentos orgânicos para vender”, contou Renan. Enquanto Tânia destacou: “Lá escutamos barulho da cachoeira, dos pássaros. Gosto de apreciar isso”.

Diversificação para manter a renda o ano todo
Um dos grandes desafios de viver na zona rural é encontrar uma diversificação de atividades capaz de criar renda o ano todo. Geralmente, quem vive da agricultura e não aposta numa variedade de produtos acaba tendo que se organizar com o dinheiro que recebe na época da colheita, para passar o ano todo.
Por isso, na roça, é tão importante apostar na diversificação seja ela de produtos ou negócios. Alguns produtores rurais apostam em culturas diferentes, outros buscam investir também na agroindústria, no agroturismo, por exemplo.
O presidente do Sindicato Rural de Pancas e membro Titular do Conselho Fiscal da Federação da Agricultura e Pecuária do Espírito Santo (Faes), Wendius Lucas, destacou que a diversificação, além de novos rendimentos, também cria novas oportunidades de trabalho na propriedade.
Filho de produtor rural, depois de cursar Medicina Veterinária Wendius está voltando para a propriedade da família. “Meu pai sempre foi pecuarista e agora a gente está implantando a lavoura de café. Se o boi estiver em baixa, tem o café, e vice-versa”.
Capacitado para fazer essa transição, Wendius destaca que para quem não estudou o assunto é importe buscar assistência técnica. Ela é oferecida pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Rural do Espírito Santo (Senar-ES).
Trata-se de uma assistência prestada ao produtor, que envolve desde adequação ambiental a regularização dos aspectos legais. Além disso, o Senar-ES oferece diversos cursos envolvendo culturas como coco, café, cacau. Além de fomentar a agroindústria familiar.
O acesso aos cursos e à assistência ocorre por meio do sindicato rural dos municípios. Mas, atualmente, também há muito conhecimento sobre o assunto disponível na internet.
O economista Luiz Sant’Anna explicou que quem deseja mudar de área, sair da cidade para viver e trabalhar no campo, deve se planejar. “Se vai plantar café, por exemplo, até começar a produzir vai levar dois anos”, reforça.
Ainda segundo o economista, é preciso fazer uma reserva, saber em que atividade vai apostar, em quanto tempo vai reaver o investimento e criar receitas e, também, o que vai fazer com ela. “A vantagem é que o custo de vida no campo é bem menor”, observou.
SAIBA MAIS
“Neorrurais”
- Tratam-se de famílias que vivem na cidade e decidem mudar de vida e morar no campo.
- Há diversos tipos de neorrural. Desde pessoas que nunca moraram na roça e nem têm intimidade com esse ambiente a pessoas cujos pais ou avós abandonaram a agricultura e que resolveram retomar esse caminho, por exemplo.
- O “neorrural” não tem idade, são desde casais jovens a pessoas que se aposentaram e buscam um nova fonte de renda no campo.
Trabalhar e viver no campo
Vantagens
- Tem contato direto com a natureza e a oportunidade de aprender o que ela tem a ensinar.
- Respira ar puro.
- Pode produzir o próprio alimento e ter uma alimentação mais saudável.
- Tem mais qualidade de vida, longe da poluição sonora e, normalmente, longe da violência.
- Tem uma diversidade de oportunidades para empreender, envolvendo serviços ambientais, agricultura, turismo rural, ecoturismo, gastronomia e outras atividades.
- Apesar de haver menos pessoas morando próximas umas as outras, os relacionamentos são mais valorizados. Os moradores se preocupam mais uns com os outros.
- Com o avanço da tecnologia, o trabalho tem ficado mais leve, menos braçal. A tendência é de que as máquinas substituam cada vez mais o trabalho mais pesado.
- Para aqueles que buscam o autoconhecimento, encontrar o silêncio para momentos de reflexão, meditação, entre outros, é muito mais fácil.
- Comparada a uma casa na cidade, uma casa no campo costuma ter preços bem menores.
Desvantagens
- Dependendo da localização, o acesso à saúde e à educação podem ser difíceis.
- Em algumas regiões cujas estradas não são bem cuidadas e que ficam distante de hospitais, acionar atendimento de emergência como o Samu pode não adiantar muito. Pela dificuldade de acesso e demora para a chegada do socorro.
- O trabalho no campo, principalmente na agricultura, é dependente das mudanças climáticas, algo que o trabalhador não pode controlar.
- Com o avanço da tecnologia, alguns trabalhos dependem da conexão com a internet, que também costuma a desejar nessas áreas.
- Além disso, para fazer compras de determinados itens é necessário ir até a cidade.
- Dependendo do local, é preciso ter um veículo ou meio de transporte, já que pode não haver um transporte público que faça o deslocamento entre o campo e a cidade.
- Falta política pública voltada para quem mora nas grandes cidades e deseja mudar para o campo.
Transição
- Quem vai fazer uma transição de vida, da cidade para o campo, deve iniciar esse processo fazendo uma reserva financeira.
- Paralelamente é importante ir buscando conhecimento e descobrir: para onde vai mudar? Onde vai recomeçar?
- Pesquise sobre o lugar, conheça e converse com pessoas que já moram no local, entenda quais são os prós e contras de viver ali.
- Conheça a região, entenda sobre ela. O que tem? O que falta? Quais são os desafios? Quais são as oportunidades?
- Com o lugar escolhido, faça um planejamento. Qual é o seu objetivo? O que vai fazer? Quais são as atividades nas quais vai apostar para ganhar dinheiro? Pesquise sobre essas atividades, faça cursos, entenda como funciona, quais são os prós e contras, o que é a concorrência, como se diferenciar.
- Calcule tudo, quanto tempo vai levar para o investimento ser recuperado e criar receitas. O que será feito com a receita, por exemplo.
Atividades
- O meio rural oferece uma série de oportunidades para quem deseja trabalhar no campo. Mas é preciso ter um olhar atento, observar as vocações da região, o que já tem, o que falta e tem demanda.
Diversificação
- A diversificação é uma estratégia importante, já que a agricultura depende do clima e de vários outros fatores que influenciam no preço dos produtos. Dessa forma, tendo mais de uma opção ou forma de ganhar dinheiro, o produtor rural consegue ter mais chances de uma vida financeira mais estável.
Políticas públicas
- Falta uma política pública voltada especificamente para quem pretende fazer a transição da cidade para o campo. Seriam necessários incentivos e cursos com foco nessa mudança, por exemplo.
- Outro gargalo que dificulta a transição é a qualidade da internet na zona rural, que ainda deixa a desejar no País.
Capacitação
- A busca de conhecimento deve ser constante para quem quer deixar a cidade e ir para o meio rural. Diversas instituições com Embrapa, Senar, oferecem cursos gratuitos sobre atividades do campo que podem contribuir para esse processo. Além disso há vasto material disponível na internet de forma gratuita sobre o tema.
Fonte: Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), pesquisa AT e fontes citadas na reportagem.
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