“Transtorno bipolar é uma batalha diária”, diz especialista
Ela conta que se reinventou após ser diagnosticada com o distúrbio
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Após ser internada em uma clínica psiquiátrica por conta do transtorno bipolar, a publicitária e professora Dyene Galantini se reinventou e deu uma reviravolta em sua história. Hoje, aos 45 anos, ela é palestrante e ajuda outras pessoas a lidarem com esse desafio.
A mudança foi tão grande que a história virou um livro, escrito por Dyene durante seu processo terapêutico.
A professora escrevia crônicas e relatos cotidianos como um método para entender melhor as fases do transtorno bipolar, uma doença psiquiátrica marcada pela alternância de humor, que pode variar de intensidade, duração e frequência.
De acordo com ela, os episódios de depressão, chamados de mania, provocam profundas mudanças comportamentais que afetam a vida social, o dia a dia no trabalho e a convivência em família.
Por isso, é importante avaliar se há necessidade de buscar ajuda médica, a depender dos sintomas apresentados. Segundo a Associação Brasileira de Transtorno Bipolar, no Brasil, a estimativa é que haja aproximadamente 15 milhões de bipolares. “O transtorno bipolar é uma batalha diária”, aponta.
A TRIBUNA – Como foi o seu diagnóstico?
Dyene Galantini – Aconteceu algo atípico. Sempre fui feliz e animada, mas um certo dia, senti uma tristeza que não conseguia explicar. Isso foi evoluindo e se tornou uma angústia, um medo e um sentimento de inutilidade a um ponto em que eu só chorava e não conseguia trabalhar.
Busquei um médico e ele disse que era depressão. Tratei dos sintomas e o oposto começou a ocorrer: senti uma energia forte, não tinha vontade de dormir, só queria trabalhar. Era um desequilíbrio.
Por segurança própria e orientação da minha psicóloga, me internei em um hospital psiquiátrico. Fiquei 12 dias e recebi o diagnóstico de transtorno bipolar. Eu escondi isso por 10 anos, com medo do preconceito.
Qual é a diferença entre a mudança de humor e o transtorno bipolar?
A intensidade e a frequência das alterações de humor são marcadores importantes. Não dormir uma ou duas noites é tranquilo, mas ficar por 10 dias sem dormir, junto a outros sintomas, é uma representação dessa intensidade.
Além disso, os períodos de depressão vêm do nada, sem razão ou motivo aparente. O histórico familiar é importante também. É interessante buscar um psiquiatra para o diagnóstico.
O que causa o transtorno bipolar?
É uma doença muito complexa. Todos buscam uma causa, como se fosse um acontecimento como uma demissão ou uma separação, mas não existe apenas uma causa.
Podem ser fatores biológicos e genéticos, um desequilíbrio nos neurotransmissores ou surgir de um gatilho como o estresse. Há casos de pessoas com histórico familiar, mas a maioria das pessoas desenvolvem a doença.
O que te levou à necessidade de internação?
Eu virei uma ameaça para mim mesma e, quando chega neste grau, é possível considerar uma internação. O transtorno bipolar é uma batalha diária.
O grupo de apoio durante a internação me fez conseguir ver que tinham pessoas que haviam aprendido a lidar com a doença. Pude ver que ficaria bem em um dia.
Como a falta do diagnóstico pode afetar o cotidiano de uma pessoa com o transtorno?
A falta do diagnóstico pode agravar conflitos nos relacionamentos, no emprego e na convivência familiar. Algumas pessoas podem desenvolver problemas com drogas e álcool.
Geralmente, os diagnosticados são mais vulneráveis a comportamentos arriscados. Por isso, faço o trabalho de conscientização em escolas e empresas. Muitas pessoas ainda não buscam ajuda por medo do preconceito.
Há graus ou tipos diferentes de bipolaridade?
Minha psiquiatra faz uma boa analogia: o transtorno é um combustível e a pessoa é um veículo. Se coloca o combustível em um helicóptero, funciona de um jeito. Quando colocamos em um carro, funciona de outro. Existem tipos diferentes e cada pessoa tem uma forma de lidar, apesar do mesmo diagnóstico.
Minha personalidade é tranquila e as pessoas têm uma quebra de expectativa quando descobrem que sou bipolar, por exemplo. Isso depende das ferramentas emocionais. São vários tipos de bipolaridade.
No primeiro, as fases de euforia são mais latentes. No segundo, a depressão é mais latente. Eu sou o ciclo rápido, que basicamente pode sair da depressão para a euforia no mesmo dia.
Como decidiu palestrar sobre o tema?
Cheguei em uma posição no emprego em que poderia fazer algum tipo de transformação. Muitos falavam em tom ruim sobre pessoas com transtornos mentais e eu ficava calada, mas, então, entendi que estou em uma posição em que posso fazer a diferença.
Contei ao meu chefe e ele me disse que a vulnerabilidade é uma característica dos grandes líderes. É muito bom porque consegui dar voz a uma comunidade inteira. Acho válido pessoas em cargos de liderança serem abertas a falar sobre com o diagnóstico.
As palestras surgiram de uma necessidade terapêutica sua, além da vontade de ajudar o próximo?
Sim, as duas coisas. Acho que falar sobre isso é uma lembrança de que eu tenho o transtorno, da minha superação e, ao mesmo tempo, é incrível construir diálogo sobre o tema e ajudar pessoas a estabilizarem a doença. Me conforto com isso.
O que pode ser um sinal de alerta para buscar psiquiatra?
Há vários sinais de alerta, como quando as emoções te impedem de fazer coisas que sempre te deram prazer ou de, por exemplo, você sempre foi sociável e, do nada, fica recluso.
Se você começa a ter comportamentos arriscados, como fazer dívidas com compras excessivas, de coisas que não precisa. E, talvez, um dos principais é quando as pessoas que te amam notam essas diferenças em você.
Como funciona o tratamento?
Uma vez por semana, no meu caso, vou ao atendimento psiquiátrico e tomo, todos os dias, um remédio estabilizador de humor. Algumas atividades são muito benéficas, como praticar atividade física frequentemente e meditar.
Com elas, a mente fica concentrada no presente e a vida fica mais leve. Encaro como uma prescrição médica porque são atividades fundamentais para a gestão do estresse, que é um gatilho para a piora do quadro.
Me controlo, também, para não trabalhar excessivamente. Buscar o equilíbrio entre a vida social com os amigos, o dia a dia no trabalho e o convívio familiar é uma das fórmulas para viver de um jeito mais saudável.
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