Psicanalista: “Pais precisam deixar filhos viverem as frustrações”
Educadora explica que é possível criar filhos com amor, limites e conexão para que sejam capazes de resolver seus problemas sozinhos
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Impor limites ou ser amigo dos filhos? Frustrar ou permitir? Monitorar ou confiar? As dúvidas estão sempre pairando quando o assunto é a criação dos filhos, principalmente, em um mundo cada vez mais conectado e desafiador.
Para a educadora parental Jacqueline Vilela, nada precisa ser apenas um ou outro. “É possível criar filhos com amor, limites e conexão”.
Ela reforça que os pais não precisam criar frustrações para que os filhos aprendam. No entanto, devem deixá-los vivenciarem aquelas que aparecerem.
“Os pais, muitas vezes, querem tirar todas as pedras que aparecem no caminho dos filhos, mas precisam também deixar que eles lidem com isso”.
Autora de livros como “Meu filho cresceu, e agora?”, “Detox digital” e “Pare o mundo que eu quero descer”, Jacqueline vem ao Estado para uma palestra esta semana, a convite do Centro Educacional Leonardo da Vinci.
A Tribuna - Afinal, existe uma forma de criar filhos com amor, limites e conexão ao mesmo tempo?
Jacqueline Vilela - Sim, é muito possível, na verdade. A grande confusão que a gente faz é como entendemos o que é amor, o que é limite e o que é conexão.
Muitas vezes a gente aprendeu na infância, pela forma como a gente foi educado, o tipo de amor que é condicionado. Por exemplo, a gente está sempre falando para as crianças 'se você chorar, eu vou ficar triste', ou 'se você não comer tudo, eu vou ficar triste', ou até 'se você tirar boas notas, eu vou ficar feliz'. Então a gente vai condicionando o amor a atos, a 'ser bonzinho'. Quando eu atrelo o amor a algo que espero que meu filho faça, eu me desconecto dele.
Mas esse tipo de frase é algo que ouvimos e vamos repassando. Difícil de desconstruir?
Claro. Isso nos foi ensinado. O que precisamos é começar a dar outra mensagem para o filho, de que eu o amo, independentemente de qualquer coisa. Mas isso não significa que eu aceite todos os atos e todos os comportamentos do filho. Ele precisa deixar claro e conversar quando não está gostando de algo.
Assim se consegue essa conexão?
Sim. Porque o amor precisa sempre ser preservado, mas sem deixar de ter limites. Por exemplo, eu trabalho muito com pais de adolescentes e muitos me perguntam se controlar o uso e onde o meu filho está usando as tecnologias não estaria infringindo a liberdade dele.
Eu falo que isso depende. Se o pai está fazendo isso como forma de punição, sim. Mas se o pai faz isso como proteção, aí ele não está infringindo e precisa deixar claro.
Veja bem, a pessoa deixaria um filho de 12 ou 13 anos ir sozinho para o Rock in Rio e falaria para ele que o buscaria às 5h? Ninguém faria isso, mas a internet é a mesma coisa.
Então, é preciso falar 'eu vou controlar porque isso é proteção e não uma forma de punição'. Esse jogo que a gente precisa aprender a fazer. Explicar para os filhos qual a intenção naquela atitude que está sendo tomada.
Seria uma forma de impor limites sem se desconectar deles, certo?
Com certeza. Os limites precisam existir. Eu preciso dizer 'filho, você tem todo o direito de ficar triste, de ficar frustrado, de ficar chateado porque eu te disse um não, mas você não tem o direito de bater, de gritar'. Aí está o limite, mantendo a conexão.
Quando fala em conexão, isso significa ser amigo dos filhos?
Eu diria que pai e mãe precisam ser amigos 'também'. Mas temos que desconstruir o que é uma amizade. A amizade saudável que a gente tem que ensinar para os nossos filhos é que o amigo é aquele que escuta, é aquele que acolhe, mas é aquele que não vai passar a mão na cabeça e aceitar tudo. É aquele que também vai falar quando achar que o outro está errado.
Então, sim, o pai e a mãe nesse sentido devem ser amigos também, no sentido de serem as pessoas que o filho vai se sentir confortável para perguntar, para falar.
Como preservar esse espaço em um mundo tão conectado, com pais cansados, com uma rotina apertada?
Esse é um grande desafio, porque o vínculo é construído quando os pais estão emocionalmente disponíveis para os filhos. E nem sempre a presença física significa disponibilidade emocional. Os pais estão cansados mesmo.
Muitas vezes, acham que o filho tem tudo – casa, comida e roupa lavada – mas não tem a presença emocional do pai, não tem conversas, não tem brincadeira. É preciso criar momentos. Reservar tempo, ambientes sem celular para todos, por exemplo, na hora da refeição.
Para criar um terreno bom para a adolescência, é preciso ter conexão. A adolescência é uma fase de exploração. Se o filho está afastado dos pais, não adianta falar que eles não serão ouvidos.
E como dosar o limite entre a permissividade e o autoritarismo? É preciso ensinar os filhos a se frustrarem?
Olha, não é preciso criar frustrações para os nossos filhos aprenderem. A vida já se encarrega disso. Tem muitos pais que criam dificuldades para os filhos, para que aprendam que a vida é difícil às vezes. Não é por aí.
Mas ao mesmo tempo, a gente não tem que criar facilidade, entende?
Temos que deixar os filhos serem capazes de resolver as coisas sozinhos também. A gente tem que estar ali para escutar, para conversar e para mostrar que ele pode resolver, sem facilitar para ele.
Mas muitos hoje facilitam?
Demais. Muitos pais que tiveram uma educação muito autoritária foram para o extremo, que é a permissividade. E a permissividade é mais nociva do que o autoritarismo. É fazer a criança ser educada sem contorno nenhum.
Porque o limite que o pai dá é esse contorno. Mas como essa criança ou adolescente vai entender que ele não pode ter tudo? Porque a verdade é que na sociedade não se pode tudo.
Como exemplo, esses dias viralizou a história da mãe que foi chamada na escola porque a filha celíaca levou um bolo, com cobertura preparado por ela. A mãe de um colega reclamou com a escola que o filho tinha passado “vontade” porque a amiga tinha levado um bolo que os outros não tinham.
Olha que oportunidade linda de conversar com essa criança que sentiu vontade de comer um bolo.
Por que reclamar com a escola e não conversar com o próprio filho? Falar 'filho, você sabia que a amiguinha passa muita vontade também de comer as coisas que todos podem comer? Já imaginou quantas vezes ela passa vontade ao ver vocês comendo as coisas?'.
Mas ela decidiu que o filho não poderia se frustrar, né?
Sim. Não podemos fazer isso. Essas situações de frustrações são oportunidades de ensinar. Então precisamos deixar que os nossos filhos vivenciem as frustrações que chegarem.
Tem pais que estão levando os filhos adultos a entrevistas de emprego. Imagina isso. Os pais não precisam tirar todas as pedras dos caminhos dos filhos, limpar tudo.
Assim como também os pais podem mostrar aos filhos que também erram, também fracassam e que também se frustram. E que está tudo bem. Esse tipo de coisa ensina muito para os filhos.
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