“Games estão roubando o tempo de vida dos jovens”, diz doutor em psicologia
O vício em jogos entrou para o rol das doenças catalogadas pela OMS. Psicólogo Cristiano Nabuco faz um alerta sobre o problema
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O abuso de jogos é, agora, oficialmente considerado uma doença. O Distúrbio de Games entrou no rol das patologias catalogadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) neste ano. E já é considerado um problema de saúde pública em vários países, que se agrava à medida que os jogos evoluem.
Estudos apontam que cerca de 2% da população mundial sofre do transtorno caracterizado pela perda de controle do tempo de jogo, como explica o psicólogo e pós-doutor Cristiano Nabuco.

Autor de 15 livros e coordenador do Grupo de Dependências Tecnológicas do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP, ele diz que o vício rouba tempo e experiência de vida dos jovens que, muitas vezes, não são possíveis de serem recuperados.
A Tribuna - O que significa o abuso de jogos ser considerado uma doença?
Cristiano Nabuco- Na medida em que temos esse quadro reconhecido como uma patologia mundial podemos, entre outras coisas, contar com instituições que abrem programas de atendimento e internação, a institucionalização como a gente diz.
Como esse problema afeta a vida dos jovens?
O que temos visto é que o número de indivíduos que faz uso abusivo dos jogos aumenta de uma maneira exponencial.
Principalmente depois que começou a pandemia, quando a tela se tornou uma das poucas janelas para o mundo, e essa utilização disparou ainda mais como forma de entretenimento. Como não havia outros recursos, esse uso se tornou mais significativo, para não dizer preocupante.
Devemos continuar conscientizando a população para que esses jogos não sejam entendidos como um mero entretenimento, mas algo que pode trazer problemas significativos a médio e longo prazo.
Hoje é muito comum jovens que têm como profissão os games. Como reconhecer esse transtorno?
Esse é um dos grandes desafios. Muitos jovens trazem um comprometimento bastante amplo por causa dos jogos. A maioria deles, quando perde o controle, abandona atividades acadêmicas, sociais e familiares. Então, isso, obviamente, começa a impor um pedágio bastante significativo.
A quantidade de pacientes que atendemos, entre 15 e 25 anos, simplesmente largaram a vida, abandonaram as atividades que seriam esperadas pela idade, e ficam aí navegando 20, 30, 40, 50 horas ininterruptas. Inclusive, urinam na calça. Outros usam fraldas, só para não parar de jogar.
Nós não temos mais o “game over” que encerrava e dava a pausa, hoje os jogos não acabam mais. Quando sai do jogo, o jogador desassiste seus colegas, pessoas que de uma maneira ou de outra te dão amparos e reconhecimento social. O que não é muito legal.
Então, acaba tendo uma penalização. Para eles, abandonar o jogo se torna muito mais difícil, pode suscitar algum tipo de exclusão social. Para ter uma ideia, na China há cerca de 200 hospitais militares só para tratar essa dependência de jogos. De fato, já é considerado um problema de saúde pública em outros países.
Mas os jogos são sempre perigosos?
Na grande parte das vezes, os usuários fazem uma utilização saudável, mas nem sempre é assim. Eles podem desenvolver quadros mais agudos e criar problemas a médio e longo prazo. Principalmente quando esses jogos começam de uma forma precoce, com 10 ou 12 anos.
Esse jovem cria outra identidade, uma identidade digital, e há uma substituição da vida real pelavida virtual onde ele consegue sucesso e aceitação que não tem na vida concreta.
Os games estão roubando o tempo de vida desses jovens. Roubam experiências que são importantes para um determinado momento, que precisam ser vivenciadas e que não são por causa do abuso dos jogos.
Quais as consequências?
Temos elementos na vida que vão modelando a maturidade psicológica. O primeiro deles é lidar com situações que o deixam frustrado. Mas esses jovens não trabalham a perspectiva da frustração. Então, observamos que quando eles são obrigados a se relacionar com os outros, estão muito despreparados. Tem a mentalidade de adolescente quando adultos e não envolveram aqueles recursos emocionais tão importantes para a vida adulta. Eles perderam o time da vida e os efeitos são devastadores.
Adianta os pais proibirem?
Acho que é muito difícil proibir. Eles se isolam e mudam de plataforma. Alguns pais cancelam o sinal de internet, arrancam o fio da parede, mas pode ser pior. Esse jovem, geralmente, não sabe o que fazer, não consegue lidar com a questão de tolerância emocional e pode ter, como já vimos em alguns casos, ataques de fúria. Tem de supervisionar, ficar minimamente atento para que os jogos não ocupem um lugar superestimado na vida pessoal desse jovem.
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