Do quartel à prefeitura: conheça a futura vice-prefeita de Vitória
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Capitã da Polícia Militar e agora vice-prefeita eleita de Vitória, Estéfane da Silva Franca Ferreira possui todos os predicados que, mesmo de forma indireta, “chamaram” votos ao futuro prefeito Lorenzo Pazolini: apoios feminino, de conservadores, raciais e ligados à segurança.
Sobre cada um desses temas ela tem uma resposta firme, mas, além disso, um objetivo: “Pretendo, com um bom trabalho, quebrar o paradigma de que vice é cargo estratégico para ganhar eleição”.
E nesta entrevista, concedida entre uma agenda e outra, a capitã não desconversa ao falar de machismo: “Senti, de forma velada, em várias fases da minha vida”. Sobre racismo: “Há uma dificuldade em ver negros em destaque, mas vou progredir mesmo diante as resistências”. E conservadorismo: “Se tem a ver com valores, sou. Mas sem radicalismo”.
Quem é?
Capitã Estéfane
- Onde nasceu: Conselheiro Pena (MG). Hoje mora em Joana D'Arc.
- Idade: 29 anos. É casada e mãe de um menino de 1 ano e 6 meses.
- Formação: Bacharel em Direito. Fez o curso de Formação de Oficiais. Cursa atualmente uma pós-graduação em Direito Militar.
- Carreira: Foi soldado. Depois, aspirante por um ano. Foi então promovida a segundo tenente. E depois a primeiro tenente em 2017. Em 2019, tornou-se capitã. Fez parte do conselho municipal de Direitos Humanos, representando a PM. É, agora, a próxima vice-prefeita de Vitória.
A seguir, o que pensa a próxima vice-prefeita da capital:

A Tribuna – Por que sua família deixou Conselheiro Pena (MG) e se mudou para Vitória?
Capitã Estéfane – Foi quando eu tinha 11 anos. Minha mãe, que foi faxineira e hoje é encarregada de uma equipe de limpeza, veio buscar emprego aqui e chegamos a São Pedro, Vitória. Em Minas, era mais difícil. Meu pai é ajudante de pedreiro, mas mora em Minas. Fiquei até uma parte da juventude morando em São Pedro e agora moro em Joana D’Arc. Estudei em escolas municipais e estaduais a vida toda.
E depois, por que entrou na Polícia Militar?
Tinha prestado vestibular para Direito, mas não deu certo. Mas passei no concurso para soldado, aos 17 anos. Quando ingressei no serviço, percebi que era uma boa carreira. Depois, abriu o edital do Curso de Formação de Oficiais e passei. Hoje, cheguei a capitã. Trabalhei a maior parte no operacional, na rua, como soldado.
Passei cerca de três anos trabalhando em regimes de escala, como comandante de policiamento. Depois, passei para funções administrativas. Lembro até hoje de um triplo homicídio no Morro da Garrafa, entre 2015 e 2016. O chamado chegou às 3 horas. Era tudo incomum: o horário, o tipo da ocorrência. Eram muitos projéteis, um corpo em cada local do morro. Todos jovens, assassinados. Mas atuei contra muito roubo, latrocínio (roubo seguido de morte).
Indo para a política, por que optou por se filiar ao Republicanos?
Foi em meados de setembro, porque recebi o convite do Pazolini. Faltavam pouco menos de 15 dias para o prazo final de filiação. Foi só o tempo de analisar a proposta. Nunca tinha me filiado antes. Aconteceu exclusivamente pelo convite de ser vice. Não conhecia ninguém, mas eu e o Pazolini tínhamos um amigo em comum. E, dentro desse processo de construção de chapa, disse que precisava de um perfil específico. Nem ele acreditava que eu ia aceitar.
E por que aceitou?
Seria uma oportunidade de fazer algo significativo, que pudesse mudar a vida das pessoas. É o que eu sempre busquei, mas não tive meio de executar.
Vices costumam ganhar musculatura política e depois se candidatar, a priori, ao Legislativo. Ser deputada estadual ou federal está nos seus planos para daqui dois anos?
Ainda estou iniciando minha vida política, me familiarizando com o meio. Não tenho nenhum plano traçado ainda. Pretendo fazer um bom trabalho para quebrar o paradigma de que vice é cargo estratégico para ganhar eleição.
E exercer uma secretaria na prefeitura?
Ainda estamos focando na transição, que este ano ocorre num espaço menor de tempo. Vamos dialogar ainda sobre isso, mas seguirei falando e sendo ouvida, dialogando com secretarias, em ligações, coordenação, como já faço.
Um dos projetos da nossa gestão que tem muito a ver comigo é a Casa Rosa, um centro de referência para a mulher, para inclusão, acolhimento de vítimas de violência doméstica.
Como filiada ao Republicanos (o partido tem como seu presidente um bispo da Igreja Universal do Reino de Deus), se considera conservadora?
Eu acredito que a nossa sociedade tem valores e esses valores estão permeados no nosso sistema jurídico. E, por vezes, são descumpridos. Sempre que me perguntam, digo: “Gente, tem um sistema legal que traduz nossos valores, mas que não é posto em prática”. E quais valores? Republicanos, familiares, da boa convivência, do respeito. Se o conservadorismo tem a ver com esses valores, sim.
Mas não sou radical. A gente tem que ter equilíbrio em tudo. Principalmente ao falar de coletividade, equilíbrio, respeito. Esses valores estão alinhados aos valores da sociedade.

A senhora está em dois meios predominantemente masculinos: a PM e a política. Sofreu machismo?
Eu sinto isso na minha vida inteira. Tenho capacidade de observação muito aguçada. Nada relacionado à campanha com Pazolini, mas a sociedade em si é machista e tem resistência à figura do feminino, principalmente em funções de comando, de poder. Senti isso em todas as fases da minha vida — porque sempre tive tendência à liderança. E vou desconstruindo isso com postura profissional, diálogo — e é assim na política, no meio acadêmico. E será na prefeitura. Foi assim durante o processo eleitoral. É algo velado, está ali.
É assim com o racismo?
Vejo da mesma forma que o machismo. Não querem aceitar que as pessoas negras estejam em funções de destaque. Elas querem negras em função de serviço: ser empregada, ok. Ser comandante, líder, uma pessoa que está no comando; a gente sente resistência.
Mas eu sou uma privilegiada: nunca sofri de forma direta, visível. A gente escuta piadinhas, resistência. O semblante das pessoas é diferente. Mas vou desconstruindo aos poucos. E eu acredito que eu já tenho uma experiência de vida que me dá essa capacidade de progredir, mesmo diante as resistências.
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