Mais de 60 crianças sofrem ameaça de morte no Estado
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Seja pelo envolvimento de pais, irmãos e outros parentes no crime ou até mesmo pela própria ligação com o tráfico de drogas, crianças e adolescentes estão buscando ajuda de autoridades para escapar das mãos de criminosos que ameaçam tirar suas vidas. Até bebês integram uma lista de 63 menores que precisam de proteção.
Desesperadas, muitas famílias fazem grandes mudanças de vida. As que possuem condições de se mudar vão até para outros estados. Mas aqueles que não têm para onde ir acabam buscando ajuda do governo e de programas sociais.

Os que buscam apoio do governo são encaminhados ao Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCAAM), que até junho deste ano recebeu mais de 60 solicitações. Atualmente, 63 menores que sofreram ameaças são atendidos pelo programa.
“O programa é voltado para crianças e adolescentes, mas também permite a proteção dos familiares que são ameaçados. Das 63 pessoas protegidas pelo programa este ano, 5 são crianças de 0 a 2 anos”, informou o coordenador-geral do PPCAAM, Márcio Bertaso.
Ele explicou que a maioria dos protegidos recebe ameaças por conta do envolvimento com o tráfico de drogas. Entretanto, o programa também registra casos que envolvem violência doméstica.
“Situações nas quais há um conflito interno entre familiares, em que os próprios pais acabam colocando os filhos no meio e fazendo ameaças”, explicou Bertaso.
Além do programa, outros órgãos também recebem os casos de ameaças sofridas por adolescentes e crianças, como o Tribunal de Justiça do Estado.
“Os casos são relatados nas audiências. A maioria deles ocorre por conta do envolvimento de parentes e do próprio jovem nas drogas”, revela Ezequiel Turíbio, professor de Direito e juiz.
Quem passou por ameaças após se envolver com o tráfico de drogas, foi um garçom, hoje com 22 anos, que preferiu não ter a identidade revelada. Aos 17 anos, ele quase foi morto por um traficante e chegou a se mudar do Estado para garantir sua segurança. “A única coisa que me restou foi fugir”, disse.
“Precisei fugir para não ser morto”, diz jovem ameaçado de morte por bandidos
A rebeldia da adolescência, aliada às “más influências”, virou uma luta diária, que já dura quase cinco anos na vida de um jovem, hoje com 22 anos. O rapaz, que quase foi morto por conta das dívidas com o tráfico de drogas, precisou ir embora do Estado.
“Ou eu fazia isso ou morria”, contou o jovem, que decidiu contar à reportagem de A Tribuna detalhes da sua luta contra o vício em drogas.
A Tribuna — Começou a usar drogas com quantos anos?
Jovem — Eu tive uma infância muito boa. Nunca precisei disso. Mas caí nessa vida por influências. Eu comecei a usar com 17 anos. Usava cocaína e era de forma muito compulsiva.
Foi ameaçado de morte alguma vez?
Já tentaram me matar duas vezes. Precisei fugir para outro estado para não morrer. Fui corrido para a Bahia. Tinha 17 anos e minha sorte é que eu tinha onde ficar lá, porque, se eu não tivesse, teria morrido aqui.
Sua família como ficou nessa situação?
Sofrendo muito. Os traficantes tentaram invadir minha casa três vezes. Dentro de casa, estávamos eu, meu pai e minha avó.
Tentaram invadir para te matar porque você não pagou as drogas?
Isso. Na época que me viciei, eu até tinha meu dinheiro, pois fazia alguns serviços informais. Mas o dinheiro que eu pegava, gastava todo com drogas. Por fim, como eu fui pegando muito, as verbas foram acabando. Tive de fugir para a Bahia.
Como está sua vida hoje?
Hoje, eu estou em uma clínica de reabilitação, onde luto todos os dias contra o meu vício. Aqui, eu conheci a Deus de verdade. Também desenvolvi o dom de escrever. Escrevo poemas.
Qual é o seu maior sonho?
Me libertar das drogas e recuperar o amor da minha família, porque, depois que me viciei, os únicos que não me abandonaram foram meu pai e minha avó.
Meninas viram alvo após fim de namoro com traficantes
As ameaças contra adolescentes ocorrem não só com meninos, mas também com meninas. Entre os principais motivos, está o término de relacionamentos com criminosos, conforme explica o coordenador-geral do Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCAAM), Márcio Bertaso.
“Algumas se tornam alvo após a tentativa de romper seus relacionamentos com algum traficante, por exemplo. Por não aceitarem o término, eles passam a ameaçá-las e também suas famílias”, disse Bertaso.
Outra causa das ameaças contra o público feminino, segundo o coordenador-geral do programa, é a negativa de continuar trabalhando para o crime.
“Outro motivo que gera ameaça é o envolvimento em rede de exploração sexual. São meninas e mulheres que estavam em alguma situação de exploração e, ao tentarem sair dessa rede, passaram a ser ameaçadas também”, explicou o coordenador do PPCAAM.
Até crianças com autismo são ameaçadas por causa de irmão
Duas crianças autistas, a mãe, o pai e um irmão de 20 anos precisaram sair de casa, em Novo Horizonte, na Serra, após sofrerem ameaças de traficantes da região. O motivo da perseguição está relacionado ao fato de o irmão, envolvido com o crime desde a adolescência, ter pedido para sair do grupo criminoso.
Como os traficantes não aceitavam a saída do rapaz, a família inteira precisou deixar a casa onde morava.
Perseguição depois de trocar de grupo criminoso
Um adolescente de 17 anos foi ameaçado de morte após sair de uma facção criminosa do Estado e entrar em outra. Ele, que cumpria ordens de um determinado grupo, ao se mudar de cidade, acabou se envolvendo com os rivais.
Ao tomar ciência disso, o primeiro grupo criminoso passou a ameaçá-lo. A segunda facção, ao saber dessa troca, também passou a perseguir o jovem.
SAIBA MAIS
Passo a passo para conseguir proteção
- Os responsáveis devem procurar uma das portas de entrada, que são: Vara da Infância e da Juventude (Poder Judiciário), Conselhos Tutelares, Promotoria da Infância e da Juventude (Ministério Público) e a Defensoria Pública.
- O ameaçado e o responsável serão ouvidos pelo órgão escolhido.
- Constatada a necessidade, o PPCAAM é acionado.
- O PPCAAM vai até o ameaçado para uma triagem, feita pela equipe técnica do programa.
- Constatado o risco, o ameaçado e seus familiares são inseridos no programa e retirados do local do conflito. Não precisa ter o aval de nenhuma outra instituição.
- O adolescente pode ser levado sozinho em alguns casos. Ele fica em um abrigo, longe do local de conflito.
- O programa é voltado para bebês, crianças e adolescentes, com faixa etária de 0 a 17 anos.
- Jovens de até 21 anos podem ser incluídos desde que estejam em acompanhamento por serviço especializado da infância e juventude.
Fonte: PPCAAM/ES.
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