Drogas mais perigosas se espalham entre jovens
Novas substâncias psicoativas foram identificadas no País pela Polícia Federal. Muitas têm efeitos pouco conhecidos
Sem nenhum controle na produção e em busca de efeitos mais “potentes”, drogas mais perigosas têm se espalhado entre jovens no Estado.
Esta semana, foi lançado o primeiro informe do Subsistema de Alerta Rápido sobre Drogas, com dados de novas substâncias psicoativas identificadas no País a partir de dados da Polícia Federal e do Instituto de Criminalística do Estado de São Paulo.
Dados nacionais apontam que, em 2020, foram identificadas 677 substâncias, sendo 10 catalogadas pela primeira vez no País. Um destaque foi o aumento da tentativa de entrada de canabinoides sintéticos, o K4, em presídios pelo País. A “maconha sintética” tem efeitos mais tóxicos.
No Estado, o chefe do Departamento de Laboratórios Forenses da Polícia Civil, o perito criminal oficial Fabrício Souza Pelição, explicou que o sistema de alerta passará a incluir dados das polícias civis e perícias estaduais.
Ele destacou a importância desses alertas, já que substâncias cada vez mais perigosas são encontradas no mercado. “Muitas dessas novas substâncias são vendidas na forma de selos, como se fossem LSD, ou na forma de comprimidos, como se fossem o ecstasy”.
O perito criminal federal, André Bittencourt, pontuou que o objetivo dos fabricantes ao fazer mudanças é aumentar o lucro e conseguir não serem presos.
“Eles sintetizam substâncias até chegarem a uma que não está na lista de proibições da Anvisa. Se não é proibida, então não é crime a venda. À medida que identificamos novas moléculas, elas são inseridas na lista de proibições”.
O grande problema, segundo ele, é que a cada substância nova, sabe-se menos sobre reações e efeitos.
Outro fator que contribui para a disseminação dessas drogas é a facilidade da produção. “Elas não são iguais à cocaína, que tem de plantar e trazer para o Brasil. No caso delas, basta comprar os componentes, que se consegue através de drogas lícitas, e se tiver um equipamento faz um estrago terrível”, disse o psiquiatra Rômulo Azevedo.
A pessoa pode ter surto psicótico, agir de forma violenta e ter perda de memória, um dos efeitos do LSD, segundo o coordenador da pós-graduação de Farmácia Clínica da UVV, Andrews Marques.
Fabrício Souza Pelição, perito criminal
“Não há controle de qualidade”
À frente de dois laboratórios forenses da Polícia Civil, o perito oficial criminal Fabrício Souza Pelição fez um alerta para os riscos e falta de controle na fabricação de drogas, principalmente sintéticas.
A TRIBUNA – Há uma preocupação com a identificação de novas drogas circulando?
Fabrício Souza Pelição – Sim. Primeiro, por serem substâncias muito novas. Se fizermos comparativo com um medicamento, a indústria leva 10 a 15 anos testando e fazendo estudos.
Já drogas sintéticas são produzidas em laboratórios clandestinos com a intenção apenas de formar nova molécula que não está listada no rol de substâncias proibidas e vendê-las sem configurar crime. Não se sabe efeitos e reações.
A segunda preocupação é que no tráfico não existe um controle de qualidade. Não se sabe quanto de cada substância está naquele selo ou comprimido.
Elas são comercializadas como se fossem outras drogas?
Sim. Elas vão para o mercado e ninguém que está vendendo ou comprando sabe o que é. Aquele selo de papel, as pessoas acham que é LSD, e o comprimido, acham que é ecstasy. Mas não temos, nos últimos anos, as substâncias originais apreendidas no Estado.
São mais perigosas?
Sim, exatamente por não se saber nada sobre elas. Temos estudos do LSD e ecstasy, pois são antigas. Mas todas podem levar à morte, mesmo drogas tradicionais.
Já tivemos mortes pelo uso dessas substâncias no Estado?
Tivemos várias situações de mortes de jovens que estavam sob efeito dessas drogas, principalmente alucinógenas.
Temos um jovem que morreu em uma festa afogado em uma poça de água. O que pode explicar isso são alucinações, pessoas que pensam estarem sendo perseguidas e se acidentam fatalmente. Além disso, ocorrem mortes pelo efeito tóxico direto da droga, como complicações cardíacas e outros.
SAIBA MAIS
Substâncias novas
- Dados da Polícia Federal e do Instituto de Criminalística do Estado de São Paulo apontam que, somente em 2020, foram produzidos 594 laudos sobre drogas sintéticas.
- Desses laudos, 677 substâncias diferentes foram identificadas, sendo 10 delas vistas pela primeira vez no Brasil.
“Maconha sintética”
- Os dados da Polícia Federal alertam para o aumento da tentativa de entrada de canabinoides sintéticos, conhecida como K4 ou maconha sintética, em presídios do País.
- A droga tem efeitos mais tóxicos do que a maconha e pode ser oferecida na forma de pequenos papéis e selos, ou mesmo associado a folhas secas, para ser “fumada”.
No Estado
- A Polícia Federal e a Polícia Civil não identificaram a presença no Estado de canabinoides sintéticos.
- Quanto a novas substâncias, assim como no País, elas aparecem com frequência, mas comercializadas geralmente como o LSD, na forma de selos, ou ecstasy, na forma de comprimidos ou cristais.
Fonte: Ministério da Justiça e Segurança Pública e peritos das polícias Civil e Federal.
Alerta para o consumo cada vez mais cedo
Além de consumirem drogas mais perigosas, a tendência é que cada vez mais cedo jovens busquem o consumo dessas substâncias, segundo especialistas.
Geralmente, eles começam com o consumo de drogas lícitas, como álcool e tabaco, e depois passam a usar drogas ilícitas e mais pesadas.
Segundo o psiquiatra especialista em dependência química Valdir Campos, quanto mais precoce o uso, maiores serão os danos.
"Nesse período da adolescência e de transição para a vida adulta, o cérebro ainda está em formação. O comprometimento da função cerebral pode implicar em alteração da formação mental da personalidade, que é construída nessa fase”.
Além dos riscos mortais dessas drogas, como arritmia cardíaca e até infarto, elas também podem ocasionar deficiências cognitivas.
Segundo o médico, quando o uso é feito principalmente por pessoas entre 12 a 20 anos, há risco de desenvolverem sequelas, como lesões cerebrais e deficiência cognitiva. No caso daquelas que já têm vulnerabilidade para doenças psiquiátricas, como transtorno de pânico e esquizofrenia, a droga pode ser um gatilho do desencadeamento.
Com relação às causas que podem levar jovens a fazerem uso de drogas, o professor de Psicologia da Ufes Elizeu Borloti explicou que podem ser diversas, como problemas familiares, busca por aprovação dos amigos, vontade de ter sensações novas e eventos traumáticos.
Destacou, ainda, que a pandemia pode ter sido um dos fatores que favoreceram o uso pela juventude.
"Grande parte da vida humana é constituída por relações sociais, e delas vêm os fatores de prazer e de bem-estar. No momento em que a pandemia retirou isso, ficamos um período um pouco perdidos”.
“Quando a busca por sensações fica restrita, o jovem busca fontes de prazer usando substâncias que alteram a consciência e elevam o nível de prazer”, completou.
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